
A exemplo da América do Norte, de parte da Europa e de regiões do Centro e Norte da China, o Japão também está enfrentando uma sequência de dias com temperaturas bem acima da média. De acordo com informações do Governo japonês, os últimos 10 dias foram os mais quentes dos últimos 100 anos.
O Governo do país reforçou um apelo junto aos moradores de Tóquio, a capital do país, a continuar economizando energia elétrica. O Governo Metropolitano apagou as luzes de seus escritórios e desligou pelo menos um dos elevadores de seus edifícios para dar exemplo para a população.
O país é mais um que vem sofrendo com os altos custos dos combustíveis, em especial o carvão e o gás natural que são usados na geração de energia elétrica. Centrais termelétricas a carvão e a gás natural respondem por mais de 70% da geração elétrica no país. Cerca de 9% da geração de energia do país vem de centrais nucleares, 17% de fontes de geração renováveis como fotovoltaica e eólica e o restante de outras fontes como a geração hidrelétrica.
A geração nuclear já chegou a responder por cerca de ¼ do consumo do Japão, um cenário que mudou radicalmente após o acidente com a Usina de Fukushima em 2011. Para quem não se recorda, em 11 de março daquele ano um forte terremoto com intensidade 8,9 graus na escala Richter sacudiu o leito marinho do Oceano Pacífico ao largo da Ilha Honshu, a maior do arquipélago do Japão.
Diferente de outros fortes terremotos que atingem a região com relativa frequência, esse abalo sísmico resultou na formação de um grande tsunami, uma grande onda com altura entre 13 e 15 metros. Essa onda atingiu em cheio a Usina Nuclear de Fukushima, que foi encoberta por uma onda de mais de 5 metros de altura. Entre as áreas atingidas estava o prédio dos geradores, onde a água provocou o desligamento dos geradores de emergência.
Entre outros problemas, a falta de energia elétrica provocou a interrupção do bombeamento da água usada no resfriamento dos reatores nucleares da usina e resultou num superaquecimento e fusão parcial dos núcleos dos reatores 1, 2 e 3. Se seguiram explosões de hidrogênio, o que danificou a estrutura de confinamento dos reatores. Começava assim a saga de um dos maiores acidentes nucleares da história.
Entre outras providencias, o Governo do Japão ordenou o desligamento imediato de todas as usinas nucleares do país e uma revisão completa e atualização tecnológica dos sistemas de segurança. Os combustíveis fósseis ganharam uma importância ainda maior para a geração de energia elétrica no país, apesar de parte das usinas nucleares voltarem gradativamente a entrar em operação.
O cenário de risco de escassez de energia elétrico que vinha se desenrolando desde o acidente de Fukushima em 2011, voltou a ganhar força em meados do ano passado quando o consumo de combustíveis voltou a crescer fortemente em todo o mundo após a “paralisia econômica” que foi criada pela pandemia da Covid-19. É justamente em meio a esse cenário de altos custos e de escassez de energia que o Japão está enfrentando essa onda de calor.
Como é usual em períodos de forte calor ou de frio extremo, o consumo de energia nas residências aumenta muito. Na situação atual, os vilões da explosão do consumo de energia elétrica é o uso intensivo de ventiladores e equipamentos de ar condicionado. Em tempos de escassez e de altos custos de geração, essa é uma situação complicada.
De acordo com informações da Japan Eletric Power Exchange o preço da energia elétrica para a Região Metropolitana de Tóquio foi elevado para US$ 1.47 por quilowatt/hora, o maior preço desde janeiro de 2021. No atual cenário econômico internacional, esses custos poderão aumentar ainda mais.
Uma notícia que deu algum alento ao mercado veio de grandes indústrias siderúrgicas do país como a Nippon Steel e a JFE Holdings. Essas empresas possuem centrais de geração de energia elétrica próprias em suas plantas e assumiram um compromisso com o Governo de aumentar a sua geração e lançar a energia elétrica excedente na rede de transmissão elétrica nacional.
Os super organizados japoneses criaram recentemente um sistema de alerta para os momentos em que o consumo de energia elétrica se aproximar de níveis críticos. Quando a folga entre a produção e o consumo de eletricidade ficar abaixo de uma margem de segurança de 5%, o Governo emitirá um aviso para os consumidores; quando a margem de segurança cair abaixo de 3% será emitido um alerta. Os consumidores colaboram da melhor maneira possível reduzindo seu consumo.
O Governo japonês tinha planos para desativar 100 das 114 usinas térmicas a carvão mais antigas até o ano de 2030, uma meta que já vinha sendo repensada devido às mudanças no cenário. As demais 26 usinas desse tipo em operação utilizam uma tecnologia mais moderna, sendo bem mais eficientes em termos de produção de energia e também bem menos poluentes que as antigas termelétricas, apesar de poluírem o dobro quando comparadas a uma central térmica a gás.
Os japoneses pretendem aumentar a participação de fontes de geração renováveis como a fotovoltaica, eólica e de queima de biomassa a valores próximos de ¼ da matriz energética do país até 2030. Também esperam aumentar a participação da geração nuclear a valores entre 20 e 22% da matriz energética, um percentual que ainda continuaria abaixo do que era gerado antes do acidente nuclear de Fukushima.
Falar de geração de energia nuclear no país é sempre um tema delicado. Além da questão de Fukushima, ainda pairam sobre os japoneses as lembranças dos ataques por armamentos nucleares – falo aqui das bombas atômicas lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, eventos que culminaram com a rendição incondicional do país e marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.
Um trunfo que os japoneses tem a seu favor é o setsuden, um movimento civil de estímulo a conservação e economia de energia elétrica. Esse movimento surgiu imediatamente após o acidente com a usina nuclear de Fukushima, quando a população ficou preocupada com possíveis blecautes.
Com as mudanças climáticas globais que já são visíveis em várias partes do mundo, ondas de calor ou de frio extremos serão cada vez mais frequentes, o que implicará em aumentos cada vez maiores nos volumes de energia necessários para resfriamento ou aquecimento das residências. Novas fontes de energia, principalmente renováveis, precisão ser desenvolvidas e implantadas para suprir toda essa demanda.
E os países que não fizerem isso estarão condenados a sofrer cada vez mais com ondas de calor ou de frio cada vez mais intensos.