“A ENERGIA SOLAR É REALMENTE LIMPA?” 

A intrigante pergunta no título dessa postagem repete o título de um interessante documentário produzido pela DW – Deutsche Welle, o canal de televisão pública da Alemanha. Com pouco mais de 8 minutos de duração, o enredo do documentário faz a gente parar para pensar em tudo o que vive sendo repetido sobre o uso da energia fotovoltaica. 

A geração fotovoltaica é uma das mais limpas em uso atualmente no mundo – para cada 1 kW/hora gerado, esse sistema emite apenas 40 gramas de dióxido de carbono (CO2), um dos gases de Efeito Estufa mais importantes e reconhecido como um dos grandes vilões do aquecimento global.  

Para efeito de comparação, a geração de energia elétrica em fontes que usam derivados de petróleo produz 486 gramas de CO2 para cada 1 kW/hora. O gás natural e o carvão mineral produzem, respectivamente, 500 e 1.000 gramas de CO2 para cada 1 kW/hora gerados. A campeã em baixa emissão é a energia eólica com apenas 16 gramas de CO2 para 1 kW/hora gerado

A geração fotovoltaica é comprovadamente uma das mais limpas, mas não é tão limpa quanto imaginamos. A produção dos painéis solares utiliza matérias primas e envolve diversos processos de produção industrial, os quais, como acontece em todos os processos similares, deixam a sua pegada de carbono. Vejamos:

Comecemos falando das principais matérias primas de origem mineral usadas na fabricação dos painéis: a sílica e a prata. As atividades mineradoras, conforme já tratamos em outras postagens, são altamente agressivas ao meio ambiente. A cobertura vegetal de uma determinada área é suprimida, os solos são escavados e enormes volumes de sedimentos precisam ser transportados.  

Esses trabalhos envolvem o uso de máquinas pesadas com motores que queimam óleo diesel e outros combustíveis fósseis. As rochas precisam passar por um beneficiamento, o que gera grandes volumes de rejeitos minerais. É comum a presença de metais pesados como o mercúrio, chumbo e o cromo nesses rejeitos, elementos que causam graves contaminações nas fontes de água. Depósitos de rejeitos minerais também podem criar grandes acidentes ambientais (lembram de Mariana e de Brumadinho?). 

A sílica é a matéria prima do silício, um cristal semicondutor fundamental na indústria eletroeletrônica. Para a extração de silício com alto grau de pureza, a sílica passa por complexos processos de refino, onde se gera o tetracloreto de silício, um resíduo altamente tóxico ao meio ambiente. Caso não seja devidamente contido e reciclado, esse material pode se transformar em um perigoso contaminante das fontes de água. 

A maior produtora de painéis solares do mundo é a China, um país que não tem uma das melhores famas na gestão ambiental, e também nas suas políticas de trabalho e gestão de mão de obra. Vamos direto na “jugular”: grande parte da energia elétrica usada na China vem de centrais térmicas a carvão, combustível fóssil campeão em emissões de gases de efeito estufa. Lembro que a eletricidade é um insumo industrial fundamental. 

Durante o processo de produção dos painéis solares diversos produtos químicos tóxicos são usados. Um destaque é o ácido fluorídrico, produto usado para limpar as pastilhas de silício antes da montagem final dos painéis. Esse produto é altamente corrosivo e precisa ser manuseado com extremo cuidado pelos trabalhadores. Outros elementos químicos perigosos como arsênico, cádmio e chumbo também podem entrar nos processos produtivos. 

Numa segunda etapa passamos para a fase do transporte dos produtos, que além dos painéis solares incluem conversores de energia, reguladores de tensão e baterias, entre outros. Os grandes navios cargueiros em operação são movidos, majoritariamente, com óleo combustível, um dos derivados de petróleo mais poluentes em uso. Esse transporte também pode envolver aviões, trens e caminhões, onde também se usam combustíveis fósseis. 

De acordo com algumas estimativas, toda essa pegada de carbono envolvida nessas primeiras fases da produção dos painéis solares e demais equipamentos serão compensadas em cerca de 2,5 anos pela geração de energia elétrica limpa. Essa é uma conta que faz bastante sentido. 

Painéis solares podem ser usados até por 30 anos e, algum dia, acabarão precisando ser substituídos. A exposição contínua aos raios solares e aos elementos naturais – especialmente grãos de areia carreados pelos ventos, deixam o revestimento superficial dos painéis cada vez mais fosco, o que vai reduzindo o seu rendimento na produção da eletricidade. 

Também existe o problema da obsolescência tecnológica – painéis antigos geram menos energia elétrica por metro quadrado que os novos modelos. A necessidade de modernização sempre vai levar a uma substituição sistemática desses materiais. 

De acordo com dados da IEA – International Energy Agency, Agencia Internacional de Energia na sigla em inglês, as fontes de geração fotovoltaica em países como China, Alemanha, Japão e Estados Unidos se aproximam rapidamente de 30% da matriz energética. A EIA prevê um crescimento de, pelo menos, 50% nesse volume até 2030. Hajam painéis solares e demais equipamentos. 

Segundo a IRENA – International Renewable Energy Agency, Agência Internacional de Energia Renovável na sigla em inglês, o volume atual de resíduos de painéis solares é da ordem de 250 mil toneladas a cada ano. As projeções indicam que em 2050, devido ao forte crescimento do setor, esse volume chegará a 78 milhões de toneladas/ano

Aqui chegamos ao mesmo problema enfrentado pelo chamado lixo eletrônico: a reciclagem é inviável economicamente. Componentes eletrônicos utilizam uma série de metais nobres de alto valor, onde se incluem coltan, ouro, prata, platina, cobre, estanho, níquel, cromo e zinco, entre muitos outros. Apesar de valiosos, as quantidades desses metais por volume são muito pequenas e os custos envolvidos para a sua retirada são enormes

Já existem depósitos com grandes montanhas de painéis solares antigos esperando por uma destinação ambiental adequada, algo que ainda está longe de ser alcançado. E essa montanha de resíduos está crescendo de forma exponencial. 

A energia fotovoltaica tem se mostrado fundamental na redução mundial das emissões de gases de efeito estufa. Porém, ainda serão necessários enormes esforços para tornar essa geração 100% verde, algo que não ocorre nesse momento. 

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