OS PRIMEIROS TEMPOS DA “COLONIZAÇÃO” DA AMAZÔNIA

Jesuítas no Brasil

A ocupação efetiva dos territórios da Região Amazônica brasileira começou a partir de meados do século XVII, com a instalação de diversas Missões Jesuíticas no Maranhão. Havia uma razão fortíssima para essa ocupação – a implantação da França Equinocial no Maranhão poucas décadas antes e sobre a qual falamos na postagem anterior. 

Aproveitando-se da relativa fragilidade da ocupação portuguesa nas Capitanias do Ceará e do Maranhão, uma expedição francesa sob o comando de Daniel de La Touche desembarcou no Maranhão em 1612. Para facilitar sua defesa, um total de 500 colonos franceses se estabeleceram na atual ilha de São Luís, capital do Estado do Maranhão, onde fundaram um povoado denominado Saint Louis, em homenagem ao rei da França Luís XIII. Essa ocupação durou até setembro de 1615, quando tropas coloniais portuguesas expulsaram os últimos franceses da região. 

Poucos meses depois, já em janeiro de 1616, um grupo de 150 militares portugueses, sob o comando de Francisco Caldeira de Castelo Branco, fundou uma fortificação na Baía de Guajará, batizada com o nome de Presépio. A vila que surgiu ao seu redor seria chamada de Belém. Entre esses militares encontrava-se um jovem alferes português que, anos mais tarde, realizaria uma heróica expedição até as nascentes do rio Amazonas e sobre o qual já falamos diversas vezes em nossas postagens – Pedro Teixeira. Junto com esse grupo de militares, desembarcaram também os primeiros Jesuítas, cujo propósito principal era a conversão dos índios “selvagens e pagãos” ao cristianismo

A presença de forças militares portuguesas na região reduziu gradativamente o acesso de outras nações aos grandes rios; as fortificações dos invasores foram destruídas uma após outra. No começo da década de 1630, os portugueses podiam afirmar que haviam libertado o baixo Amazonas da influência dos rivais estrangeiros. Todo este esforço militar, permitiu aos portugueses um completo mapeamento de extensas áreas no baixo Amazonas. Esse foi o primeiro passo para sua definitiva conquista.  

O passo seguinte para o completo domínio de Portugal sobre a Região Amazônica seria a colonização, um processo que, a exemplo de outras regiões das Américas, foi precedido pela desindianização. Enquanto os Jesuítas faziam os seus primeiros trabalhos de catequese, tropas coloniais fortemente armadas realizavam ataques aos grandes grupos indígenas considerados hostis, nas chamadas “operações de limpeza” ou, mais explicitamente, guerras de extermínio. A região entre Belém e São Luís foi arrasada, “extinguindo as últimas relíquias desse povo Tupinambá”, conforme o relato de um cronista da época. Fala-se da morte de 30.000 a 500.000 índios, conforme a fonte. 

Quando os primeiros Jesuítas, liderados pelo padre Manoel de Nóbrega, iniciaram as suas atividades missionárias no Brasil, o fizeram com o apoio do Governador-Geral Tomé de Sousa, de quem eram braço direito. Muito rapidamente perceberam que seria necessário arrancar os índios do seu meio ambiente natural, sua aldeia e suas terras, para melhor proceder no trabalho de catequização. Os primeiros aldeamentos Jesuíticos foram organizados a partir de 1550 e foram as sementes do que ficaria conhecido como as Reduções Jesuíticas. Nesses processos, os indígenas eram removidos de suas terras ancestrais e eram levados para novas “aldeias”, estruturadas como pequenas cidades europeias, com casebres alinhadas ao redor de uma igreja e de uma escola.

O sistema de aldeamentos ou Reduções Jesuíticas era benéfico para a Colônia, que poderia utilizar os índios aculturados e convertidos nas guerras contra os invasores estrangeiros ou em uma eventual contraposição aos escravos negros, cada vez mais numerosos, se algum dia viessem a se tornar uma ameaça. O sistema também era adequado aos interesses dos colonizadores europeus porque poderiam se servir da mão-de-obra indígena nos trabalhos em suas fazendas e plantações. Um sistema equilibrado em que todos ganhavam menos os índios. 

As “operações de limpeza” ou guerras de extermínio foram praticadas ininterruptamente ao longo de vários séculos. É impossível calcular o número total de vítimas de atrocidades de toda ordem que lhes foram dirigidas. Todas as barbáries praticadas contras as populações indígenas não devem ser creditadas apenas a uma “ruindade” do colonizador lusitano ou espanhol, mas sim como o resultado de todo um processo cultural e religioso da época. Esses homens rudes e supersticiosos estavam, na sua própria concepção, cumprindo a vontade de Deus. 

Na Idade Média (476 d.C. – 1492) e em grande parte da Idade Moderna (1493-1789), diversos grupos religiosos discutiam se homens negros e índios possuíam ou não uma alma. Oficialmente, a Igreja Católica nega essa doutrina, mas existem diversos registros que confirmam que essa era uma ideia disseminada entre os supersticiosos e, em grande parte, analfabetos europeus da época. O tratamento animalesco dado aos índios e negros na colonização das Américas e África seria, em grande parte, justificado por essa crença. 

Uma espécie de “carta branca” dada aos primeiros exploradores do Novo Mundo já aparecia na Bula Papal Romanus Ponfilex, assinada pelo papa Nicolau V em 8 de janeiro de 1454, que dava forma jurídica e canônica para a expansão do capitalismo comercial português, especialmente nas terras recém conquistadas no território africano:

“(…). Por isso, nós tudo pensando com a devida ponderação, por outras cartas nossas concedemos ao dito Rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, a de invadir, conquistar, subjugar quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo aplicar em utilidade própria e dos seus descendentes…”

Outro exemplo dessa ideologia pode ser vista no capítulo V do livro O Espírito das Leis, publicado em 1748, onde Montesquieu trata da escravidão dos negros: 

“Se eu tivesse que defender o direito que tivemos de tomar os escravos os negros, eis o que eu diria: tendo os povos da Europa exterminado os da América, tiveram de escravizar os da África para utilizá-los para abrir tantas terras. 

O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro. 

O autor dessa citação não foi nenhum dos colonizadores brutos e analfabetos, recrutados nas prisões da Europa e enviados para as colônias das Américas. Charles de Montesquieu (1689-1755) foi um aristocrata francês com sólidos conhecimentos humanísticos e jurídicos e que entrou para a história como um destacado político, filósofo e escritor de sua época. Muitos intelectuais o classificam como um dos precursores do Iluminismo, movimento filosófico que tirou a Europa da Idade das Trevas e a conduziu em direção à modernidade. Se Montesquieu, do alto de seu intelecto, tinha essa opinião a respeito dos negros, não poderíamos esperar nada muito melhor dos primeiros colonizadores americanos, mais de dois séculos antes, com relação aos índios e depois aos negros. 

Achados arqueológicos demonstram que Amazônia brasileira era densamente povoada por tribos e nações indígenas que possuíam uma indústria, comércio, agricultura e uma organização social e política invejável. Uma das evidências desta ocupação são as chamadas ‘terras pretas de índio’, grandes manchas, provavelmente artificiais, de solo fértil em locais isolados dentro da mata. Segundo alguns especialistas (não há unanimidade) essas áreas seriam resultado de intervenções feitas pelos índios para fins agrícolas com a combinação de carvão vegetal, cerâmica e matéria orgânica de origem vegetal e animal. Também existem vários textos e crônicas de época que deixam escapar algumas cifras destas grandes populações indígenas da Amazônia – os números vão de 968 mil a 4,8 milhões de índios.

Nós nunca teremos uma ideia exata do número de índios que morreram nesse processo de desindianização da Floresta Amazônica. A única certeza que temos é que somente depois da “limpeza” de extensas áreas é que foram iniciados os trabalhos de colonização. Falaremos disso na próxima postagem.

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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