AS NOVAS AERONAVES SUSTENTÁVEIS QUE EM BREVE VÃO ESTAR VOANDO

Na última postagem falamos da perspectiva nada confortável do aumento da intensidade das turbulências que afetam as viagens aéreas. E a culpada, para variar, são as mudanças climáticas que já estão acontecendo por todos os cantos de nosso planeta. 

Como turbulências mais severas serão inevitáveis nos próximos anos, os grandes fabricantes de aeronaves vão precisar sentar-se nas pranchetas (virtuais é claro) e queimar muitos neurônios até que consigam criar aeronaves com estruturas mais reforçadas para dar conta “do tranco”. 

Falando em fabricante de aviões, esse é um pessoal que vem trabalhando fortemente para desenvolver novas tecnologias de motores e sistemas de propulsão cada vez mais afinados com as novas demandas de sustentabilidade ambiental. Os motores e turbinas usados atualmente são altamente poluentes e muito barulhentos. 

Entre as novas propostas destacam-se os aviões movidos com motores elétricos e com hidrogênio. Uma das empresas que vem desenvolvendo esses novos modelos é a brasileira Embraer. Aliás. A empresa trabalha em toda uma nova linha de aviões com propulsão híbrida-elétrica- a família Energia. 

Apresentada no final de 2021, a família Energia prevê incialmente quatro modelos de aeronaves: duas aeronaves com capacidade para nove passageiros, sendo um modelo com propulsão híbrida-elétrica e outro totalmente elétrico. Um outro modelo de aeronave que utiliza células de hidrogênio e com capacidade para dezenove passageiros. Por fim, uma aeronave com turbinas alimentadas por hidrogênio e capacidade entre 35 e 50 passageiros. 

De acordo com informações da Embraer, a empresa inicialmente está se concentrando no desenvolvimento de duas aeronaves elétricas híbridas – o E19-HE de 19 lugares e o E30-HE de 30 lugares, e de duas aeronaves que vão utilizar células de hidrogênio – o E19-H2FC de 19 lugares e o E30-H2FC de 30 lugares. Esses aviões só estarão voando na década de 2030. 

Um outro projeto bem interessante da empresa é uma nova linha de aviões turboélices com capacidade entre 70 e 90 passageiros. Uma característica marcante desses novos aviões é a localização dos motores, que ficam presos na cauda do aparelho. Segundo a Embraer, essa configuração vai facilitar a transição energética desses aviões para o uso de hidrogênio no futuro – o cilindro para armazenar o combustível vai ficar na parte de trás do avião, bem perto dos motores. 

Para quem acha que esses novos projetos ainda vão demorar muito, saiba que já existem aeronaves elétricas em estágio bastante avançado de desenvolvimento. Uma das mais promissoras é o Alice, uma aeronave experimental para até 9 passageiros que tem um diferencial muito particular – seus dois motores são alimentados 100% por energia elétrica.   

Esse projeto está sendo desenvolvido pela Eviation Aircraft, uma empresa de Israel. O protótipo realizou seu primeiro voo em setembro de 2022, decolando do Aeroporto Internacional Grant County, em Washington nos Estados Unidos. O avião utiliza um sistema de baterias semelhantes às usadas em carros elétricos e tem autonomia para voar até 800 km. 

Um outro segmento de produtos aeronáuticos altamente sustentáveis e que deverão entrar em operação nos próximos anos são os EVTOL – pequenas aeronaves de decolagem e aterrissagem vertical movidas por energia elétrica. A maioria dos projetos em desenvolvimento tem capacidade para transportar entre 4 e 6 passageiros. 

A brasileira Embraer, através da sua subsidiária Eve, está trabalhando num modelo com capacidade para transportar 4 passageiros e 1 piloto (no futuro, essa aeronave poderá funcionar com pilotagem totalmente automática). Totalmente elétrica, essa nova aeronave está sendo prometida já para 2026, para uso em rotas com distâncias entre 80 e 200 km, principalmente dentro de grandes áreas urbanas (vide foto). 

Um outro projeto – que inclusive já está fazendo testes de voo, é o alemão Lilium. Essa aeronave tem capacidade para transportar 1 piloto e até 7 passageiros. O modelo utiliza um conjunto de 30 pequenos motores a jato elétricos, com um alcance de até 300 km. 

Essa tendência de aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical é tão forte que até a gigante da aviação Airbus, maior fabricante de aviões do mundo, está trabalhando no desenvolvimento de um modelo – Airbus CityAirbus. A responsável pelo desenvolvimento do produto é a sua subsidiária Airbus Helicopters

O primeiro protótipo vou pela primeira vez em 2019, atingindo uma velocidade de 175 km/h. A proposta do grupo europeu é chegar a um produto com capacidade para 4 passageiros e 1 piloto. Observem que a responsável pelo desenvolvimento do produto é justamente a divisão de helicópteros do grupo – os Evtol são concorrentes diretos dos helicópteros. 

O maior obstáculo dessas novas aeronaves elétricas são as baterias – os modelos disponíveis hoje no mercado são extremamente pesados para o uso aeronáutico e tem uma capacidade de carga ainda bastante limitada. Existe uma verdadeira corrida entre os fabricantes para o desenvolvimento de novos tipos de baterias mais leves e com altíssima potência. 

Nos modelos de aeronaves com motores a hidrogênio o maior obstáculo atualmente é a segurança do voo. O hidrogênio é um gás altamente explosivo, o que vai exigir a utilização de tanques de armazenamento bastante sofisticados. Um exemplo clássico dos riscos do hidrogênio foi o caso do dirigível Hindenburg, que explodiu durante os procedimentos de pouso na base naval de Lakehurst em Nova Jersey, nos Estados Unidos, em 1937. 

O Hindenburg, que foi transformado em um verdadeiro ícone da indústria alemã e propaganda do regime nazista, tinha 245 metros de comprimento e utilizava um volume de 200 mil m³ de hidrogênio. Essa aeronave contava com uma tripulação entre 40 e 61 membros, e podia transportar confortavelmente até 72 passageiros. No acidente morreram 13 passageiros, 22 tripulantes a bordo e 1 técnico em solo. 

Apesar das dificuldades técnicas atuais, o hidrogênio é uma das grandes apostas como um combustível sustentável do futuro, especialmente o chamado hidrogênio verde, que poderá ser produzido utilizando fontes de energia renováveis como a eólica e a fotovoltaica. 

Os próximos anos, apesar das perspectivas de aumento das turbulências, com toda a certeza trarão excelentes opções de viagens aéreas com poluição zero e muita sustentabilidade. 

ESTUDO INDICA QUE TURBULÊNCIAS EM VOOS PODERÃO AUMENTAR ATÉ 149% POR CAUSA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS 

Eu conheço muita gente que gela de medo toda vez que precisa entrar num avião. Eu tinha um amigo de trabalho, que por força do cargo que ocupava, tinha de realizar viagens frequentes. O detalhe é que ele morria de medo de voar e cada uma dessas viagens tinha que ser obrigatoriamente precedida de uma parada num bar – ele só conseguia embarcar depois de algumas doses de conhaque ou whisky. 

Muitas dessas pessoas desenvolveram essa fobia por causa de fortes turbulências. Eu mesmo, que nunca tive qualquer problema para entrar em aviões, já passei por maus bocados em momentos de fortíssima turbulência. 

No final de 2017, publicamos uma postagem sobre um estudo publicado na revista Advances in Atmospheric Sciences que indicava que haveria um aumento severo das turbulências nos voos. Esses estudos projetavam um aumento da intensidade das turbulências em até duas vezes e meia até o final desse século. 

Essas turbulências surpreenderiam passageiros sem cintos, derrubando objetos dos bagageiros, coisas que são o pesadelo de quem tem medo de voar. Para desespero dos medrosos, a mesma publicação acaba de publicar uma nova pesquisa confirmando as suspeitas da pesquisa anterior. 

Nesse novo estudo, que foi liderado por Paul D. Williams, cientista da Universidade de Reading do Reino Unido, foi calculado o tamanho dos aumentos das turbulências. As turbulências leves deverão aumentar 59%; as turbulências moderadas deverão aumentar 94% e as temidas turbulências severas poderão aumentar até 149%. 

As turbulências durante os voos acontecem quando os aviões são atingidos por mudanças na velocidade e direção do ar quando duas correntes diferentes se encontram. Com as mudanças climáticas que já estão em andamento em todo o mudo estão alterando as velocidades e direções dos ventos, que tenderão a se tornar cada vez mais intensos. 

Os problemas também podem ser provocados por deslocamentos de ar provocado por descargas elétricas nas nuvens, mudanças bruscas na pressão atmosférica ou grandes diferenças na temperatura do ar. Algumas vezes, em voos com “céu de brigadeiro”, tripulantes e passageiros são surpreendidos com fortes turbulências devido à súbitos encontros de massas de vento com direções e velocidades diferentes. 

O problema é tão sério que motivará mudanças conceituais e estruturais no projeto e construção de novos modelos de aviões, além de forçar mudanças nos procedimentos operacionais dos voos. Essas mudanças vêm se juntar aos novos projetos de motores aeronáuticos sustentáveis, aonde as apostas vão do uso de hidrogênio á motores elétricos. 

Um exemplo que sempre citamos nas postagens aqui do blog são as mudanças climáticas que estão ocorrendo a “olhos vistos” no Oceano Índico. De todos os grandes oceanos do mundo, o Índico é o que, proporcionalmente, mais sofre com as interferências das mudanças climáticas na Antártida. De acordo com medições sistemáticas feitas desde 1880, as águas desse oceano já tiveram um aumento de 0,7º C na sua temperatura. 

Apesar de parecer muito pequeno, esse aumento está provocando importantes mudanças nos volumes e na frequência das massas de nuvens de chuvas que se formam sobre o Oceano Índico e que se dirigem para o Sul e Leste da África, e também na direção do Sul e do Sudeste da Ásia. Na África, essas mudanças estão provocando forte secas. No Sul e no Sudeste da Ásia estão alterando o ritmo das importantes Chuvas da Monção. 

O problema se dá justamente devido a mudanças nas velocidades e nas direções das correntes de ar geradas sobre esse oceano. As grandes correntes de ar que circulam em nossa atmosfera são geradas pelas diferenças de temperatura e pressão da atmosfera do planeta – mudanças climáticas como as que estão ocorrendo no Oceano Índico estão alterando esses fatores. 

Um sintoma bastante sutil do que está acontecendo na nossa atmosfera é o surgimento de novos tipos de nuvens. O Atlas Internacional das Nuvens, publicação de referência para os estudos meteorológicos, incorporou doze novos tipos de nuvens. Algumas dessas nuvens foram criadas por ações antrópicas e estão associadas as mudanças climáticas. 

Uma dessas novas nuvens ganhou o simpático nome de “asperitas”, palavra em latim que está na raiz da palavra aspereza. São nuvens que se formam em baixas altitudes a partir do choque e sobreposição de duas massas de ar com temperatura e densidade diferentes. A parte de baixo dessa nuvem apresenta movimentos que lembram as ondas de um mar revolto. 

Outro exemplo é a “homogenitas”, formada por uma classe inteira de nuvens criadas por ações humanas, incluindo o rastro de vapor de água que é deixado pela passagem de aviões a jato. As nuvens “cavum” possuem um buraco no meio, chamado “murus”, e flutuam abaixo de tempestades intensas, que volta e meia se tornam parte dos tornados. 

Como as mudanças climáticas atingiram um ponto irreversível, a atmosfera do planeta vai passar por uma série de mudanças e voar nunca mais será a mesma coisa. Além de novas concepções estruturais e nos sistemas de propulsão, os novos aviões precisão voar em altitudes cada vez maiores para minimizar os problemas. 

E quem já se descabela atualmente pensando na altitude em que o avião está voando, fatalmente vai entrar em desespero ao imaginar que, em bem pouco tempo, as aeronaves terão de voar em altitudes ainda maiores. 

Se serve de algum consolo para esses medrosos, as mudanças climáticas também estão provocando mudanças nas correntes marítimas, um problema que poderá deixar alguns trechos dos oceanos bem mais agitados – tentar viajar de navio para fugir dos voos poderá não ser uma ideia tão boa assim… 

Como sempre comentamos em nossas postagens, as mudanças climáticas vão nos forçar a fazer mudanças em nossas infraestruturas, em nossas tecnologias de produção de bens, produtos e alimentos, em nossos hábitos de vida, entre outros. Mudanças nos aviões e nos procedimentos de voo serão apenas mais uma dessas mudanças inevitáveis. 

O REPUGNANTE USO DE “ÓLEO DE SARJETA OU DE ESGOTOS” NA CHINA

Um dos maiores problemas para as redes coletoras de esgotos são os lançamentos de restos de gordura a partir das cozinhas de casas, restaurantes e lanchonetes. A maior parte dessa gordura tem origem nos óleos comestíveis usados para a preparação dos alimentos, especialmente por fritura. 

Depois de ser usado, é comum que esse óleo acabe sendo despejado nas pias das cozinhas, o que é uma das formas mais inadequadas para o seu descarte. Em contato com a água fria das redes de esgotos, esse óleo forma massas gordurosas que aderem nas paredes das tubulações, o que poderá levar ao entupimento total das redes. Uma família brasileira lança, em média, um volume entre 1 e 2 kg de gordura nas redes de esgotos a cada mês. 

Esse problema não é uma exclusividade do Brasil. Em setembro de 2017, citando um exemplo, publicamos uma postagem onde falamos do “monstro dos esgotos de Londres”. O serviço de águas e esgotos da cidade precisou montar uma verdadeira equipe de batalha para remover um “fatberg”, um enorme bloco formado por gordura e lixo que entupiu parte da rede de esgotos. O peso estimado do bloco foi calculado em 130 toneladas. 

Além dos riscos às tubulações, essa gordura representa riscos à saúde pública. Insetos – principalmente as baratas, adoram se alimentar dessa gordura. Com fartura de alimento, as baratas se reproduzem sem controle e acabam invadindo nossas casas, podendo transmitir inúmeras doenças a nós e a nossas famílias. 

Uma notícia repugnante, que vem sendo repetida há mais de 10 anos, fala do crescimento descontrolado da “indústria do óleo de sarjeta ou de esgotos” na China. Grupos estão recolhendo esses restos de gordura das redes de esgotos e de depósitos de lixo, reprocessando (tornando o material líquido) e vendendo para comerciantes de rua e donos de restaurantes. 

O grande atrativo desse “produto” são os preços baixíssimos cobrados. A culinária chinesa, como deve ser do conhecimento de todos, tem uma enormidade de pratos que são preparados através da fritura rápida dos alimentos. O consumo de óleo é bem alto e, surgindo uma opção de adquirir esse óleo comestível a preços muito baixos, é certo que muitos comerciantes vão comprar sem fazer perguntas. 

A China é o maior consumidor de óleos comestíveis do mundo. De acordo com informações do canal de notícias Bloomberg, o consumo diário per capita de óleo no país é da ordem de 40 gramas/dia. O Governo chinês está trabalhando para reduzir esse consumo para uma faixa entre 25 e 30 gramas até 2030. O motivo são as preocupações com a saúde da população. 

Considerando que o país tem uma população de 1,4 bilhão de habitantes, fica bem fácil perceber o tamanho do mercado explorado por esses grupos criminosos (não consigo pensar em outro termo para definir pessoas que fazem esse tipo de negócio). De acordo com dados de 2011, o Governo estimava que cerca de 10% do óleo utilizado pelos restaurantes e vendedores ambulantes do país tinha como origem a gordura recolhida nos esgotos. É provável que esse percentual tenha crescido muito de lá para cá.

Depois de processado em fábricas clandestinas de “fundo de quintal”, o óleo tem a aparência de um produto regular, sem apresentar cor ou cheiro diferente do normal. Os problemas ficam por conta da composição química do “produto”. Resíduos dos mais diferentes tipos de resíduos – de derivados de petróleo a químicos farmacêuticos, entre outros, que se misturaram à gordura nos esgotos, vão estar presentes no “produto” final. 

Como acontece com todo produto orgânico, os óleos de origem vegetal comestíveis, produzidos a partir de grãos como soja, milho, sementes de girassol e amendoim, oxidam e entram em decomposição. O seu consumo pode causar, na melhor das hipóteses, indigestão, insônia, desconforto hepático, podendo chegar até a morte por intoxicação. 

Entre os muitos produtos químicos já identificados em amostras recolhidas para estudos laboratoriais, foram encontrados resíduos de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH). Trata-se de poluentes orgânicos perigosos que, entre outros males, podem provocar câncer. Também já foram identificadas aflatoxinas, compostos produzidos por certos tipos de fungos e classificados como altamente cancerígenos. 

A China ocupa a nada honrosa posição de maior poluidor do mundo. Nas últimas décadas, a gigante da Ásia despontou como a “grande fábrica do mundo”. Se valendo de farta mão de obra barata, grandes reservas de carvão mineral (sua principal fonte de energia) e de um Governo central que buscava o desenvolvimento econômico a qualquer custo, o país se transformou na segunda maior potência econômica do mundo. 

Poluir águas, rios e solos sempre foi considerado um “problema menor” no país. Políticas de gestão ambiental e de controle das fontes de poluição são extremamente recentes e ainda vai demorar décadas até que cheguem em níveis razoáveis. Dentro desse cenário, tentem imaginar a quantidade de produtos químicos e poluentes que vão parar nos esgotos das cidades chinesas (e olhem que nem estamos considerando fezes e urina despejadas nessas redes). 

As autoridades locais afirmam que vem trabalhando forte para conter esse tipo de delito. Há inclusive a notícia que um homem foi preso na província de Jiangsu, acusado de processar ilegalmente esse tipo de óleo. O homem foi julgado e condenado a prisão perpétua. Vamos e convenhamos – é muito pouco para o tamanho colossal do problema. 

É importante citar que a reciclagem e o reaproveitamento de óleos comestíveis é uma prática ambientalmente correta e que sustenta muita gente ao redor do mundo. Um dos usos mais comuns desses resíduos é para a produção de sabão. Outro uso louvável é para a produção de biodiesel. O produto também pode ser usado para a fabricação de detergentes, produtos de beleza, borrachas e roupas, entre outros. 

Para os grupos que “trabalham” nesse mercado, esses usos para os resíduos de óleos e gorduras é pouco lucrativo devido aos custos logísticos. Recolher a gordura na rede de esgotos, processar numa fábrica de fundo de quintal e vender o “produto” para os comerciantes do bairro é muito mais fácil e lucrativo. 

Por via das dúvidas, muitos chineses fazem questão de sair de casa levando um recipiente com óleo de cozinha quando vão comer fora em barracas de vendedores ambulantes ou em restaurantes. Essas pessoas fazem questão de acompanhar todo o processo de preparação dos alimentos para se certificar que não estão sendo usados óleos “estranhos”. 

Todos devem conhecer o antigo ditado: “prevenir é sempre melhor que remediar”. Desgraçadamente, muitas das doenças provocadas por essa prática repugnante não tem remédio… 

Para saber mais sobre esgotos: ESGOTO SANITÁRIO: QUE TREM É ESSE SÔ?

CLIMA MUNDIAL DEVERÁ MUDAR COMPLETAMENTE NOS PRÓXIMOS ANOS 

Na última postagem falamos de um estudo, feito por uma empresa especializada no monitoramento ambiental de empresas do setor de energia, que mostrou as enormes emissões de metano do Turcomenistão na atmosfera nos últimos 20 anos. 

Essas emissões estão ligadas a forte exploração de gás natural no país. O metano é um importante gás de efeito estufa, juntamente com outros como o dióxido de carbono (CO2), o Óxido Nitroso (N2O) e o Hexafluoreto de Enxofre (SF6). A grande ironia é que o gás natural é um dos combustíveis fósseis que menos causam problemas ambientais. 

O efeito estufa é processo natural do planeta que permite a retenção de parte do calor recebido a partir da radiação solar, o que minimiza as fortes oscilações da temperatura global que seriam esperadas entre o dia e a noite. O aumento das emissões de gases de efeito estufa nos últimos duzentos anos alterou esse mecanismo natural fazendo com que o planeta retenha mais calor do que o necessário. 

O principal resultado dessa mudança é que o planeta está vivendo um aumento contínuo das temperaturas. Um grande exemplo é o que está acontecendo com as águas do Oceano Índico – medições sistemáticas da temperatura das águas, o que vem sendo feito sistematicamente desde 1880, mostram que houve um aumento da temperatura média em 0,7º C. 

Isso pode parecer pouca coisa à primeira vista, porém, essa diferença de temperatura já foi suficiente para alterar a velocidade de correntes marítimas e o regime de ventos. Regiões do Leste e do Sul da África estão sofrendo com a falta de chuvas; as Chuvas de Monção do Sul e Sudeste Asiático estão ficando cada vez mais irregulares. 

Os mais importantes países do mundo vêm, já há vários anos, buscando alternativas para conter o aumento das temperaturas globais e todo o conjunto de alterações climáticas que “vem a reboque”. Um grande exemplo foi o Acordo de Paris de 2015, que foi assinado por 195 países com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global abaixo dos 2º C até o final deste século. 

Essa verdadeira “corrida atrás do prejuízo”, entretanto, parece que começou muito tarde e já existem fortes evidências mostrando que grande parte do clima planetário sofrerá fortes mudanças nas próximas décadas. 

Um estudo recente que foi publicado na revista Earth’s Future mostrou de forma bastante objetiva o caminho das mudanças nos padrões de temperatura e de precipitações em todo o mundo.  

Sob a liderança do pesquisador climático George Mason, o estudo demonstrou que uma área entre 38% e 40% da superfície terrestre mudará seu padrão climático até o final deste século. Quando as projeções se valem de modelos climáticos mais sensíveis, a área afetada pode subir para 50%. 

Os modelos climáticos usados tradicionalmente pelos pesquisadores se baseiam nas cinco zonas climáticas sugeridas pelos estudos de Köppen-Geiger e onde são considerados fatores como temperatura, precipitação e estações do ano. Esse modelo resulta em cinco zonas climáticas: tropical, árida, temperada, continental e polar. 

De acordo com os modelos desenvolvidos pelo estudo, as regiões de clima tropical devem passar dos atuais 23% para 25% da área terrestre global, enquanto as zonas áridas devem aumentar de 31% para 34%. Essas mudanças poderão afetar a produção de alimentos e mudar a distribuição geográfica de zoonoses como a dengue. 

Os continentes que enfrentarão as maiores mudanças serão a América do Norte e a Europa, onde as áreas afetadas por mudanças no zoneamento climático poderão afetar, respectivamente, 66% e 89% dos seus territórios. Um exemplo é o que já acontece nas regiões de clima polar, que representavam 8% do território global entre 1901 e 1930, e que hoje correspondem a apenas 6,5%. 

De acordo com o estudo “desde o início do século 20, a Terra já experimentou 14,77% de sua área terrestre mudando sua classificação climática, com as mudanças mais extensas observadas na América do Norte, Europa e Oceania”. 

Esse estudo vem reforçar a percepção que todos já temos de mudanças nos padrões climáticos em todo o mundo. Acompanhando os noticiários diários somos informados de fortes ondas de calor na Europa e na América do Norte, de seca extrema na região do Chifre da África ou ainda de chuvas torrenciais no Paquistão

Na esteira dessas anomalias climáticas acompanhamos toda uma série de prejuízos econômicos e sociais, com dezenas de milhares de pessoas sendo desalojadas de suas casas e terras ancestrais. A delicada “máquina planetária” se mostra irremediavelmente comprometida. 

A maior parte dos estragos já causados pelas mudanças climáticas até o momento parecem ser irreversíveis – o que resta a humanidade é a busca por mecanismos que permitam amenizar os impactos das mudanças ambientais da melhor maneira possível. Melhor ainda – limitar ao máximo o aumento da temperatura global poderá nos ajudar a não piorar ainda mais as coisas.

Como esse é o único mundo que temos, não teremos para onde fugir no curto e médio prazo. Num futuro distante, talvez…

TURCOMENISTÃO – UM DOS MAIORES EMISSORES DE METANO DO MUNDO

É muito provável que a maioria dos leitores do blog nunca tenha ouvido falar do Turcomenistão, que também é chamado de Turquemenistão. Trata-se de um país da Ásia Central localizado as margens do Mar Cáspio e que possui um território com pouco mais de 491 mil km². O país possui 5,2 milhões de habitantes. 

Com um território formado predominantemente por terrenos desérticos e semiáridos, o Turcomenistão possui vastas reservas de petróleo e gás natural, este último um importante produto de exportação do país. Outro produto importante para a economia local é o algodão, cuja maior parte da produção se dá a partir do uso intensivo de irrigação. 

A partir dessa rápida apresentação, qualquer um fica com a impressão que se trata apenas de mais um país que tem muito pouca importância para a economia mundial. Essa primeira impressão, entretanto, é enganosa. 

O pequeno Turcomenistão na realidade é um gigante quando se fala em emissões de metano – de acordo com um estudo da empresa Kayrros, especializada em monitorar a pegada ambiental de indústrias energéticas, o país liberou 2,6 milhões de toneladas de metano na atmosfera, o que equivale a 366 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), nos últimos 20 anos. 

O metano é um gás incolor, inodoro, inflamável e combustível que se forma junto com o gás natural em depósitos geológicos, e em menor quantidade nas reservas de petróleo. ´Quando devidamente processado e armazenado, o metano se transforma em uma importante matéria-prima para a indústria química e petroquímica, possuindo um maior poder calorífico que o gás natural. 

O metano também é um dos principais gases responsáveis pelo Efeito Estufa, que tem como característica a retenção de 80 vezes mais calor na atmosfera que o dióxido de carbono. Só para lembrar, é o Efeito Estufa que está provocando o aumento das temperaturas em todo o planeta.  

De acordo com os especialistas em clima, o metano sozinho é responsável por metade do aquecimento global do planeta no curto prazo. O controle dessas emissões é fundamental para que o mundo consiga atingir a meta de limitar o aquecimento global em 1,5º C até o final desse século. 

A origem do problema no Turcomenistão está na exploração das reservas de gás no país, atividade de exploração que também libera o metano. Na maioria dos países que exploram gás natural, o metano é queimado liberando dióxido de carbono na atmosfera, um gás que é facilmente detectado pelas agências de controle ambiental, o que gera uma forte cobrança dos ambientalistas.. 

Para reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), muitos países têm investido na renovação de suas infraestruturas de produção com o objetivo de evitar a fuga do metano, que passa a ser armazenado e pode ser vendido. No Turcomenistão, desgraçadamente, toda a infraestrutura de produção está obsoleta e esse gás é liberado na atmosfera em grandes volumes. 

Conforme já tratamos em inúmeras postagens aqui do blog, o aumento das temperaturas em todo o planeta figura com um dos maiores desafios ambientais de nossos tempos. Entre as principais consequências temos o derretimento das calotas polares e das geleiras em altas cadeias montanhosas, as chuvas estão se tornando escassas em algumas regiões e excessivas em outras, o nível dos oceanos está subindo, entre muitos outros problemas.  

Na raiz de todos estes problemas estão as ações humanas, especialmente a emissão maciça de grandes volumes de gases de efeito estufa. Altas concentrações de alguns desses gases na atmosfera, principalmente o dióxido de carbono (CO2), o Metano (CH4), o Óxido Nitroso (N2O) e o Hexafluoreto de Enxofre (SF6), intensificam o efeito estufa, um fenômeno natural, e produzem um aumento das temperaturas na superfície da terra. 

Governos e entidades de todo o mundo vêm se dedicando, muitas vezes de forma exagerada, no combate das emissões dos gases de efeito estufa. Um exemplo dos exageros são algumas restrições que países como a Holanda e o Canadá planejam impor aos agricultores. 

Plantas em crescimento liberam óxido nitroso (um dos derivados do nitrogênio), um dos mais importantes gases de efeito estufa. A decomposição de matéria orgânica, atividade essencial para manter a fertilidade dos solos, também libera grandes quantidades desses gases. Por isso todo o esforço desses Governos para limitar as atividades agrícolas em seus países. Os agricultores, é claro, estão protestando. 

As mudanças climáticas, já há muitos anos, são uma das maiores preocupações dos principais países do mundo. Durante a COP 21 – Conferência das Partes, realizada em Paris em 2015, 195 países assinaram um acordo que tinha como principal meta limitar o aumento da temperatura globais abaixo dos 2º C até o final deste século. A redução das emissões de gases de efeito estufa é um dos principais pilares para que se consiga atingir essa meta. 

Sem conseguir grandes avanços nessa questão, os países mais importantes do mundo vêm trabalhando para que se consiga atingir um limite máximo no aumento das temperaturas globais em 1,5º C até o final desse século. Limitar as emissões de metano em processos de produção de gás natural, que ironicamente é considerado um dos combustíveis de origem fóssil dos mais limpos, é essencial. 

Entre outros problemas, o Turcomenistão é herdeiro da mentalidade de desenvolvimento a qualquer custo dos tempos em que o país fazia parte da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, bloco que deixou de existir em 1991. Muito da infraestrutura que existe no país, especialmente na área de produção de gás natural, ainda é dessa era. 

O Turcomenistão figura numa lista de países, onde também está a China, a Rússia e os Estados Unidos, que ocupam as primeiras posições no ranking de maiores emissores mundiais de metano. Se as “grandes economias do mundo” estão mesmo preocupadas em combater o aquecimento global, reduzir as emissões de metano nesses países é uma ótima “lição de casa”.  

SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ESTÃO SENDO USADOS PARA MONITORAR ESPÉCIES AMEAÇADAS POR INCÊNDIOS FLORESTAIS 

Uma das áreas da tecnologia que mais rapidamente está crescendo nos últimos anos são os sistemas que utilizam a inteligência artificial. Falando de uma forma extremamente simplificada, esses sistemas tornam máquinas e computadores “inteligentes” a ponto de tomarem decisões operacionais sem a necessidade de intervenção humana. 

Um exemplo das possibilidades surpreendentes que estão surgindo com essa nova tecnologia – já é possível utilizar a inteligência artificial para escrever matérias jornalísticas. Um jornalista carrega o sistema com as premissas básicas esperadas para a matéria e o sistema se encarrega de fazer as pesquisas e preparar o texto para revisão e aprovação pelo jornalista. 

Uma área que está começando a utilizar sistemas de inteligência é a ambiental. Uma prova disso é o uso que começou a ser feito dessa tecnologia na Austrália para o monitoramento do retorno de espécies a áreas que foram devastadas por grandes incêndios florestais

Em anos recentes, conforme apresentamos em diversas postagens aqui do blog, a Austrália enfrentou um longo período de estiagem que, entre outros problemas, deixou grandes áreas do país sujeitas a grandes incêndios florestas. 

A Austrália é um continente-ilha que ocupa uma área pouca menor que o Brasil. Esse é considerado o segundo continente mais seco do mundo – por mais incrível que parece, a Antártida é a campeã nesse quesito. Um exemplo da aridez australiana – o país conta com apenas 1% das reservas mundiais de água doce. 

A maior parte do território australiano é formado por solos áridos e semiáridos. A exceção são faixas territoriais que estendem ao longo da costa Leste e Sudeste do país, além de algumas áreas no Extremo Oeste e no Norte onde é o clima é subtropical, temperado e/ou tropical. Essas faixas eram originalmente cobertas por grandes florestas. 

Com o avanço da agricultura em muitas dessas antigas áreas florestais, remanescentes da vegetação nativa passaram a ficar sujeitos a incêndios florestais. Essas verdadeiras catástrofes ambientes normalmente começam com queimada “inocentes” feitas pelos agricultores. 

Para complicar ainda mais a situação de um país árido pela sua própria natureza, a Austrália vem sendo fortemente afetada pelas mudanças climáticas que, entre outros problemas, tem reduzido os volumes de chuvas em várias regiões. Como resultado de toda essa combinação de problemas o país tem enfrentado gigantescos incêndios florestais a exemplo do que ocorreu em 2019. 

Entre muitos problemas graves, esses incêndios representam uma enorme ameaça a toda uma série de animais exclusivos do bioma australiana como os coalas, um marsupial arborícola que teve enormes perdas em suas populações nas florestas de eucaliptos destruídas pelo fogo. 

Uma interessante parceria entre pesquisadores do WWF – World Wide Fund for Nature, e da Conservation Internacional, duas das maiores organizações ambientalistas do mundo, se uniu a proprietários de terras em diversas regiões da Austrália para monitorar a recuperação de habitats e de espécies afetadas por incêndios florestais. 

Os pesquisadores instalaram cerca de 1.100 câmeras fotográficas com ativação por sensores de movimentos em oito regiões da Austrália afetadas pelos incêndios nos últimos anos. Esses equipamentos produziram mais de 7 milhões de fotografias de animais. 

A cereja do bolo desse projeto foi a utilização do software Wildlife Insights, do Google, que permite a identificação dos animais fotografados com o uso de sistemas de inteligência artificial. Durante o processo de “aprendizado” para que o sistema identificasse corretamente os animais foi necessário o processamento de nada menos do que 4 milhões de fotografias. 

De acordo com o relato de Emma Spencer, pesquisadora e coordenadora do programa “Eyes on Recovery” da WWF Austrália, os sistemas de inteligência artificial identificaram vombates como porcos e cangurus como veados no início dos trabalhos. Após o processo de “aprendizado”, o sistema passou a reconhecer as espécies com mais de 90% de precisão. 

Entre os exemplos citados na notícia temos o caso de uma fêmea vombate voltando para seu habitat com o filhote (vide foto) nas cordilheiras de New South Wales e também de dunnarts voltando à Ilha Kangaroo, onde violentos incêndios devastaram cerca de 90% dos seus habitats em 2020. 

Uma parte importante do processo, que deverá ser aprimorado ao longo dos anos, será o de ensinar o sistema a reconhecer individualmente cada um dos animais, de forma a possibilitar a correta quantificação da população em uma determinada área. Pesquisadores humanos fazem isso procurando padrões particulares na pelagem, no couro ou na plumagem dos animais, ou ainda buscando cicatrizes ou outras marcas individuais – essa será uma grande “lição de casa” para os sistemas de inteligência artificial. 

Armadilhas fotográficas que utilizam sensores de presença vem sendo usadas já há vários anos por pesquisadores e são importantes ferramentas para o acompanhamento de espécies animais em seus habitats naturais ou em áreas impactadas por ações humanas. O uso de sistemas de inteligência artificial como nesse exemplo da Austrália aumenta, e muito, a capacidade de processar uma quantidade enorme de espécies em grandes territórios. 

Em tempos de grandes problemas ambientais em todo o mundo qualquer ajuda que as novas tecnologias possam agregar aos esforços de proteção de espécies animais e vegetais serão sempre bem-vindas. 

Nossos votos para que mais organizações ambientalistas e governos de todo o mundo incorporem esses novos sistemas em seus arsenais de “ferramentas de trabalho”. 

ATENÇÃO: O EL NIÑO PODERÁ CHEGAR DENTRO DE POUCAS SEMANAS!

Variações bruscas no clima de diversas regiões do mundo vem sendo observadas há muitos séculos pelas populações sem que os “sábios” tivessem explicações racionais para esses fenômenos. Na falta dessas explicações científicas a população se valia de eventos com criaturas fantásticas e mitológicas. A chegada de um grande dragão, por exemplo, poderia explicar uma forte onda de calor; a ira de um deus, ao contrário, estaria na origem de uma temporada de chuvas muito fortes. 

Foi somente em décadas recentes, após intensos estudos climáticos e meteorológicos em todo o planeta – especialmente com o uso de imagens e dados de satélites, que parte do mecanismo que provoca essa variação nos padrões de chuvas e de calor começaram a ser desvendados. Os pesquisadores perceberam um aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico em alguns anos; em outros anos, o que se observou foi um resfriamento anormal dessas águas. Esses fenômenos foram batizados de El Niño (“o menino” em espanhol) e La Niña (a menina).   

De acordo com informações da OMM – Organização Meteorológica Mundial, uma agência ligada a ONU – Organização das Nações Unidas, existe 60% de possibilidade de que El Niño se desenvolva até o fim de julho, e cerca de 80% de possibilidade de formação do fenômeno até o mês de setembro, 

Nos anos em que o fenômeno El Niño é detectado nas águas do Oceano Pacífico, são registradas uma série de alterações climáticas em todo o mundo. Em 2015, o surgimento de um forte El Niño prejudicou lavouras de cacau, chá e café em toda a Ásia e África. Também provocou uma forte seca no Sudeste Asiático, favorecendo o surgimento de vários incêndios florestais.  

Naquele ano também se observou o inverno mais quente já registrado nos Estados Unidos. Na América do Sul, o surgimento do El Niño pode resultar em períodos de seca na região Centro-Norte do continente, em especial na Amazônia, e de maior umidade nas regiões mais ao Sul do Brasil e na Argentina.   

Quando o fenômeno La Niña é observado no Oceano Pacífico, as águas superficiais de uma extensa região apresentam uma redução média entre 2 e 3° C na sua temperatura. Nesses anos de ocorrência de La Niña, costuma se observar, entre os meses de dezembro e fevereiro, um aumento das chuvas na região Nordeste e temperaturas abaixo do normal na região Sudeste do Brasil. O fenômeno também provoca um aumento do frio na costa Oeste dos Estados Unidos e no Japão, além de aumento das chuvas na costa Oeste da Ásia.   

A ocorrência desses fenômenos climáticos varia muito. La Niña costuma ocorrer em intervalos de 2 a 7 anos, com uma duração de 9 a 12 meses – em alguns casos, pode ter uma duração de até 3 anos como agora. O El Niño têm uma frequência tão irregular quanto a da La Niña, ocorrendo também em intervalos de 2 a 7 anos, porém, com uma duração de 10 a 18 meses.   

Uma das regiões brasileiras que pode estar entre as mais impactadas pela chegada do El Niño é o Centro-Oeste. Em suas visitas anteriores, o “menino malvado”, como nós costumamos chamar o fenômeno aqui no blog, provocou fortes secas e uma baixa bastante significativa no nível de grandes reservatórios da região como o de Serra Mesa, em Goiás

É importante lembrar que a Região Centro-Oeste é formada em sua maior parte pelo bioma Cerrado, onde a agricultura e a pecuária cresceram enormemente nas últimas décadas. O Cerrado concentra 36% de todo o rebanho bovino nacional, sendo que 30% dos solos do bioma foram transformados em pastagens para boiadas. Cerca de 63% da produção brasileira de grãos está concentrada no Cerrado, onde se inclui mais da metade de toda a produção brasileira de soja.    

Formado por solos tipicamente pobres e altamente ácidos, o Cerrado foi desprezado durante muito tempo por agricultores e pecuaristas. A situação só começaria a mudar a partir da década de 1950 com o desenvolvimento de técnicas para a correção dos solos como a calagem (aplicação de calcário), a adubação fosfatada e a adubação potássica. Também foram criadas sementes de grãos adaptas especialmente para o plantio no bioma, a partir da década de 1970, transformado o Cerrado no mais importante celeiro agrícola do Brasil.  

Solos adequados para o plantio de grãos e formação de pastagens não são tudo – é preciso que chuvas regulares caiam na região para que as “coisas” aconteçam. É aqui que podem começar os problemas – uma diminuição do volume de chuvas na região poderá representar uma grande quebra nas safras agrícolas e na produção agropecuária, problemas que terão fortes impactos na economia de todo o país.  

Também não podemos esquecer que o Cerrado é considerado o “berço das águas” do Brasil. O bioma abriga as nascentes de importantes bacias hidrográficas da América do Sul como a Amazônica (cerca de 5% dos caudais), Tocantins/Araguaia, Paraguai, Paraná e São Francisco, o que resulta em um elevado potencial aquífero e favorece a sua biodiversidade. O Cerrado também abriga três dos maiores e mais importantes aquíferos do país: Bambuí, Urucuia e parte do grandioso aquífero Guarani. 

Ou seja, uma eventual diminuição do volume de chuvas na Região Centro-Oeste por causa da chegada do El Niño poderá resultar em fortes impactos em grande parte do país. Esses impactos poderão ser de ordem econômica devido à redução na produção de grãos e produtos pecuários ou na forma da redução de caudais em grandes rios com nascentes dentro do bioma Cerrado. A redução das chuvas também poderá afetar a região do Semiárido Nordestino, famosa por suas grandes secas.

A última vez que o fenômeno El Niño resolveu “dar as caras” foi entre os anos de 2018 e 2019, deixando um rastro de problemas em todo o mundo. Desde 2020, estamos convivendo continuamente com a presença de sua irmã, La Niña, que já deve estar “arrumando as malas” e em breve deverá nos deixar. 

Há uma grande preocupação entre cientistas e meteorologistas no que se refere à intensidade do fenômeno neste ano, havendo inclusive expectativas de altas temperaturas e recordes de calor em algumas regiões do mundo. Uma forte onda de calor atingiu as regiões Central e Norte do Vietnã nos últimos dias, com temperaturas superando a marca dos 44º C – isso já pode ser uma prévia da “bagagem” que o El Niño está trazendo. 

Para um mundo que já vem sofrendo com temperaturas cada vez mais elevadas, ano após ano, por causa das consequências do aquecimento global, a chegada desse visitante indesejável poderá significar, literalmente, “mais lenha sendo jogada na fogueira”. 

Infelizmente, como esse é o único planeta que temos, nós não temos para onde fugir e vamos ter de enfrentar os problemas que virão da melhor maneira possível… 

FILÓ, A CAPIVARA DA DISCÓRDIA

Em junho de 2019, publicamos uma postagem aqui no blog falando das capivaras que vivem nas águas altamente poluídas dos rios Tietê e Pinheiros aqui na cidade de São Paulo. Esses animais, que passaram a fazer parte das paisagens da cidade, teimam em sobreviver em ambientes altamente inóspitos. 

Quem circula pelas Avenidas Marginais da cidade ou ainda pelas ciclovias existentes nas margens do rio Pinheiros, já se acostumou a ver famílias inteiras de capivaras dormindo preguiçosamente no meio da vegetação ou nadando nas águas escuras e poluídas dos rios. Por mais dramática que seja a vida das capivaras paulistanas, nunca se viu um grande movimento popular ou de autoridades em prol do bem-estar desses animais. Existem sim movimentos isolados de alguns grupos.

Ao longo dos últimos 4 anos, a postagem das capivaras teve cerca de 3,2 mil visualizações, um número bastante razoável para os padrões do blog. Nas últimas semanas, entretanto, passamos a observar um aumento exponencial nas visualizações dessa postagem. A responsável por toda essa movimentação foi Filó, uma pequena capivara que ganhou grandes espaços nas redes sociais e nas manchetes de jornais e telejornais de todo o mundo. Pesquisando no Google (em 06/05/2023) se encontram mais de 9,4 milhões de referências ao assunto. 

Num rápido resumo: Filó estava sendo criada como uma espécie de bicho de estimação por um jovem de 23 anos que mora numa fazenda no interior do Estado do Amazonas – Agenor Tupinambá. Influenciador digital, Agenor começou a fazer postagens da vida de Filó em sua propriedade, conquistando simpatizantes e críticos aos montes. 

Após uma denúncia à fiscalização do Ibama, foi montada toda uma operação de resgate cinematográfica e midiática do tipo para “mostrar serviço”. Os fiscais apreenderam a pequena capivara e multaram o rapaz em R$ 17 mil. O caso, entretanto, ganhou forte repercussão nas redes sociais e nos meios de comunicação, mostrando muito da hipocrisia dos “ambientalistas de plantão”. 

Filó, como grande parte dos leitores já devem saber, teve a mãe morta por indígenas (são os únicos que podem caçar animais silvestres) na região de Autazes, município a pouco mais de 100 km de Manaus no Estado do Amazonas. Segundo o relato de Agenor, um de seus primos ganhou a filhote dos indígenas e depois o repassou a ele como um presente. 

Até onde foi possível observar nos vídeos produzidos por Agenor, Filó vivia solta na fazenda de Marcelo, com livre acesso a rios e a matas. Após a apreensão, o animal foi evado para uma sede do Ibama em Manaus e colocado em uma pequena gaiola. Uma deputada estadual do Estado do Amazonas teve acesso ao local e filmou as precárias condições do lugar. 

Muito pior: a Deputada Joana D’Arc teve acesso ao estoque de vacinas e medicamentos veterinários do lugar, encontrando uma enorme quantidade de produtos vencidos. Esses vídeos foram usados num processo judicial que pedia a devolução de Filó a Agenor Tupinambá, o que foi concedido provisoriamente pela justiça. 

Antes de qualquer comentário é preciso esclarecer que a Lei 9.605/98, mais conhecida como Lei de Crimes Ambientais, trata dos casos de animais silvestres. O inciso III do artigo 29 dessa lei, que trata do tráfico de animais silvestres, proíbe a venda, exportação, aquisição, guarda em cativeiro ou transporte de ovos ou larvas, sem a devida autorização. 

Essa lei esclarece que animais da fauna silvestre como as capivaras são todos aqueles pertencentes a espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte do seu ciclo de vida ocorrendo dentro do território brasileiro ou em águas jurisdicionais brasileiras. 

Dito isso dou minha opinião: o bem-estar de Filó foi uma das últimas preocupações dos denunciantes da questão – esse povo queria mesmo era “lacrar” com a história e posar para as fotografias como os salvadores da Amazônia e do meio ambiente. Quem acompanha as postagens aqui do blog sabe que defendemos a preservação ambiental com racionalidade e seriedade, coisas que passaram bem longe desse caso. 

Além das capivaras paulistanas que já citamos, existem inúmeras outras vivendo em áreas degradas de grandes cidades brasileiras. Vou citar de cabeça os casos de muitas lagoas da cidade do Rio de Janeiro e do rio Capibaribe na cidade do Recife. Se é para cuidar do bem-estar da espécie, os animais que vivem nesses locais deveriam ter prioridade absoluta. 

Para ilustrar o drama que é a vida desses animais, vou relatar um caso pessoal: 

Em 2003, eu trabalhei nas obras de construção de uma ponte sobre o rio Tietê na Zona Leste da cidade de São Paulo junto a divisa com Guarulhos. Certo dia, um dos funcionários me avisou que um grupo de operários havia capturado uma capivara na margem do rio e que estavam programando um churrasco para o fim de semana, onde a capivara seria o prato principal. 

Preocupado com as repercussões do caso (tratava-se de obra pública do Governo municipal com inúmeras restrições ambientais) avisei as equipes de segurança e de meio ambiente da obra. Depois de uma conversa “dura” com os operários, a capivara foi libertada e nunca mais esse problema se repetiu. 

Passada a crise, eu cheguei a conversar com alguns desses operários e fiquei sabendo que os churrascos de capivaras e outros animais silvestres era uma espécie de tradição do grupo – sempre que eles conseguiam capturar um desses animais a festança do fim de semana estava garantida. 

Eu imagino que histórias desse tipo se repitam todos os dias por todos os cantos do país, sem que estardalhaços midiáticos sejam feitos pelos “ambientalistas de ar condicionado”, como eu costumo chamar. Porém, o resgate de Filó é o que representa a salvação dos animais silvestres ameaçados! 

Faço votos que o debate público criado a partir da história de Filó e de Agenor Tupinambá possa resultar em propostas realmente efetivas e funcionais para a proteção da fauna silvestre. E que fique bem claro – nem de longe eu defendo a criação desses animais como pets (aliás, existem animais domésticos resgatados em abrigos por todo o Brasil a procura de um lar). 

Proteção e cuidado para a fauna silvestre sim, espetacularização não! 

Encerrando: a imagem que ilustra esta postagem é de autoria de Eduardo Lima, artista plástico baiano, que resolveu homenagear Agenor Tupinambá e Filó.

ESPECIAL BIOMAS BRASILEIROS: O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA 

A Amazônia é o maior e mais complexo bioma do Brasil, quiçá do mundo. Esse fabuloso mundo de águas e matas ocupa uma área com aproximadamente 5,5 milhões de km², totalmente inserida dentro da Bacia Amazônica, um sistema fluvial com mais de mil rios importantes e que ocupa uma área de mais de 7 milhões de km². 

Dentro do Brasil, a Floresta Amazônica ocupa uma área entre 3,6 e 4,5 milhões de km² (dependendo da fonte consultada), onde vivem cerca de 25 milhões de brasileiros. Mesmo se considerando o número menor, essa área corresponde a quase metade do território do país. 

Na Amazônia tudo é superlativo – inclusive o tamanho dos problemas. A grande floresta convive com derrubadas ilegais de árvores para exploração de madeiras nobres, com garimpo ilegal de ouro, invasões de terras públicas e indígenas. Sobretudo, a exuberância da Floresta Amazônia esconde uma imensa multidão de brasileiros vivendo numa pobreza absoluta. 

Apesar de todos os problemas e pesares, esse incrível bioma tem enormes possibilidades de desenvolvimento econômico e social com preservação ambiental. Falo aqui do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, que inclusive foi tema de uma série de postagens aqui do blog

Segue uma lista de possibilidades – sigam os links indicados para ler o texto completo:  

Os cacaueiros da Amazônia 

O cacau (Theobroma cacao) é uma planta nativa das regiões tropicais das Américas, encontrada desde a região da Floresta Amazônica até as florestas tropicais do Sul do México. O cacaueiro se desenvolve sob as copas sombreadas das florestas, onde a árvore pode chegar a uma altura de 20 metros. Em plantações comerciais, onde as árvores recebem podas periódicas, essa altura normalmente fica entre 3 e 5 metros, o que facilita muito a colheita dos frutos.   

As amêndoas do cacau são a matéria prima do chocolate, um dos alimentos mais amados do mundo, especialmente pelas crianças. Os cacaueiros precisam da cobertura florestal para se desenvolver e nada melhor do que fazer isso na Floresta Amazônica. Essa é uma ótima alternativa econômica para os pequenos agricultores da região. 

A piscicultura nos rios da Amazônia 

Rios de todos os tamanhos, especialmente os pequenos igarapés, são abundantes em todo o território da Amazônia – nada mais natural do que se valer de toda essa abundância de águas para gerar bens de grande valor econômico. Um desses caminhos é a piscicultura ou a criação de peixes em cativeiro. 

Entre as muitas espécies já em aproveitamento destaco o pirarucu, (Arapaima gigas), o maior peixe de escamas do Brasil e um dos maiores do mundo. Pirarucus adultos podem chegar a um comprimento de até 3,5 metros e a um peso de 250 kg, porém, devido à superexploração da pesca da espécie, animais desse porte são cada vez mais raros nos rios da Bacia Amazônica.   

Durante o período colonial, entre os séculos XVI e XVIII, as fazendas dos padres Jesuítas processavam o pirarucu e vendiam em Portugal como “bacalhau da Amazônia”. Isso nos dá uma ideia do potencial econômico da espécie, entre muitas outras da Bacia Amazônica. 

As castanhas do Pará 

Um produto amazônico dos mais conhecidos no Brasil e no mundo é a castanha-do-pará, que no exterior é designada simplesmente como Brazil nut ou castanha do Brasil. O país produz cerca de 40 mil toneladas de castanhas por ano, sendo que mais de 90% dessa produção é exportada com casca e desidratada, o que é conhecido como castanha dry. Os nossos principais mercados são Europa, Estados Unidos, México, Japão, Argentina e países árabes como Tunísia e Arábia Saudita.   

Couro Vegetal 

O primeiro produto da Amazônia que conquistou importantes mercados no mundo foi o látex, a seiva natural produzida por várias espécies de árvores e plantas, com destaque para a seringueira (Hevea brasiliensis). O látex foi, durante muito tempo, a principal matéria prima para a produção da borracha, produto que desde a década de 1920 passou a ser feito a partir de derivados de petróleo. 

Uma aplicação relativamente recente para o látex e que tem um ótimo potencial econômico é o couro vegetal. O látex é aplicado em camadas sucessivas sobre um tecido e vai coagulando, produzindo um efeito emborrachado, com uma aparência muito similar ao couro animal. Essa forma artesanal de produção resulta em peças com texturas e cores diferentes, que vão do castanho claro ao marrom café e que dão ao produto um charme e uma exclusividade toda especial.   

Os búfalos da Ilha de Marajó 

Uma das atividades que mais crescem na Amazônia atualmente é a pecuária bovina. Grandes extensões da Floresta Amazônica são derrubadas todos os anos para a formação de pastagens para o gado. Uma atividade similar que permite altos ganhos sem a necessidade de formar pastagens é a criação de búfalos a exemplo do que ocorre na ilha de Marajó. 

Os búfalos (Bubalus bubalis) são originários da Ásia e ainda hoje podem ser encontrados em estado selvagem em áreas pantanosas da Índia, Nepal, Butão e países do Sudeste Asiático como Tailândia, Indonésia, Malásia e Myanmar. Também existem búfalos selvagens na Austrália, onde a espécie foi introduzida no século XIX. O animal pode superar o peso de 1,2 tonelada e atingir um comprimento de 3 metros.   

Ao contrário dos seus “primos” bovinos, que necessitam de pastagens e espaços abertos, os bubalinos vivem perfeitamente nos ambientes naturais das várzeas e dos campos amazônicos. Existem cerca de 600 mil búfalos vivendo na Ilha do Marajó, o que supera em número a população de marajoaras, estimada em 533 mil habitantes. 

Para finalizar, gostaria de citar o açaí, (Euterpe oleracea) é o fruto de uma palmeira muito comum em toda a Região Amazônica, a palmeira-açaí ou açaizeiro. A planta costuma se desenvolver nas áreas de várzea, um ambiente dos mais comuns na grande floresta equatorial (vide foto). 

Além do fruto, que vem fazendo sucesso em todo o Brasil e em muitos países do mundo, a palmeira-açaí também produz um palmito de excelente qualidade e que é bem mais sustentável que o palmito extraído da palmeira-jussara (Euterpe edulis Mart.), nativa da Mata Atlântica

Esses são apenas alguns exemplos do que a Amazônia pode nos oferecer em termos econômicos sem a necessidade de destruir essa grande e fabulosa floresta! 

ESPECIAL BIOMAS BRASILEIROS: O GARIMPO ILEGAL NA AMAZÔNIA 

Na postagem anterior falamos rapidamente dos desmatamentos e da exploração ilegal de madeira na Amazônia. Frequentemente, essa exploração é feita em terras públicas, áreas de preservação, parques nacionais e terras indígenas (muitas vezes em conluio com os líderes tribais). Essas áreas desmatadas costumam ser transformadas em campos de cultivo e/ou pastagem para o gado. 

Um outro problema bastante complexo na região é o garimpo ilegal do ouro. Ha´poucas semanas atrás muitos dos leitores devem ter visto notícias de uma grande ação do Governo Federal contra o garimpo ilegal em terras do Povo Yanomani em Roraima, uma ação que, na minha modesta opinião, foi muito mais um “show para a mídia”. 

O território do Povo Yanomami ocupa uma área com mais de 98 mil km² apenas dentro do Brasil e sem considerar o trecho dentro do território da Venezuela. Essa área é quase igual ao território do Estado de Pernambuco e nela vivem cerca de 20 mil indígenas (a população yanomami total é estimada em 35 mil indivíduos). 

Apenas para efeito de exercício teórico – a Polícia Militar de Pernambuco conta com mais de 16 mil policiais em seu efetivo e segundo alguns analistas esse efetivo está defasado em cerca de 10 mil policiais. Algum de vocês conseguiria imaginar todo esse efetivo (mesmo defasado) sendo colocado par proteger a Terra Yanomami de invasores? 

De uma forma bastante simplificada, esse é o grande problema do garimpo ilegal na Floresta Amazônica – a região é grande demais e o país não tem recursos humanos e materiais para vigiar e proteger. Aliás, é difícil imaginar qualquer país que conseguisse fazer isso. Cito como exemplo os Estados Unidos, uma das maiores potenciais econômicas e militares do mundo, que não consegue evitar a entrada de imigrantes ilegais pela fronteira com o México. 

Além das dificuldades de fiscalização e controle, a Amazônia possui uma infinidade de caminhos terrestres e fluviais para o “descaminho” de todo o ouro extraído ilegalmente. Um destino fácil para “desovar” essa produção é a Venezuela, país que fica “logo ali ao lado”. Também existe toda uma rede internacional de “agentes” especializados em legalizar ouro e pedras preciosas – esse ouro ilegal acaba sendo comprado legalmente por países e pessoas acima de qualquer suspeita. 

As reservas de ouro na Região Amazônica são estimadas em, pelo menos, 25 mil toneladas, o que equivale a cerca de US$ 300 bilhões. Num dos anos em que a produção de ouro na região bateu recorde – 1988, se alcançou a impressionante cifra de 216 toneladas e os ganhos foram de US$ 3 bilhões, valor equivalente a 3 vezes os ganhos com a exploração de minério de ferro em Carajás.    

Esses números explicam facilmente por que tanta gente arrisca tudo – inclusive a própria vida, para se embrenhar na Amazônia em busca de ouro. 

O ouro é considerado o mais nobre dos metais, sendo usado para a confecção de joias e todo o tipo de acessórios de moda, objetos finos, moedas, medalhas e troféus, entre muitos outros usos. O ouro também é usado como reserva de valor por bancos centrais de todo o mundo. Além disso, o ouro tem inúmeros aplicações industriais – especialmente na produção de componentes e circuitos eletrônicos. Tudo isso cria uma enorme demanda anual pelo metal. 

O ouro de aluvião, que é uma das formas mais comuns do metal na natureza, é encontrado no fundo e nas margens dos rios. A forma mais simples para buscar esse ouro é através do uso de bateras de madeira ou de metal que são usadas para lavar o cascalho dos rios. A forma mais agressiva para extrair o metal é com o uso de dragas flutuantes. As margens têm a vegetação devastada e milhares de toneladas de terra e sedimentos são revirados sem quaisquer preocupações com os graves estragos ao meio ambiente.   

O garimpo sempre traz a tiracolo o mercúrio, um metal altamente tóxico para os seres vivos, que é usado em grandes quantidades para separar o ouro dos sedimentos. Os fragmentos de ouro se ligam ao mercúrio formando uma amálgama. Essa amálgama é depois submetida a altas temperaturas com o uso de maçaricos, fazendo o mercúrio evaporar e deixando apenas o ouro.  

Conforme esse vapor vai esfriando, micro gotículas de mercúrio vão caindo sobre os solos e águas do entorno do garimpo. De acordo com os estudos mais recentes, para cada 1 kg de ouro extraído nos garimpos cerca de 1,32 kg de mercúrio é usado. Estimativas indicam que, nos últimos anos, a produção anual de ouro no Brasil tem se situado entre 80 e 100 toneladas, o que implica num consumo total de mercúrio entre 100 e 260 toneladas.   

Essa técnica de separação do ouro foi usada intensamente nas Américas entre os anos de 1540 e 1900, onde se estima um consumo de 200 mil toneladas de mercúrio nas colônias espanholas e de 60 mil toneladas na América do Norte, entre os séculos XVIII e XIX.   

O mercúrio é absorvido inicialmente por microalgas, insetos, invertebrados e pequenos crustáceos que vivem nas águas dos rios, espécies que formam a base da cadeia alimentar. Essas criaturas são predadas por criaturas maiores, criando-se assim o ciclo de acumulação do mercúrio nos seres vivos. 

O mercúrio acompanha todo o ciclo da cadeia alimentar, passando de um organismo para outro, se acumulando em quantidades cada vez maiores ao longo do tempo. O mercúrio presente no organismo de peixes fatalmente contaminará qualquer ser humano que consuma suas carnes. Esse é um problema que vem crescendo na Amazônia.  O mercúrio pode provocar danos graves no sistema nervoso central, normalmente irreversíveis, que comprometem os sistemas sensoriais e motores. 

Um estudo realizado no Estado do Amapá e divulgado no final de 2020, nos dá uma clara ideia do nível de contaminação dos peixes por mercúrio – todos os peixes analisados apresentaram níveis detectáveis de mercúrio e 28,7% das amostras excederam o nível máximo recomendado pela OMS – Organização Mundial da Saúde. As espécies de peixes com os maiores níveis de contaminação são carnívoros de topo da cadeia alimentar, incluindo o pirarucu, o tucunaré e o trairão, algumas das espécies mais consumidas pelos moradores da Amazônia.   

Com tanto ouro espalhado por rios e matas por toda a Amazônia, com uma fiscalização deficiente e inúmeras formas para conseguir vender o metal sem responder a muitas perguntas, não é de se estranhar a grande quantidade de garimpeiros ilegais por todos os cantos da Amazônia. 

A destruição de águas e matas, além da contaminação de seres vivos com grandes quantidades de mercúrio, são apenas “pequenos detalhes” nessa grande equação…