
Colniza é um município localizado no Noroeste do Estado de Mato Grosso junto à divisa com Rondônia e a cerca de 1.060 km da capital Cuiabá. É mais daqueles municípios imensos da Amazônica, com uma área de quase 29 mil km2, ou seja, é maior que o Estado de Alagoas.
O município surgiu como um projeto de colonização em Aripuanã no início da década de 1980, quando milhares de famílias sem-terra da Região Sul foram reassentadas na Região Norte do país num esforço épico de ocupação da Amazônia. Foram os tempos do slogan – “Amazônia, uma terra sem homens para homens sem-terra“.
O censo populacional de 2020 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, listou 39.861 habitantes. A economia de Colniza tem sua base na agropecuária. As lavouras do município produzem milho, feijão, arroz, mandioca, abacaxi, cacau, banana e pupunha, entre outros produtos hortifrutigranjeiros. Um destaque é a produção de café – Colniza é o maior produtor de Mato Grosso com cerca de 20 milhões de pés e uma produção anual de 100 mil sacas.
Destaque também para a produção de gado bovino de corte – o rebanho é da ordem de 250 mil cabeças. Em menor escala o município também possui rebanhos de ovinos, caprinos e equinos. Nada mal para um município que foi desmembrado e reconhecido oficialmente apenas em 1998.
Quem é leitor frequente das postagens aqui do blog talvez tenha reconhecido o nome Colniza. Há poucos dias atrás falamos que entre os 10 municípios brasileiros que mais emitem GEE – Gases de Efeito Estufa, 8 ficam na Amazônia: Colniza é um deles.
A fama de Colniza, melhor dizendo – a má fama, vem de outro lugar: em 2004, a sede do município recebeu o título de “cidade mais violenta do Brasil“. Naquele ano foram registradas 165,3 mortes por grupo de 100 mil habitantes. Para efeito de comparação, a taxa de homicídios nesse mesmo ano nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, foram 42 e 64,8, respectivamente.
Um estudo feito em 2007 mostrou que Colniza também foi o município brasileiro com o maior número de registros de mortes por arma de fogo – a taxa média foi de 131,6 casos para cada 100 mil habitantes. As disputas pela posse de terras lideram as causas dessas mortes.
Um exemplo – em 2017, 9 pessoas foram mortas numa chacina no município. Cerca de 100 famílias estavam acampadas na Gleba Taquaruçu do Norte, local da chacina, desde 2012, aguardando uma reintegração de posse. Segundo testemunhas, homens encapuzados invadiram o acampamento e atiraram contra sete dos moradores; outros dois homens foram mortos a golpes de facão.
Essa é uma forma típica de se resolver questões agrárias na região fora dos tribunais. Os mandantes se valem do isolamento em relação as cidades da região. Outro aliado é o medo dos sobreviventes, que preferem o silencio ao risco de perder a própria vida em uma represália.
A notícia levou vários dias para chegar até as autoridades do município. O local da chacina é bastante isolado e de difícil acesso. Os autores dos disparos, muito provavelmente, eram matadores de aluguel ou jagunços, como se diz no interior do país, contratados por fazendeiros e/ou madeireiros incomodados com a presenças dos “sem-terra”.
No último mês de abril, essa chacina de Colniza completou 5 anos e, até o momento, ninguém foi apontado como culpado. Um pecuarista da região está sendo investigado como mandante e outros três homens foram indicados como os executores do crime.
A ação contra o pecuarista, que havia sido arquivada em 2020, foi reaberta recentemente. Dois dos outros acusados foram inocentados por um júri popular em 2020, por falta de provas. Essa é outra característica da violência na Amazônia – muito raramente alguém é condenado por um crime desse tipo. E nas raras ocasiões em isso acontece, “bons advogados” se valem de 1001 artifícios jurídicos para tirar seus clientes da prisão.
De acordo com um estudo realizado pela Comissão Pastoral da Terra, a Amazônia concentrou 80% das mortes em conflitos agrários no Brasil em 2021. Segundo o estudo, foram 1.903 conflitos em 2019, 2.054 em 2020 e 1.768 em 2021. O número de assassinatos passou de 20 em 2019, para 35 em 2021. Segundo a Pastoral da Terra, até abril de 2022, 14 pessoas foram mortas em conflitos agrários no Brasil.
Se qualquer um dos leitores fizer uma rápida pesquisa sobre a violência na Amazônia, vai encontrar nomes de outras cidades com uma história bastante parecida com a de Colniza – Altamira, Marabá, Marituba, Paragominas, Castanhal, Parauapebas, entre muitos outras. A maior parte das ocorrências fatalmente estará ligada às inúmeras disputas por terras. Também serão muitos os casos ligados ao garimpo, exploração de madeira e, cada vez mais, ao tráfico de drogas.
A tragédia recente que vitimou o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, que tem tido uma enorme repercussão nacional e internacional, é apenas mais um caso entre dezenas de outros casos parecidos que acontecem ano após ano por toda a Região Amazônica.
Conforme comentamos na postagem anterior, a Amazônia ocupa cerca de 58% do território brasileiro (falo aqui da Amazônia Legal), uma imensidão onde falta Estado e sobram problemas. Essa espécie de “vácuo” governamental abre espaço para todo o tipo de ilegalidades – particularmente na área do meio ambiente, que se mostram ao mundo em grandes desmatamentos, exploração ilegal de madeira, garimpo em terras públicas e indígenas, entre muitos outros.
Os grupos e “organizações” que se beneficiam dessa falta de estruturas governamentais – justiça, polícia, infraestruturas de transporte, entre outras, criam e operam seus próprios sistemas de leis, onde a pena capital é constantemente aplicada em quem não segue as regras locais.
Discussões acaloradas sobre o assassinato de Dom Phillips e Bruno Araújo vão continuar acontecendo ao longo do tempo (lembremos que este é um ano eleitoral). A questão, porém, é muito, muito mais ampla e merecerá um debate sério e isento de paixões partidárias.
A preservação ambiental da Amazônia é essencial, porém, como sempre fazemos questão de lembrar, existem mais de 22 milhões de brasileiros vivendo na região e cuidar dessas é tão importante quanto cuidar de rios, árvores e animais.