E A SECA NO CHIFRE DA ÁFRICA PERSISTE

As populações da região conhecida como Chifre da África continuam em uma situação desesperadora. De acordo com informações da ACNUR – Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, a região entrou na sexta temporada com chuvas bem abaixo da média. 

Segundo a ACNUR, a região convive atualmente com 3,3 milhões de refugiados e deslocados internos, populações que foram obrigadas a abandonar suas casas e terras ancestrais em busca de condições mínimas para a sobrevivência. 

O Chifre da África, também conhecido como Nordeste Africano e Península Somali é uma região com cerca de 1,88 milhão de km² no nordeste do continente africano, onde se incluem territórios da Somália, Etiópia, Eritréia e Djibuti. Essa é uma região de transição entre o clima árido do Deserto do Saara e das savanas, que também inclui uma faixa no norte do Quénia.  

Desde o início da década de 1980, a região vem enfrentando sucessivas secas – a crise atual é a maior dos últimos 40 anos. Segundo informações do PMA – Programa Mundial de Alimentos, e do UNICEF – Fundos das Nações Unidas para a Infância, mais de 13 milhões de pessoas estão tendo dificuldade de acesso aos alimentos na Somália, na Etiópia e no Quênia.  

Mudanças nos padrões climáticos do Oceano Índico, ligadas diretamente ao aquecimento global, são apontadas como uma das principais responsáveis pela redução dos volumes de chuvas no Leste e no Sul da África. Além de castigar a região do Chifre da África, a seca também está afetando países como Angola, Lesoto, Madagascar, Malauí, Namíbia, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue e África do Sul.   

O Chifre da África ocupa uma área total pouco maior que a do Nordeste brasileiro, porém, com uma população várias vezes maior. No total, são cerca de 119 milhões de habitantes, sendo a maior concentração na Etiópia, onde vivem mais de 94 milhões de pessoas. Se incluirmos nessa conta a população que vive no Norte do Quênia, onde a seca também está sendo devastadora, a crise humanitária afeta mais de 130 milhões de pessoas. 

Em tempos de grandes preocupações com a produção e os estoques de alimentos em todo o mundo, essa crise se soma aos já inúmeros problemas. A exceção de algumas regiões da Etiópia, onde a prática da agricultura irrigada ganhou alguma importância após a construção de represas na calha do rio Nilo (construções bastante polêmicas, aliás), toda a produção agropecuária do Chifre da África é de subsistência. 

Numa “contabilidade global” de produção de alimentos, a região praticamente não produz excedentes para exportação – tudo o que era produzido ali era consumido pela própria população. Com a seca persistente e o colapso da produção agrícola e pecuária, bastante importante, a região se transformou num potencial importador de alimentos – a palavra potencial foi usada porque tratamos aqui de países pobres e sem recursos para pagar por essas importações.  

De acordo com um resumo da situação, feito pela porta-voz da ACNUR Olga Sarrado Mur, já existem mais de 1,7 milhão de deslocados internos apenas na Etiópia e na Somália. Mais de 180 mil refugiados da Somália e do Sudão do Sul, país vizinho ao Chifre da África, também foram deslocados. 

Somente nas últimas semanas, mais de 100 mil pessoas chegaram na região de Doolo, uma remota área somali da Etiópia, fugindo da seca em outras regiões e de conflitos militares na região de Laascaaanood, na Somália. 

Além da crise humanitária ligada diretamente à seca, esse deslocamento maciço de populações acaba amplificando conflitos interreligiosos entre as populações. O Chifre da África é uma área de transição religiosa entre as populações muçulmanas do Norte da África e cristãs do Sul. 

A religiosidade se manifesta em diferentes costumes sociais, de alimentação e de até na forma de se vestir. Essas diferenças, em muitos casos, desembocam diretamente na intolerância. Numa disputa ferrenha por itens básicos como água e alimentos, os sentimentos interreligiosos costumam aflorar violentamente. 

A ACNUR também denúncia inúmeros problemas ligados a maus tratos a crianças, e especialmente, a mulheres, dois dos grupos mais indefesos de qualquer sociedade. 

Como se não bastassem todos esses problemas, existem enormes disputas históricas entre os diferentes grupos tribais das diferentes regiões dos países, mesmo entre aqueles que professam a mesma fé. É intolerável para um grupo assistir suas terras sendo invadidas por uma tribo rival, que além de populações humanas, também traz os seus rebanhos animais para disputar os já parcos recursos naturais. 

A disputa desesperada por alimentos, pastagens e fontes de água, não raras vezes, acaba levando a conflitos armados entre os diferentes grupos. Isso tem criado verdadeiros bolsões de guerra em meio à desolação criada pela forte estiagem. 

Com chuvas abaixo da média em mais uma “estação chuvosa”, as perspectivas de mais um ano de seca em todo o Chifre da África tornam o cenário cada vez mais sombrio. Como o foco de europeus e norte-americanos parece estar totalmente voltado para o conflito na Ucrânia, as mazelas desses africanos acabam sendo jogadas para um plano bastante secundário. 

São vidas humanas que não importam para as populações dos países mais ricos… 

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