
Nesses últimos tempos, as notícias que recebemos desde a nossa vizinha Argentina não são as melhores. As estatísticas mais recentes afirmam que perto de metade da população do país vive em situação de pobreza e quase 10% dos argentinos já são considerados indigentes. A situação econômica e social do país, que já não nada boa, piorou muito após a volta dos peronistas ao poder.
Com o início da pandemia da Covid-19 na Argentina as coisas só pioraram e o país está vivendo em meio a uma fuga maciça de empresas e investidores. De acordo com dados oficiais divulgados pelo Governo há dois dias atrás, o PIB -Produto Interno Bruto, da Argentina sofreu um recuo de 9,9% em 2020. Para 2021, as expectativas são de um crescimento modesto da ordem de 1,5%.
A agricultura e a pecuária, atividades econômicas que transformaram a Argentina em um dos países mais ricos do mundo há cem anos atrás, hoje enfrentam um visível declínio. Políticas populistas e intervencionistas do Governo têm desestimulado os produtores. Muitos chegaram, inclusive, a atear fogo em campos de soja em ponto de colheita para evitar o pagamento de novos impostos; muitos pecuaristas mudaram para o vizinho Uruguai.
Assim como acontece no Brasil e em todo o mundo, a Argentina enfrenta inúmeros problemas ambientais, alguns deles gravíssimos. Um desses problemas extremos é a desertificação, que afeta atualmente mais de 60 milhões de hectares em todo o território do país. Muito pior – a cada ano a desertificação avança cerca de 650 mil hectares.
A Argentina é um país grande, que ocupa cerca de 2,8 milhões de km². Fazendo a devida conversão, isso corresponde a 280 milhões de hectares, o que significa que mais de 20% do território do país está sendo afetado pela desertificação. Das 24 províncias do país, 18 já vêm enfrentando esse problema.
Na nossa última postagem falamos dos Pampas Sulinos do Brasil, um bioma que atravessa fronteiras e ocupa grandes extensões dos territórios da Argentina e do Uruguai. Ao contrário do que muitos podem imaginar, os Pampas ou La Pampa não é o bioma predominante na Argentina – ela ocupa 25% do território e concentra grande parte da produção de grãos e da pecuária do país. Cerca de 75% do território argentino é formado por solos áridos e semiáridos, onde vive aproximadamente 30% da população do país.
Em tempos geológicos distantes, toda a região hoje ocupada pela Pampa era um grande deserto de areias – esse deserto se entendia por grande parte das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Após o início do longo processo de fragmentação do antigo Supercontinente de Gondwana, teve início um período de intensa atividade vulcânica nessa região, conhecido como Derrame de Trapp.
Durante esse evento, enormes volumes de lava vulcânica foram derramados sobre esse solo de areias, formando uma grossa camada de rochas graníticas. Uma das consequências desse processo foi a formação do Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do mundo. Processos erosivos ao longo de milhões de anos cobriram essa camada de rochas graníticas com camadas de solos altamente arenosos e também com uma fina camada de solo fértil. Resumindo de forma muito resumida, essa é a origem dos solos dos Pampas (ou de La Pampa).
Assim como aconteceu no Extremo Sul do Brasil, essa grande região da Argentina vem concentrando uma intensa atividade agrícola e pecuária ao longo da história do país. Essa superexploração tem exposto esses solos frágeis à ação de processos erosivos das chuvas e dos ventos e, como consequência direta, a perda da camada fina de solo fértil e a exposição de solos altamente arenosos. Grandes manchas de areia passaram a fazer parte das paisagens dos campos cobertos por gramíneas e grandes plantações de grãos.
Em outras partes da Argentina, os processos de desertificação estão ligados diretamente aos desmatamentos. É bastante provável que você já tenha lido ou visto muitos vídeos mostrando os desmatamentos e as queimadas na Amazônia brasileira. Pois saiba que esses problemas, apesar de ocuparem raríssimos espaços nos meios de comunicação, são muito mais graves na Argentina do que no Brasil.
Até o final do século XIX, perto de 100 milhões de hectares do território da Argentina eram cobertos por matas nativas. Talvez você não saiba, mas a nossa famosa Mata Atlântica avançava na direção do interior do continente e chegava até a região Nordeste da Argentina. Pois bem – 70% dessas matas nativas e de outras por todo o país já foram devastadas e transformadas em campos agrícolas para a produção de soja, algodão e cana-de-açúcar, ou em pastagens para o gado.
Na região da Patagônia, ao Sul, um “grande deserto frio e com água”, os grandes impactos ambientais são provocados pelos imensos rebanhos, especialmente de ovinos. Nos terrenos altos ao largo da Cordilheira dos Andes, conhecidos como puna, o problema são os grandes desmatamentos para exploração de madeira e lenha.
As consequências diretas desses intensos desmatamentos são a erosão de solos férteis pelas chuvas e pelos ventos, a exposição de camadas de solos altamente arenosos, a formação de grandes voçorocas ou ravinas, a arenização de campos, o assoreamento de corpos d’água, entre outros graves problemas ambientais. Para um país que ocupa perto de 80% do seu território com atividades agrícolas, pastoris e agroflorestais, essas perdas são desastrosas.
O Governo Central da Argentina e os Governos das diversas províncias vêm desenvolvendo uma série de programas para o combate ao avanço da desertificação, todos, porém, extremamente tímidos diante da magnitude do problema. Como resultado, milhares de famílias são obrigadas a abandonar suas terras devastadas pelo avanço da desertificação e migram para as grandes cidades em busca de melhores alternativas de vida.
Uma característica muito própria da Argentina é a alta concentração da população na Província de Buenos Aires – cerca de 40% da população do país vive na Província, especialmente na grande conurbação ao redor da cidade de Buenos Aires. De acordo com os dados do último censo demográfico do país, 96,4% dessa população vive em áreas urbanas. A migração de mais gente vinda dessas áreas rurais degradadas só tem aumentado o já enorme conjunto de problemas dessas cidades.
A cidade de Buenos Aires surgiu a partir de um pequeno assentamento fundado nas margens do rio da Prata por Pedro de Mendoza em 1536 – Puerto Real de Nuestra Señora Santa María del Buen Aire. Os espanhóis precisavam povoar e proteger essa região que permitia o acesso através do Rio Paraná e seus afluentes ao interior do território, especialmente às minas de prata na região do Potosi, na atual Bolívia. Só como curiosidade, o nome Argentina deriva de argentum, palavra em latim para prata, riqueza explorada por mais de três séculos pelos espanhóis.
O povoamento do território argentino se deu a partir desse núcleo pioneiro em Buenos Aires e de outro, mais ao Norte, na região de Santa Fé. Desde aqueles tempos, a criação de gado e de cavalos em La Pampa já era de extrema importância para o então Vice-Reino espanhol de La Plata. Na década de 1830, o naturalista inglês Charles Darwin passou um longo período na Argentina durante a sua lendária expedição ao redor do mundo no navio Beagle.
Em seus escritos, Darwin registrou o quanto ficou impressionado com o tamanho dos grandes rebanhos de gado e de cavalos que encontrou no país – eram formados por dezenas de milhares de cabeças de animais e se espalhavam pela Pampa e também pela Patagônia.
A partir da década de 1870, a Argentina foi transformada em uma grande produtora e exportadora de grãos, especialmente o trigo, o que ao lado da carne se tornou a grande riqueza do país. Entre os anos de 1890 e 1930, a Argentina foi um dos países mais ricos do mundo graças as suas exportações agropecuárias. Aliás, em 1896, a Argentina possuía o maior PIB – Produto Interno Bruto, per capita do mundo. De lá para cá, desgraçadamente, as coisas desandaram muito.
Com a intensa desertificação que se observa em grande parte do país, o que já está muito ruim hoje poderá ficar muito pior…
[…] O AVANÇO DA DESERTIFICAÇÃO NA ARGENTINA […]
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