AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL: A CRIAÇÃO DE PIRARUCUS EM CATIVEIRO E OS BÚFALOS DA AMAZÔNIA

Na última postagem falamos do pirarucu (Arapaima gigas), o maior peixe de escamas do Brasil e um dos maiores do mundo. Pirarucus adultos podem chegar a um comprimento de até 3,5 metros e a um peso de 250 kg, porém, devido à superexploração da pesca da espécie, animais desse porte são cada vez mais raros nos rios da Bacia Amazônica. 

O pirarucu é chamado de “bacalhau da Amazônia”. A origem dessa denominação tem suas raízes nos tempos do Brasil Colônia, quando as fazendas dos sacerdotes Jesuítas da Amazônia preparavam e salgavam os pirarucus, que acabavam sendo exportados para Portugal e lá eram vendidos como se fosse um autêntico bacalhau português. Esse tipo de engodo também era feito com ervas nativas e temperos da Floresta Amazônica e de outros biomas brasileiros, que eram processados e vendidos na Europa como “legítimas especiarias do oriente”. O próprio pau-brasil (Paubrasilia echinata, chamada antigamente de Caesalpina echinata), que foi explorado até praticamente o seu esgotamento na Mata Atlântica, é um “genérico” da espécie nativa do Sul e Sudeste da Ásia, o pau-brasil-da-Índia (Caesalpina sappam).

Os mais de mil rios que formam a gigantesca Bacia Amazônica concentram, segundo algumas estimativas, perto de 20% de toda a água doce do planeta e, é claro, abrigam uma fabulosa fauna aquática – mais de 2.100 espécies de peixes amazônicos já foram catalogadas pelos pesquisadores e há a certeza que ainda existem muitas espécies mais a serem descobertas. Esse ambiente de matas e águas da Floresta Amazônica apresenta todas as condições para a criação de peixes de alto valor comercial em cativeiro e em grandes quantidades. O pirarucu é uma das espécies que já vêm sendo criadas em cativeiro e com muito sucesso. 

O pirarucu é onívoro e come qualquer coisa que apareça na sua frente: peixes, crustáceos, vermes, insetos, anfíbios, cobras, filhotes de tartaruga, entre outras presas. O peixe também é um grande apreciador de frutas e castanhas que eventualmente apareçam boiando nas águas. Na época das chuvas – o famoso “inverno amazônico”, quando os grandes rios transbordam e avançam quilômetros floresta adentro, os pirarucus dão verdadeiros saltos acrobáticos para pegar frutas e castanhas que estejam acima das águas. 

Quando ainda está nas fases de alevino ou é jovem, o pirarucu se alimenta basicamente de plâncton, plantas e animais microscópicos nas comunidades bentônicas do leito dos rios ou que vivem livres nas águas, passando depois a comer pequenos peixes. É aqui que pode entrar na “equação” um outro animal tipicamente amazônico – o búfalo. 

Segundo algumas lendas correntes entre as populações ribeirinhas, especialmente da Ilha do Marajó, os búfalos chegaram à região devido ao naufrágio de um navio de transporte de animais que havia recém zarpado da Guiana Francesa. Para a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, o responsável pela introdução dos animais na Amazônia brasileira tem nome e sobrenome: Vicente Chermont de Miranda, um criador que importou animais da raça Mediterrânea da Itália. Os primeiros búfalos desembarcaram na Ilha do Marajó em 1895. 

O búfalo doméstico (Bubalus bubalis) é originário das florestas tropicais do Sul e Sudeste da Ásia, onde as condições ambientais são muito parecidas com aquelas encontradas na Floresta Amazônica. De lá, a espécie foi introduzida na África, na Europa e depois nas Américas. Em uma outra postagem vamos falar especificamente sobre os búfalos da Amazônia. 

Na Ilha do Marajó e em outras localidades da Amazônia, os búfalos passaram a se sentir praticamente dentro do seu ambiente natural, encontrando fartura de alimentos e excelentes condições de vida. Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o rebanho de bubalinos no Brasil tem cerca de 1,6 milhão de cabeças, sendo que o Estado do Pará detém perto de 1 milhão de animais. Existem fontes que falam de um rebanho bem maior, na casa dos 3 milhões de cabeças. A maior parte desses rebanhos estão concentrado nas várzeas, campos naturais e em pastagens cultivadas em terra firme da ilha de Marajó e também no Baixo e Médio Amazonas,

De acordo com estudos aa EMBRAPA, a criação consorciada de búfalos e de pirarucus pode ser bastante interessante do ponto de vista econômico. Os dejetos dos búfalos lançados nas águas dos rios atuam como fertilizante para micro algas, alimento consumido por pequenos crustáceos, vermes, insetos e plâncton. Essas criaturas formam a base da cadeia alimentar dos rios, alimentando pequenos peixes, que por sua vez serão predados pelos pirarucus. Ou seja – os criadores não terão despesas com a alimentação dos pirarucus, bastando introduzir espécies de peixes sem valor comercial nos tanques de criação. 

Diferente de seus primos bovinos, que exigem pastos de boa qualidade em áreas secas durante todo o ano, os búfalos vivem “confortavelmente” nas áreas de várzea, consumindo a vegetação que encontra nesses locais. Há época da cheia dos rios, o ideal é que existam áreas mais altas com algum tipo de pastagem para que os animais mantenham o ritmo de engorda – algumas espécies de búfalo podem atingir o peso de 1,2 tonelada. 

Os bubalinos produzem carne e leite de ótima qualidade, consumidos principalmente na Região Norte do país. Porém, quando criados dentro das técnicas tradicionais em sistemas extensivos, ganham peso em um tempo bem maior que os bovinos. Um búfalo demora até 3 anos para atingir o peso ideal para o abate, que fica entre os 300 e os 350 kg – em bovinos esse peso é alcançado em apenas 2 anos. Os criadores amazônicos também sofrem com a falta de infraestrutura de transportes, o que encarece a produção e reduz as margens de lucro. 

Os pesquisadores da EMBRAPA já desenvolveram estudos para a produção intensiva de búfalos com sistemas de pastagens rotacionadas, conseguindo que os animais atinjam um peso de até 500 kg em apenas 18 meses, um feito que torna a criação de bubalinos até 4,5 vezes mais rentável que a criação de bovinos. Combinar essas técnicas modernas de manejo dos búfalos consorciada com a criação de pirarucus ou outras espécies de peixes amazônicos produziria enormes ganhos econômicos para os criadores e garantiria a sustentabilidade ambiental da produção. 

Além dos pirarucus, existe toda uma infinidade de espécies de peixes de alto valor comercial que são encontradas facilmente nos mercados da Região Amazônica e que, com toda a certeza, poderiam agradar o paladar de consumidores de todo o Brasil e do mundo. Muitas dessas espécies já são criadas em cativeiro. Vejam alguns poucos exemplos: 

Matrinxã (Brycon cephalus): Pode atingir até 80 cm de comprimento e um peso de 5 kg. Existem estudos para o seu uso como uma alternativa às sardinhas. É parente muito próximo das espécies piraputanga, pirapitinga, piracanjuba e piabanha;

Tambaqui (Colossoma macropomum): Peixe com uma carne saborosa e muito apreciado na culinária amazônica, que pode atingir até 40 kg de peso;  

Tucunaré (Cichla sp): Uma espécie que se reproduz facilmente em cativeiro e que atinge um peso entre 4 e 6 kg;  

Curimbatá ou curimatã (Prochilodus sp): É outra espécie que possui uma carne muito saborosa e que se adapta facilmente à produção em cativeiro. Encontrado também em outras bacias hidrográficas do Brasil; 

Piraíba, piratinga ou pirananbu (Brachyplatystoma filamentosum): Espécie que pode atingir até 2,5 metros de comprimento e peso de até 300 kg. Os espécimes mais jovens são chamados popularmente de “filhotes”. Na foto abaixo, eu apareço ao lado de um desses “filhotes” no Mercado Ver-o-Peso em Belém do Pará; 

Pirarara (Phractocephalus hemioliopterus): Espécie que pode atingir até 1,5 metro de comprimento e 60 kg de peso. Como os pirarucus, essa espécie é onívora e come qualquer coisa que cruzar o seu caminho. 

A piscicultura comercial em grande escala pode ser mais uma excelente alternativa econômica para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Como exemplo, gostaria de citar o caso da criação de salmões em cativeiro no Sul do Chile. Apesar dessa produção apresentar uma série de problemas ambientais devido principalmente a altíssima densidade de peixes nos tanques ou cercados de criação, as exportações de salmão já ocupam a terceira posição na pauta de exportações do Chile, só ficando atrás do cobre e das frutas. 

Precisamos estimular cada vez mais as pesquisas nessa área, buscando sempre o equilíbrio entre o meio ambiente, a economia e o desenvolvimento social das populações da nossa Amazônia

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