ITÁLIA ESTÁ ENFRENTANDO UMA FORTE ONDA DE CALOR E TAMBÉM A PIOR SECA EM 70 ANOS

“O Hemisfério Norte tá uma brasa, mora!” 

Quem tem mais de cinquenta anos vai entender essa frase com muita facilidade. Era uma gíria muito usada na década de 1960 e nos tempos da Jovem Guarda, sendo usada para indicar algo que era muito bom. Exemplo: essa garota é uma brasa… 

Nas últimas semanas, falar que o Hemisfério Norte está uma brasa é ser literal – tanto a América do Norte quanto a Europa estão enfrentando temperaturas altíssimas para essa época do ano. O verão por lá começou apenas essa semana, mas os termômetros de muitos lugares estão mostrando temperaturas acima dos 40° C. 

A Itália é um desses casos – além de altas temperaturas, o país também está vivendo a pior seca dos últimos 70 anos. Por experiência própria aqui em nosso país, especialmente na região do Semiárido Nordestino, todos sabemos o que essa combinação produz. 

O clima do país está sendo fortemente influenciado por um anticiclone – batizado de Scipione. Essa área de forte pressão está puxando o ar quente do Deserto do Saara, no Norte da África, para o centro do Mar Mediterrâneo, fenômeno que tem provocado temperaturas altíssimas em várias regiões da Europa. 

As autoridades italianas já haviam emitido um alerta para uma forte onda de calor no último sábado, dia 18 de junho, informando que várias regiões enfrentariam temperaturas próximas de 40° C. Entre as cidades citadas estavam Roma, Florença, Bolonha, Ferrara e Milão, todas localizadas nas regiões Central e Norte do país. 

Até aqui, não falamos de nenhuma novidade – as ondas de calor vêm se tornando cada vez mais comuns na Europa ao longo dos últimos anos. No ano passado, citando só um exemplo, o responsável foi o anticiclone Lúcifer, que causou entre outros problemas grandes incêndios florestais na Itália e na Grécia. 

Este ano o calor está sendo acompanhado de uma fortíssima seca em todo o Norte da Itália, especialmente no Vale do Pó, o maior rio italiano. Esse rio nasce nos Alpes Italianos junto à fronteira com a França e percorre 652 km no sentido Leste até desaguar no Mar Adriático ao Sul da famosa cidade de Veneza. 

Para nós brasileiros, um rio desse tamanho é pouco mais que um “riachão”. Para a Itália, cujo território equivale a soma dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, o rio Pó é um verdadeiro mar de águas doces. 

A Lombardia e o Piemonte, dois dos estados italianos atravessados pelo rio Pó, são os maiores celeiros agrícolas do país. Cerca de 93% da produção italiana de arroz está concentrada nesses dois estados, que também são grandes produtores de trigo e cevada, entre outros grãos, A região também concentra grande parte da pecuária do país. 

Apesar de ser um país pequeno, a Itália é a maior produtora agrícola da União Europeia, com uma produção anual da ordem de 132 bilhões de Euros. Cerca de 70% do território do país é destinado para fins de produção agropecuária. O país é um grande exportador de arroz, vegetais embalados, carne de porco e produtos lácteos.  

O país já vinha enfrentando problemas nesses setores desde 2020, quando a pandemia da Covid-19, que atingiu fortemente a Itália, resultou numa enorme redução da mão de obra nos campos. Milhares de estrangeiros, especialmente de países do Leste Europeu, foram forçados a voltar para seus países de origem devido as políticas de restrição de circulação de pessoas. 

De acordo com informações das associações de agricultores, a produção italiana de forragens, cevada e outros grãos deverá sofrer uma redução entre 30 e 40% na safra deste ano. Os produtores também informam que o abate do gado deverá ser antecipado por causa da falta de pastagens e de ração para os animais. Em tempos de falta de alimentos em todo o mundo, essa é uma péssima perspectiva. 

Uma outra cultura importante do Norte da Itália que está sendo fortemente afetada pela seca são as avelãs, um tipo de nós muito usada na produção dos famosos chocolates e bombons do país. O Piemonte é o maior produtor de avelãs do país. A seca também está afetando a produção de uvas, o que trará enormes impactos na poderosa indústria de vinhos do país. 

Além da falta de chuvas, o nível do rio Pó também vem sentindo os efeitos da redução dos volumes de neves que caem nos Alpes. Essa neve derrete com a chegada da primavera e as águas descem as encostas das montanhas na direção dos rios do Vale do Pó. Um fenômeno parecido está acontecendo em outras cadeias de montanhas do mundo como é o caso dos Andes aqui na América do Sul.

Um exemplo da situação caótica do rio Pó é visto na produção de energia elétrica – as hidrelétricas localizadas na calha do rio respondem por 15% de toda a produção italiana. Tanto o rio quanto os reservatórios das hidrelétricas estão nos mais baixos níveis de sua história (vide foto) e a produção já foi reduzida a apenas 50% dos níveis de 2021. 

As águas dos rios dessa bacia hidrográfica também são fundamentais para o abastecimento das populações de centenas de cidades. Inúmeras localidades já decretaram o racionamento e proibiram o uso em atividades não essenciais. Em várias cidades do Piemonte o abastecimento está sendo feito através de caminhões pipa, algo que lembra muito a rotina de cidades do nosso Semiárido Nordestino

A falta de água para o abastecimento das populações das cidades também afeta em cheio um dos setores mais importantes da economia da Itália – o turismo. Todos os anos – especialmente na época do verão, milhões de turistas de todo o mundo costumam visitar país – foram 50 milhões de turistas em 2019. 

Naquele ano o setor do turismo gerou quase 200 bilhões de Euros em receitas no país, o que corresponde a quase 13% do PIB – Produto Interno Bruto, da Itália. Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19, essas receitas caíram pela metade, o que não foi muito diferente em 2021, quando o número de visitantes caiu 75%.  

Com o fim da emergência sanitária e de todas as restrições à livre circulação de pessoas, os italianos esperavam recuperar uma grande parte de suas perdas nessa área. Infelizmente, a forte seca deste ano deverá frustrar as expectativas de muita gente que vive do turismo no país. Mais tempos difíceis pela frente… 

A situação da Itália hoje é um resumo dos problemas que as mudanças climáticas já provocam e que provocarão em todo o mundo: redução da produção de energia hidrelétrica, quebra e redução de safras agrícolas, redução de rebanhos animais, problemas para o abastecimento de cidades e populações, entre muitos outros. 

Em maior ou menor grau, todos os países já estão enfrentando seus próprios problemas. E a situação tenderá a piorar nos próximos anos. 

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