
Há poucas horas atrás, um avião da Polícia Federal pousou em Brasília cumprindo uma trágica missão – o transporte dos corpos do jornalista inglês de Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo. Os dois estavam desaparecidos desde o último dia 5 de junho, quando foram vistos pela última vez no no percurso entre a comunidade São Rafael e Atalaia do Norte, município localizado no extremo Leste do Estado do Amazonas.
O desaparecimento foi comunicado ao MPF – Ministério Público Federal, na manhã da segunda-feira, dia 6, pela UNIVAJA – União dos Povos do Vale do Javari e pelo OPI – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.
Desde então, forças da Marinha, Exército, Polícia Federal, Polícias Civil e Militar do Amazonas, Força Nacional, FUNAI – Fundação Nacional do Índio e Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, entre outras, trabalharam intensamente nas buscas.
A tarefa dessas equipes era simplesmente hercúlea – a Terra Indígena Vale do Javari, local do desaparecimento, é gigantesca. São mais de 85 mil km2 de floresta fechada e imensos rios, uma área pouca coisa menor que o território de Portugal.
Apesar de todas as dificuldades, as equipes já vinham encontrando pistas dos dois desaparecidos ao longo dos últimos dias. Há pelo menos dois dias já circulavam notícias nas redes sociais dando conta da confirmação das mortes dos desaparecidos – os restos mortais foram localizados ontem e passarão por uma perícia para confirmação das identidades.
As forças de segurança que participam da missão já haviam identificado um suspeito pelo desaparecimento, que acabou confirmando que matou o jornalista e o indigenista com a ajuda de seu irmão. Foi esse suspeito que indicou o local onde os corpos foram enterrados. Existem ao menos mais três envolvidos no caso.
Desde o primeiro momento, quando publicamos uma postagem aqui no blog falando do ocorrido, já imaginávamos que o desfecho seria trágico. Eu morei por cerca de dois anos na Amazônia e sempre ouvi histórias por lá sobre conflitos entre posseiros e índios, garimpos ilegais, madeireiros clandestinos, disputas comerciais entre grupos, contrabando, tráfico de drogas, entre outras. Se contava que muitas dessas questões eram resolvidas “a bala”.
Em ano eleitoral, quando cargos majoritários estão em jogo, é evidente que o desaparecimento e agora a confirmação (o que só será oficial depois da divulgação do laudo pela Polícia Federal) das mortes de Phillips e Araújo seriam exploradas ao máximo pela oposição. Nos últimos dias, dezenas de “especialistas” sobre questões amazônicas tem se esforçando para atribuir a culpa dessa tragédia ao Governo Federal. E vamos ouvir muitas “explicações” sobre esse caso nos próximos dias.
Como sempre fazemos aqui no blog, é importante colocar o problema em uma perspectiva maior – aliás, muito maior. Considerando-se o conceito de Amazônia Legal, que inclui regiões do Cerrado em Mato Grosso, Tocantins e no Maranhão, a Região Amazônica corresponde à mais da metade do território do Brasil – são 5 milhões de km2 ou quase 59% do território do país.
Com pouca presença do Estado, enormes deficiências de infraestrutura e de segurança, população rarefeita, além de enormes riquezas naturais como minérios raros e madeiras nobres, a região é um imenso caldeirão de forças e grupos concorrentes, sempre prestes a explodir. Os grandes interesses estão por todos os lados.
Sinceramente, eu não sei quem foi que se sentiu ameaçado pela presença de um jornalista investigativo que se dedicava a escrever sobre a Amazônia e seus muitos problemas. Mais cedo ou mais tarde vamos acabar descobrindo quem foi (ou foram) o responsável por esse crime bárbaro. É certo que que as vítimas mexeram com interesses escusos de alguém e pagaram um peço altíssimo por isso.
Diferente da imagem romântica de muitos, a Amazônia não é nem nunca foi o último paraíso da Terra. Ali sempre foi um lugar violento – e olhem que não estou falando de tempos mais recentes ou de décadas passadas. A violência faz parte da vida da Amazônia há milhares de anos.
Evidencias arqueológicas – em especial as peças cerâmicas, mostram a ocupação da grande floresta por sucessivos grupos humanos. O grupo que chegava sempre dava um jeito de exterminar o que já estava por lá.
Um exemplo clássico foi o das populações indígenas do rio Tapajós ou Cultura Tapajônica, que provavelmente floresceu na região de Santarém entre o 3° milênio a. C até pouco antes do ano 1.000 de nossa era. A maravilhosa cerâmica produzida por esse grupo é bastante similar à de grupos da Costa Rica, o que indica importantes contatos comerciais e culturais entre os grupos ou ainda que o grupo migrou da América Central para a Amazônia.
Essas tribos tapajônicas simplesmente desapareceram do mapa – é bastante provável que elas foram dizimadas por outros grupos indígenas. Os pesquisadores tem dúvida se foram tribos guarani que migraram do litoral em direção Amazônia, ou se foram os temíveis Caraíbas ou Karibs do Alto Xingu durante a sua migração em direção as ilhas do Mar do Caribe (que ganhou esse nome por causa desses índios).
Em tempos “mais modernos”, quando começou a ocupação e colonização da região a partir de meados do século XVII, a violência foi trazida pelos “brancos civilizados”, que enxergavam os indígenas como mão de obra barata. Essa violência só fez crescer com a ocupação irracional de muitas regiões da Amazônia nas últimas décadas.
Os problemas (que são muitos e tão grandes quanto a grande floresta) não são nem um pouco simples e serão necessários muitos Governos (das mais diferentes cores partidárias) para que se alcance alguma coisa próxima do que todos chamamos de normalidade.
Por enquanto, o que temos é a tradicional exploração política de dois cadáveres e a certeza que muitos outros ainda vão aparecer…
[…] O DESAPARECIMENTO DE UM JORNALISTA INGLÊS E DE UM INDIGENISTA BRASILEIRO NA AMAZÔNIA – UM DE… […]
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