OS PROCESSOS DE DESERTIFICAÇÃO EM ALAGOAS

Falando de uma forma bem simples, solo é uma camada fina composta por diversos tipos de minerais granulados que recobre uma camada rochosa. Entre os principais compostos do solo estão fragmentos minerais como a areia, o silte e a argila, que garantem as suas características estruturais. Esses sedimentos são o resultado de milhões de anos de processos de intemperismo em rochas – radiação solar, chuva, vento e gelo, processos erosivos que transformaram a superfície das rochas em pequenos sedimentos. 

Para que esses sedimentos inertes se transformem em solo fértil é preciso incorporar a eles matéria orgânica, a principal responsável pela fertilidade, a água, elemento que garante a dissolução dos nutrientes, e o ar. É essa combinação de elementos que garante aos solos a capacidade de sustentar vida vegetal e, consequentemente, a vida animal. O tempo gasto para transformar uma região rochosa em uma floresta com solos férteis é contado em milhões de anos. Siga esse link para ter uma descrição mais detalhada. 

Conforme já comentamos em uma postagem anterior, o trecho nordestino da Mata Atlântica foi o responsável pela formação de uma faixa de solos férteis com largura entre 60 e 80 km ao longo da costa. Nas palavras de grandes intelectuais como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Josué de Castro e Capistrano de Abreu, esses solos eram formados por “uma terra escura e gorda”, conhecida por todos como massapê. 

A fecundidade dos solos de massapê chamou a atenção dos europeus desde a chegada da expedição descobridora de Pedro Álvares Cabral. O escrivão-mor da esquadra, Pero Vaz de Caminha, escreve a El-Rei de Portugal: “A terra é em tal maneira dadivosa que em se querendo aproveitar dar-se-á nela tudo”. E dentro do projeto colonial de Portugal, esses solos se prestariam à produção de grandes quantidades de cana, para abastecer os mercados mundiais com açúcar de ótima qualidade

O resultado desse processo todos conhecemos bem – o trecho nordestino da Mata Atlântica foi, literalmente, riscado do mapa em pouco mais de dois séculos, levando junto inúmeras espécies animais e vegetais, rios e a fértil camada dos solos de massapê. A densa floresta tropical que chegava até a linha da areia das praias foi substituída por coqueirais – lembro aqui que o coco é originário do Sudeste Asiático. 

A destruição da cobertura vegetal de uma região pode resultar em consequências devastadores ao meio ambiente – uma delas é o início de processos de desertificação. A pequena Alagoas é uma campeã nacional nessa categoria. Aproximadamente 27% da superfície do Estado está sofrendo com processos acelerados de desertificação

Alagoas tem uma área total de 27,5 mil km² e, de acordo com informações da UNIFAL – Universidade Federal de Alagoas, cerca de metade desse território ou 14,5 mil km² era coberto originalmente pelos diferentes subsistemas florestais da Mata Atlântica. Atualmente, restam perto de 800 km² do bioma no Estado. 

Além da devastação das matas da faixa litorânea para a abertura de campos agrícolas, a vegetação do Semiárido Nordestino, que pode ser dividida a grosso modo em Agreste, Caatinga e Alto Sertão, foi impactada pela expansão da pecuária. Grandes trechos da vegetação desses biomas, principalmente os caatingais, foram queimados pelos criadores para formação de áreas de pastagens para os animais. A destruição dessa vegetação teve papel fundamental nos processos de desertificação em andamento hoje no Estado. 

Há um detalhe relevante aqui: além de rebanhos bovinos, os criadores também introduziram nos sertões animais como cavalos, burros, ovelhas e, principalmente, cabras e bodes. Diferente dessas outras espécies, os caprinos comem qualquer coisa disponível, inclusive as folhas espinhosas de cactáceas e as raízes das plantas. Em épocas de seca, quando se esgotam as forrações, os espertos caprinos cavam os solos em busca de raízes de plantas. Também escalam árvores com extrema facilidade, alcançando as folhas mais altas e inacessíveis para as demais criações. 

O botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil, estudando a devastação das árvores e das matas nas terras do Ceará, atribuiu um papel importante nesta degradação vegetal aos rebanhos soltos na região: 

“Outro fator não desprezível na devastação das matas, ou pelo menos para conservar a vegetação em estado de capoeira, são as cabras. Sabe-se quanto este animal é daninho para a vegetação arborescente e arbustiva e como a criação de cabras soltas no Ceará é, talvez, maior que a do gado, sendo fácil imaginar-se o dano que causa à vegetação alta”. 

A vegetação do Semiárido Nordestino também sofreu grandes derrubadas de árvores para o aproveitamento da madeira, utilizada principalmente para a fabricação de móveis e usos na construção civil na forma de portas, janelas e estruturas para telhados, além de mourões para cercas de arame farpado. As matas do sertão nordestino também forneceram grandes quantidades de dormentes para as ferrovias da região – para cada quilômetro de trilhos assentados, foram utilizados dormentes feitos com a madeira de até 500 árvores. 

Como resultado desse somatório de agressões ambientais, grandes trechos do Semiárido Nordestino caminham rapidamente para a desertificação. As estimativas apontam para um total de 230 mil km² de áreas em processo extremo de desidratação (graves ou muito graves), estágios em que os solos tendem a se tornar imprestáveis para qualquer uso.  

No Norte do Estado de Minas Gerais, existe uma área de 69 mil km² em risco extremo de desertificação, englobando um total de 59 municípios nas regiões dos Vales dos rios Jequitinhonha e Mucuri. Esse é um problema que não se limita apenas a regiões semiáridas – vários municípios do Rio Grande do Sul, citando um exemplo, sofrem com o mesmo problema. 

O Estado de Alagoas é um dos mais afetados pelo processo, com 62% dos municípios apresentando áreas em processo de desertificação em diferentes estágios. Os casos mais graves são encontrados nos municípios de Ouro Branco, Maravilha, Inhapi, Senador Rui Palmeira, Carneiros, Pariconha, Água Branca e Delmiro Gouveia.  

Além da perda da fertilidade, os solos ressequidos praticamente não permitem a infiltração da água das chuvas, o que dificulta a recarga de aquíferos e lençóis subterrâneos que alimentam os rios dessas regiões, sendo que muitos desses corpos d’água são intermitentes. 

Ao contrário do que muitos podem imaginar, a precipitação média anual de chuvas na Região do Semiárido Nordestino está entre 200 mm e 400 mm, superior àquela de cidades importantes como Barcelona e Paris, e muito acima da precipitação média no Deserto do Saara, que se situa entre 100 e 150 mm de chuva durante o ano. 

O grande fantasma da desertificação e que tira o sono de muita gente é que mesmo contando com água, um elemento fundamental para a prática agrícola, esses solos não produzem praticamente nada, nem mesmo ervas para alimentação de animais. Existem muitos experimentos sendo realizados em diferentes partes do mundo que mostram que é possível reverter os processos de desertificação em suas fases iniciais.  

Essa remediação, entretanto, tem altos custos, que crescem exponencialmente conforme a área desertificada aumenta de tamanho. Alagoas, para quem não sabe, é um dos Estados mais pobres do Brasil e onde falta dinheiro para tudo – sozinho, o Estado pode fazer muito pouca coisa para combater a desertificação dessas regiões. 

O melhor jeito de se combater a desertificação é evitar que o processo tenha início ou que seja remediado ainda nos primeiros estágios.  

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2 Comments

  1. Agora é tempo de encher o coração de otimismo, esperança e sonhos, é tempo de recomeçar e renovar, pois um novo ano vai começar e devemos vivê-lo e aproveitá-lo ao máximo. Desejos de um feliz Natal e um próspero Ano Novo!

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