
Um dos maiores problemas para as redes coletoras de esgotos são os lançamentos de restos de gordura a partir das cozinhas de casas, restaurantes e lanchonetes. A maior parte dessa gordura tem origem nos óleos comestíveis usados para a preparação dos alimentos, especialmente por fritura.
Depois de ser usado, é comum que esse óleo acabe sendo despejado nas pias das cozinhas, o que é uma das formas mais inadequadas para o seu descarte. Em contato com a água fria das redes de esgotos, esse óleo forma massas gordurosas que aderem nas paredes das tubulações, o que poderá levar ao entupimento total das redes. Uma família brasileira lança, em média, um volume entre 1 e 2 kg de gordura nas redes de esgotos a cada mês.
Esse problema não é uma exclusividade do Brasil. Em setembro de 2017, citando um exemplo, publicamos uma postagem onde falamos do “monstro dos esgotos de Londres”. O serviço de águas e esgotos da cidade precisou montar uma verdadeira equipe de batalha para remover um “fatberg”, um enorme bloco formado por gordura e lixo que entupiu parte da rede de esgotos. O peso estimado do bloco foi calculado em 130 toneladas.
Além dos riscos às tubulações, essa gordura representa riscos à saúde pública. Insetos – principalmente as baratas, adoram se alimentar dessa gordura. Com fartura de alimento, as baratas se reproduzem sem controle e acabam invadindo nossas casas, podendo transmitir inúmeras doenças a nós e a nossas famílias.
Uma notícia repugnante, que vem sendo repetida há mais de 10 anos, fala do crescimento descontrolado da “indústria do óleo de sarjeta ou de esgotos” na China. Grupos estão recolhendo esses restos de gordura das redes de esgotos e de depósitos de lixo, reprocessando (tornando o material líquido) e vendendo para comerciantes de rua e donos de restaurantes.
O grande atrativo desse “produto” são os preços baixíssimos cobrados. A culinária chinesa, como deve ser do conhecimento de todos, tem uma enormidade de pratos que são preparados através da fritura rápida dos alimentos. O consumo de óleo é bem alto e, surgindo uma opção de adquirir esse óleo comestível a preços muito baixos, é certo que muitos comerciantes vão comprar sem fazer perguntas.
A China é o maior consumidor de óleos comestíveis do mundo. De acordo com informações do canal de notícias Bloomberg, o consumo diário per capita de óleo no país é da ordem de 40 gramas/dia. O Governo chinês está trabalhando para reduzir esse consumo para uma faixa entre 25 e 30 gramas até 2030. O motivo são as preocupações com a saúde da população.
Considerando que o país tem uma população de 1,4 bilhão de habitantes, fica bem fácil perceber o tamanho do mercado explorado por esses grupos criminosos (não consigo pensar em outro termo para definir pessoas que fazem esse tipo de negócio). De acordo com dados de 2011, o Governo estimava que cerca de 10% do óleo utilizado pelos restaurantes e vendedores ambulantes do país tinha como origem a gordura recolhida nos esgotos. É provável que esse percentual tenha crescido muito de lá para cá.
Depois de processado em fábricas clandestinas de “fundo de quintal”, o óleo tem a aparência de um produto regular, sem apresentar cor ou cheiro diferente do normal. Os problemas ficam por conta da composição química do “produto”. Resíduos dos mais diferentes tipos de resíduos – de derivados de petróleo a químicos farmacêuticos, entre outros, que se misturaram à gordura nos esgotos, vão estar presentes no “produto” final.
Como acontece com todo produto orgânico, os óleos de origem vegetal comestíveis, produzidos a partir de grãos como soja, milho, sementes de girassol e amendoim, oxidam e entram em decomposição. O seu consumo pode causar, na melhor das hipóteses, indigestão, insônia, desconforto hepático, podendo chegar até a morte por intoxicação.
Entre os muitos produtos químicos já identificados em amostras recolhidas para estudos laboratoriais, foram encontrados resíduos de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH). Trata-se de poluentes orgânicos perigosos que, entre outros males, podem provocar câncer. Também já foram identificadas aflatoxinas, compostos produzidos por certos tipos de fungos e classificados como altamente cancerígenos.
A China ocupa a nada honrosa posição de maior poluidor do mundo. Nas últimas décadas, a gigante da Ásia despontou como a “grande fábrica do mundo”. Se valendo de farta mão de obra barata, grandes reservas de carvão mineral (sua principal fonte de energia) e de um Governo central que buscava o desenvolvimento econômico a qualquer custo, o país se transformou na segunda maior potência econômica do mundo.
Poluir águas, rios e solos sempre foi considerado um “problema menor” no país. Políticas de gestão ambiental e de controle das fontes de poluição são extremamente recentes e ainda vai demorar décadas até que cheguem em níveis razoáveis. Dentro desse cenário, tentem imaginar a quantidade de produtos químicos e poluentes que vão parar nos esgotos das cidades chinesas (e olhem que nem estamos considerando fezes e urina despejadas nessas redes).
As autoridades locais afirmam que vem trabalhando forte para conter esse tipo de delito. Há inclusive a notícia que um homem foi preso na província de Jiangsu, acusado de processar ilegalmente esse tipo de óleo. O homem foi julgado e condenado a prisão perpétua. Vamos e convenhamos – é muito pouco para o tamanho colossal do problema.
É importante citar que a reciclagem e o reaproveitamento de óleos comestíveis é uma prática ambientalmente correta e que sustenta muita gente ao redor do mundo. Um dos usos mais comuns desses resíduos é para a produção de sabão. Outro uso louvável é para a produção de biodiesel. O produto também pode ser usado para a fabricação de detergentes, produtos de beleza, borrachas e roupas, entre outros.
Para os grupos que “trabalham” nesse mercado, esses usos para os resíduos de óleos e gorduras é pouco lucrativo devido aos custos logísticos. Recolher a gordura na rede de esgotos, processar numa fábrica de fundo de quintal e vender o “produto” para os comerciantes do bairro é muito mais fácil e lucrativo.
Por via das dúvidas, muitos chineses fazem questão de sair de casa levando um recipiente com óleo de cozinha quando vão comer fora em barracas de vendedores ambulantes ou em restaurantes. Essas pessoas fazem questão de acompanhar todo o processo de preparação dos alimentos para se certificar que não estão sendo usados óleos “estranhos”.
Todos devem conhecer o antigo ditado: “prevenir é sempre melhor que remediar”. Desgraçadamente, muitas das doenças provocadas por essa prática repugnante não tem remédio…
Para saber mais sobre esgotos: ESGOTO SANITÁRIO: QUE TREM É ESSE SÔ?