
As mudanças climáticas estão causando problemas em diferentes partes do mundo. Nas postagens anteriores mostramos alguns desses problemas ligados ao excesso de chuva nas Filipinas e África do Sul, além da fortíssima seca que está assolando a região do Chifre da África.
O aquecimento das águas dos oceanos e o derretimento de grandes quantidades de gelo nas regiões polares estão provocando importantes mudanças nas correntes marítimas e nos regimes de ventos. Estas mudanças, por sua vez, estão provocando alterações nos regimes de chuvas em diferentes partes do mundo.
Aqui bem perto de nós, no Chile, as mudanças climáticas estão “atuando” em diferentes frentes e causando grandes preocupações e transtornos para a população. A capital do país, Santiago, ilustra de maneira clara esses novos tempos.
Há mais de 10 anos que a cidade de Santiago vem sofrendo com a falta de água. Em 2021, a região central do Chile, onde fica Santiago, teve um déficit de chuvas de 71%. De acordo com a Direção Meteorológica do Chile, esse foi o inverno mais seco do século XXI.
Diferentemente do Brasil com suas grandes planícies e vales, o Chile é um país com uma geografia das mais peculiares. O país se estende numa estreita faixa de terras no sentido Norte-Sul, espremido entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes. O Chile tem 4,3 mil km de comprimento e o ponto mais largo do país tem apenas 175 km.
As principais fontes de água do país estão na Cordilheira dos Andes – essa água tem origem no derretimento da capa de neve que cai sobre as montanhas no inverno, além do gradual degelo de glaciares. Nos últimos anos é visível a redução dos volumes de neve que se precipitam sobre a Cordilheira dos Andes no inverno. As chuvas também são importantes, mas tem um papel secundário na hidrologia do país.
Um exemplo dos problemas hídricos de Santiago é o rio Mapocho, que atravessa a cidade no sentido Leste para Oeste por 30 km. O rio tem cerca de 110 km de comprimento e suas principais nascentes ficam em glaciares na Cordilheira dos Andes. De acordo com as autoridades locais, os caudais do rio Mapucho caíram 57% em 2021.
As águas do Mapucho já foram fundamentais para o abastecimento da população de Santiago, porém, seu uso foi comprometido gradualmente devido a intensa poluição das águas do rio. Nas últimas décadas, com a melhoria na infraestrutura de saneamento básico e dos serviços de coleta e tratamento dos esgotos, a situação do rio melhorou bastante.
Uma outra frente de problemas para a região de Santiago é a influência cada vez maior do clima seco do Deserto do Atacama. Esse deserto possui uma área total superior a 105 mil km² e ocupa toda uma faixa de 1 mil km do Norte do Chile até a fronteira com o Peru. Ele é considerado o deserto mais árido do mundo.
As poucas chuvas que caem no Atacama estão associadas às águas frias da Corrente de Humbolt no Oceano Pacífico e a um sistema de correntes sazonais de ventos, por um lado, e também pela Cordilheira dos Andes, que bloqueia a chegada de massas de chuvas vindas da região da Floresta Amazônica.
A aridez do Deserto do Atacama influencia o clima da faixa Central do Chile, assim como o de uma extensa faixa do Sul do Peru, do Sudoeste da Bolívia e do Noroeste da Argentina. As mudanças climáticas no Deserto do Atacama, muito provavelmente, estão associadas a todo um conjunto de mudanças climáticas já observadas em todo o mundo.
Segundo estudos de muitos pesquisadores, o Deserto do Atacama está avançando lentamente em direção ao Sul. Informações do Atlas de Mudanças Climáticas da Zona Árida do Chile indicam que a zona central do país sempre teve um clima semiárido, porém, tem se observado um gradual aumento da aridez nessa região.
Esse avanço não significa que as areias tórridas do Atacama estejam avançando rumo ao Sul, mas sim que o deserto está aumentando a sua influência e tornando o clima dessa região mais árido. Os mesmos mecanismos climáticos que bloqueiam as chuvas na região do Atacama estão atuando de forma cada vez mais significativa na faixa central do país e, assim, reduzindo o volume e a frequência das chuvas na região onde fica Santiago e também a precipitação de neve nas montanhas andinas.
Gradualmente, a cidade de Santiago está se adaptando para uma nova realidade climática e para uma carência crescente de recursos hídricos. Nas áreas verdes da cidade, citando um exemplo, é cada vez maior a presença de espécies vegetais nativas de regiões semiáridas como o esparto (Spartium junceum) e a flor de mineiro (Centaurea cachinalensis), entre muitas outras espécies herbáceas.
A cidade também está preparando mecanismos para o racionamento de água em momentos críticos. Foram estabelecidos protocolos para três cenários: Alerta Verde, quando se prioriza o uso de águas subterrâneas, Alerta Amarelo, quando será necessário reduzir a pressão nas tubulações na rede de abastecimento, e Alerta Vermelho, momento em que serão realizados cortes seletivos no sistema de abastecimento da cidade.
Esses cortes sistemáticos valerão por 24 horas e afetarão cerca de 1,5 milhão de habitantes de Santiago e cidades de sua região metropolitana a cada dia. A capital do Chile tem cerca de 5,6 milhões de habitantes e sua região metropolitana abriga cerca de 8 milhões de habitantes, números que nos dão uma ideia do tamanho do problema.
Dificuldades semelhantes estão afetando outras grandes cidades sul-americanas ao longo da faixa tropical da Cordilheira dos Andes como Bogotá, na Colômbia, e Quito, no Equador. Essas cidades também dependem das nascentes de águas com origem no degelo de glaciares no alto das montanhas da cordilheira. As mudanças climáticas globais estão provocando a redução e, em alguns casos, até o desaparecimento dessas geleiras, o que poderá comprometer o abastecimento das populações.
Só que, ao contrário do trecho austral da Cordilheira dos Andes, nessa extensa região existem os chamados páramos andinos, um tipo de vegetação que cresce entre os 3 mil metros de altitude e a faixa de formação de neve das montanhas. Esse tipo de vegetação é encontrado nas montanhas andinas do Peru, Equador, Colômbia e Venezuela.
Os páramos formam uma espécie de “esponja natural”, onde se acumulam grandes quantidades da água originada a partir das chuvas e do derretimento das neves das montanhas. Existe uma certa similaridade entre os páramos andinos e os banhados dos Pampas brasileiros. Em Bogotá e em Quito já existem projetos em andamento para o aproveitamento das águas dos páramos.
Sem contar com esse tipo de reserva de água, os chilenos tem poucas opções para reforçar os estoques de água na região metropolitana de Santiago. Entre as poucas opções disponíveis estão o uso de água dessalinizada e a construção de grandes sistemas de transposição de águas a partir do Sul do país – ambas as alternativas são extremamente caras e complexas.
O drama vivido hoje pela população de Santiago por causa das mudanças climáticas não tardará a afetar outras importantes cidades do mundo nos próximos anos.
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