
Grandes partes do Sul da Europa e do Norte da África estão sofrendo com uma forte onda de calor (veja o mapa que ilustra essa postagem) e com intensos incêndios florestais. Parte considerável dessa onda de calor vem do Saara, o maior deserto do mundo e “vizinho” muito próximo da Europa. Conforme comentamos na última postagem, o Saara cresceu cerca de 10% nos últimos 100 anos, especialmente rumo ao Sul na região conhecida como Sahel.
Estudos indicam que esse crescimento do Saara se deve em grande parte a fatores naturais, um processo que vem se desenrolando há cerca de 20 mil anos. Porém, os pesquisadores afirmam que cerca de 1/3 das mudanças climáticas no Saara se devem a fatores antrópicos, ou seja, são decorrentes das mudanças climáticas globais provocadas pelas atividades de nós seres humanos.
Além das grandes massas de ar quente que foram geradas no Deserto do Saara, a onda de calor atual que vem castigando a Europa e o Norte da África foi amplificada pela formação de um anticiclone nas proximidades do Sul da Itália.
Os italianos batizaram, informalmente, o fenômeno atmosférico de Lúcifer por causa do “calor infernal” que ele trouxe. Esse anticiclone se formou no início desse mês de agosto e, durante os vários dias em que esteve ativo, ajudou a aumentar a onda de calor ao redor do Mar Mediterrâneo.
As diferenças na pressão e na temperatura do ar geram diferentes camadas na atmosfera terrestre. Essas camadas, inclusive, têm sentidos diferentes na circulação dos ventos. Ciclones e anticiclones são fenômenos atmosféricos que criam uma ligação vertical entre essas diferentes camadas de ar e que acabam gerando diferentes fenômenos climáticos. Para facilitar o entendimento, imaginem a chaminé de uma lareira ou de um fogão a lenha.
No caso de um ciclone, também chamado de depressão atmosférica ou centro de baixas pressões, essa chaminé vai forçar o ar para cima (sentido ascendente), levando umidade para as camadas mais altas da atmosfera e gerando a formação de nuvens e a precipitação de chuvas e tempestades, conforme o caso.
Já no caso de um anticiclone ou centro de alta pressão, o efeito é exatamente o contrário – a “chaminé” vai sugar o ar de camadas mais altas da atmosfera e forçá-lo para baixo (sentido descendente). Foi justamente isso que o “diabólico” Lúcifer fez – grandes massas de ar quente vindas do Saara e que estavam em camadas mais altas da atmosfera foram canalizadas pelo anticiclone para baixas altitudes e espalhadas ao redor do Mar Mediterrâneo.
E as consequências foram dramáticas. Em Kaiouan, na Tunísia, os termômetros marcaram temperaturas de até 50,3º C, as mais altas já registradas na região em toda a sua história. Em Túnis, a capital do país, a temperatura chegou aos 48,9º C, também uma marca recorde.
Na vizinha Argélia, a forte onda de calor desencadeou uma série de incêndios em florestas e pequenas cidades a Leste da capital Argel, cobrindo inclusive uma região montanhosa vizinha com uma grossa nuvem de fumaça. Ao menos 69 pessoas morreram vitimadas pelas chamas e/ou pela fumaça. Na região argelina de Bejaia, as temperaturas chegaram aos 48,4º C.
Em território europeu a situação não foi menos complicada. Na região Central da Sicília, ilha do Sudoeste da Itália, a temperatura chegou a inacreditáveis 47,8º C na semana passada. Autoridades de 15 províncias italianas, do Norte ao Sul do país, relataram baixa umidade e sensação térmica acima dos 40º C. Em cidades como Bolonha, Bolzano, Brescia, Perugia, Turim, Ancona, Campossado, Florença e Pescara foram emitidos alertas de emergência.
Incêndios florestais passaram a ser relatados em diversas partes da Itália. Na Sicília e na Calábria, duas das regiões em situação mais crítica, os bombeiros locais chegaram a realizar 500 operações de combate a focos de incêndios florestais apenas entre os dias 11 e 12 de agosto.
Como resultado da intensa onda de calor, os incêndios florestais no país batem recorde histórico. De acordo com dados do EFFIS – Sistema Europeu de Informações sobre Incêndios Florestais, na sigla em inglês, já foram destruídos mais de 140 mil hectares de áreas verdes na Itália em 2021. Para efeito de comparação, essas perdas foram de 14 mil hectares em 2018, 37 mil hectares em 2019 e de 53 mil hectares em 2020.
Uma cena dramática na região de Pescara, no Sul da Itália, exemplifica a violência desses incêndios. Turistas e moradores foram surpreendidos com uma densa nuvem de fumaça que chegou até nas praias. Centenas de moradores e turistas tiveram de ser evacuadas pelos serviços locais de emergência, sendo que ao menos 30 pessoas necessitaram de assistência médica por causa da intoxicação por fumaça.
Em Oristano, na região Oeste da Sardenha, uma área com cerca de 200 hectares de floresta foi destruída em poucas horas por um grande incêndio. Ao menos 800 moradores da região tiveram de ser evacuados pelos serviços de emergência. Uma estatística impressionante: os bombeiros italianos já receberam mais de 37 mil chamadas comunicando a ocorrência de incêndios florestais desde o último dia 15 de junho. Foram contabilizadas 1.500 chamadas somente no dia 1º de agosto.
Na Grécia, uma das regiões em situação mais crítica é a Ilha de Eubeia (ou Evia), onde os incêndios já atingiram cerca de metade do território de 3,6 mil km². A ilha, que tem grande parte do seu território coberto por florestas de pinheiros, sofre com uma combinação de baixa umidade do ar e temperaturas que beiram os 45º C.
No último dia 14, um comunicado do Governo local informava que a frente das chamas se espalhava por uma faixa de 30 km, o que tornava o combate ao fogo bastante difícil. Ao menos 260 bombeiros locais, com apoio de outros 200 bombeiros da Ucrânia e da Romênia combatiam as chamas. Cerca de 100 viaturas e 7 aviões e helicópteros davam apoio a essas equipes.
A Turquia, país que tem seu território dividido entre a Europa e a Ásia, também vem enfrentando grandes incêndios florestais, considerados os piores de sua história. Até o início do mês de agosto, mais de 170 focos de incêndios em 39 das 81 províncias do país já haviam sido relatados. Pelo menos 8 pessoas morreram. As chamas destruíram centenas de quilômetros quadrados de florestas, plantações e dezenas de imóveis.
O anticiclone Lúcifer perdeu força e se desfez. O seu rastro de calor, entretanto, segue avançando, especialmente na direção de Portugal e Espanha, países que já sofrem muito com o calor e com incêndios em suas matas.
Ondas de forte calor sempre foram comuns na Europa nessa época do ano; porém, sua duração era de apenas poucos dias. Neste ano, o calor vem persistindo desde meados do mês de junho e não está dando sinais de que vai recuar tão cedo. São novos e complicados tempos que estão chegando…
[…] MUITO PRAZER! SOU “LÚCIFER”, O ANTICICLONE […]
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[…] e secas, além de fortes ondas de calor. Em uma postagem publicada em agosto falamos do fenômeno atmosférico Lúcifer, que provocou dias com altíssimas temperaturas em vários países e também grandes incêndios […]
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[…] a temperatura surreal de 47,8º C. Os italianos se referiam a essa poderosa onda de calor pelo sugestivo nome de “Lúcifer”, devido ao calor, literalmente, infernal que trouxe para o […]
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[…] MAIS UMA ONDA DE FOR… em MUITO PRAZER! SOU “LÚCIF… […]
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[…] É sempre importante lembrar que o clima do Deserto do Saara tem forte influência no Sul da Europa – grande parte dessas ondas de calor que atormentam a vida de diversos países europeus tem suas “raízes” no calor do Saara. […]
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[…] fortes ondas de calor e as secas que vem se tornando cada vez mais frequentes na Europa, tem parte significativa de sua origem nesse […]
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