
Na postagem anterior falamos rapidamente dos desmatamentos e da exploração ilegal de madeira na Amazônia. Frequentemente, essa exploração é feita em terras públicas, áreas de preservação, parques nacionais e terras indígenas (muitas vezes em conluio com os líderes tribais). Essas áreas desmatadas costumam ser transformadas em campos de cultivo e/ou pastagem para o gado.
Um outro problema bastante complexo na região é o garimpo ilegal do ouro. Ha´poucas semanas atrás muitos dos leitores devem ter visto notícias de uma grande ação do Governo Federal contra o garimpo ilegal em terras do Povo Yanomani em Roraima, uma ação que, na minha modesta opinião, foi muito mais um “show para a mídia”.
O território do Povo Yanomami ocupa uma área com mais de 98 mil km² apenas dentro do Brasil e sem considerar o trecho dentro do território da Venezuela. Essa área é quase igual ao território do Estado de Pernambuco e nela vivem cerca de 20 mil indígenas (a população yanomami total é estimada em 35 mil indivíduos).
Apenas para efeito de exercício teórico – a Polícia Militar de Pernambuco conta com mais de 16 mil policiais em seu efetivo e segundo alguns analistas esse efetivo está defasado em cerca de 10 mil policiais. Algum de vocês conseguiria imaginar todo esse efetivo (mesmo defasado) sendo colocado par proteger a Terra Yanomami de invasores?
De uma forma bastante simplificada, esse é o grande problema do garimpo ilegal na Floresta Amazônica – a região é grande demais e o país não tem recursos humanos e materiais para vigiar e proteger. Aliás, é difícil imaginar qualquer país que conseguisse fazer isso. Cito como exemplo os Estados Unidos, uma das maiores potenciais econômicas e militares do mundo, que não consegue evitar a entrada de imigrantes ilegais pela fronteira com o México.
Além das dificuldades de fiscalização e controle, a Amazônia possui uma infinidade de caminhos terrestres e fluviais para o “descaminho” de todo o ouro extraído ilegalmente. Um destino fácil para “desovar” essa produção é a Venezuela, país que fica “logo ali ao lado”. Também existe toda uma rede internacional de “agentes” especializados em legalizar ouro e pedras preciosas – esse ouro ilegal acaba sendo comprado legalmente por países e pessoas acima de qualquer suspeita.
As reservas de ouro na Região Amazônica são estimadas em, pelo menos, 25 mil toneladas, o que equivale a cerca de US$ 300 bilhões. Num dos anos em que a produção de ouro na região bateu recorde – 1988, se alcançou a impressionante cifra de 216 toneladas e os ganhos foram de US$ 3 bilhões, valor equivalente a 3 vezes os ganhos com a exploração de minério de ferro em Carajás.
Esses números explicam facilmente por que tanta gente arrisca tudo – inclusive a própria vida, para se embrenhar na Amazônia em busca de ouro.
O ouro é considerado o mais nobre dos metais, sendo usado para a confecção de joias e todo o tipo de acessórios de moda, objetos finos, moedas, medalhas e troféus, entre muitos outros usos. O ouro também é usado como reserva de valor por bancos centrais de todo o mundo. Além disso, o ouro tem inúmeros aplicações industriais – especialmente na produção de componentes e circuitos eletrônicos. Tudo isso cria uma enorme demanda anual pelo metal.
O ouro de aluvião, que é uma das formas mais comuns do metal na natureza, é encontrado no fundo e nas margens dos rios. A forma mais simples para buscar esse ouro é através do uso de bateras de madeira ou de metal que são usadas para lavar o cascalho dos rios. A forma mais agressiva para extrair o metal é com o uso de dragas flutuantes. As margens têm a vegetação devastada e milhares de toneladas de terra e sedimentos são revirados sem quaisquer preocupações com os graves estragos ao meio ambiente.
O garimpo sempre traz a tiracolo o mercúrio, um metal altamente tóxico para os seres vivos, que é usado em grandes quantidades para separar o ouro dos sedimentos. Os fragmentos de ouro se ligam ao mercúrio formando uma amálgama. Essa amálgama é depois submetida a altas temperaturas com o uso de maçaricos, fazendo o mercúrio evaporar e deixando apenas o ouro.
Conforme esse vapor vai esfriando, micro gotículas de mercúrio vão caindo sobre os solos e águas do entorno do garimpo. De acordo com os estudos mais recentes, para cada 1 kg de ouro extraído nos garimpos cerca de 1,32 kg de mercúrio é usado. Estimativas indicam que, nos últimos anos, a produção anual de ouro no Brasil tem se situado entre 80 e 100 toneladas, o que implica num consumo total de mercúrio entre 100 e 260 toneladas.
Essa técnica de separação do ouro foi usada intensamente nas Américas entre os anos de 1540 e 1900, onde se estima um consumo de 200 mil toneladas de mercúrio nas colônias espanholas e de 60 mil toneladas na América do Norte, entre os séculos XVIII e XIX.
O mercúrio é absorvido inicialmente por microalgas, insetos, invertebrados e pequenos crustáceos que vivem nas águas dos rios, espécies que formam a base da cadeia alimentar. Essas criaturas são predadas por criaturas maiores, criando-se assim o ciclo de acumulação do mercúrio nos seres vivos.
O mercúrio acompanha todo o ciclo da cadeia alimentar, passando de um organismo para outro, se acumulando em quantidades cada vez maiores ao longo do tempo. O mercúrio presente no organismo de peixes fatalmente contaminará qualquer ser humano que consuma suas carnes. Esse é um problema que vem crescendo na Amazônia. O mercúrio pode provocar danos graves no sistema nervoso central, normalmente irreversíveis, que comprometem os sistemas sensoriais e motores.
Um estudo realizado no Estado do Amapá e divulgado no final de 2020, nos dá uma clara ideia do nível de contaminação dos peixes por mercúrio – todos os peixes analisados apresentaram níveis detectáveis de mercúrio e 28,7% das amostras excederam o nível máximo recomendado pela OMS – Organização Mundial da Saúde. As espécies de peixes com os maiores níveis de contaminação são carnívoros de topo da cadeia alimentar, incluindo o pirarucu, o tucunaré e o trairão, algumas das espécies mais consumidas pelos moradores da Amazônia.
Com tanto ouro espalhado por rios e matas por toda a Amazônia, com uma fiscalização deficiente e inúmeras formas para conseguir vender o metal sem responder a muitas perguntas, não é de se estranhar a grande quantidade de garimpeiros ilegais por todos os cantos da Amazônia.
A destruição de águas e matas, além da contaminação de seres vivos com grandes quantidades de mercúrio, são apenas “pequenos detalhes” nessa grande equação…
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