Um lago com 2.500 km² não desaparece de uma hora para outra sem que as autoridades de um país fiquem sabendo. Eu não conseguiria conceber, por exemplo, a Lagoa dos Patos sumindo sem que a “gauchada” esperneasse e cobrasse providências do Governo local – e olhem que estamos falando de um corpo d’água quase dez vezes menor que o Lago Poopó.
Apesar de ser um completo desconhecido para nós aqui no Brasil, o Poopó era uma “celebridade” na Bolívia – em 2002, a sua bacia foi declarada “um ecossistema de importância internacional onde a água é o principal fator que controla o ambiente, assim como a vegetação e a fauna”. Longe das serpentinas e dos confetes dessa celebração, estamos falando do segundo mais importante corpo de água da região do altiplano boliviano, região de uma aridez impressionante e onde o acesso a água é a diferença entre a vida e a morte, situação totalmente adversa das planícies baixas do país que integram a gigantesca Bacia Amazônica.
De acordo com o La Razón, importante jornal da região de Oruro, o Governo da Bolívia e a União Europeia firmaram um acordo em 2002 (quando foi feito o discurso ambientalista “fajuto” acima), segundo o qual haveria um fundo de cerca de US$ 15 milhões para o programa Cuenca (Bacia Hidrográfica) del Poopó. De acordo com o periódico, o prefeito de Oruro à época da assinatura do acordo, Luis Aguilar, alegou que houve um “mal assessoramento” no manejo dos recursos após a sua saída do governo, que foi usado para “projetos sem sentido” e foi “esbanjado” sem conseguir a recuperação do lago.
Para o vice-ministro de Recursos Hídricos e Irrigação da Bolívia, Carlos Ortuño, a culpa pela destruição do Poopó cabe ao fenômeno climático El Niño que, de acordo com dados científicos, produziu um aumento de 2,06° C na temperatura local nos últimos 56 anos. O fenômeno provocou uma seca prolongada na região, levando à completa evaporação do corpo d’água. As mudanças climáticas, “provocadas pelas grandes emissões de poluentes dos países ricos do Norte” também deram a sua contribuição para o colapso.
Depois do desastre consumado, autoridades bolivianas divulgaram planos para “reconstruir” o Lago Poopó, como se isso fosse possível. O citado vice-ministro de Recursos Hídricos e Irrigação e o governador de Oruro, Víctor Hugo Vásquez, estão destinando US$ 3,25 milhões em ajuda humanitária e para trabalhos técnicos que permitam a recuperação do fluxo original das águas do rio Desaguadero ao Lago Poopó. Também anunciaram um financiamento internacional de US$ 130 milhões para a implementação do “Plano Diretor da Bacia do Poopó”. Informações de agências de notícias internacionais confirmam que o Governo do Presidente Evo Morales realmente pediu ajuda à União Europeia para este plano. Entretanto, grandes personalidades da comunidade científica internacional classificam a tragédia como “irreversível”, uma vez que toda a vida que existia no local foi extinta e o fundo do antigo lago foi transformado em um depósito de rejeitos de mineração, com altos níveis de metais tóxicos – o máximo que o Plano conseguiria seria a formação de uma grande poça de água contaminada sem vida. Já as chances de se obter o financiamento – são quase nulas.
O Ministério do Meio Ambiente e Água do país demonstrou um completo descolamento da realidade – emitiu um comunicado “confirmando a perda de uma grande quantidade de espécies únicas”. O comunicado deixou claro que as autoridades não têm certeza da quantidade exata de espécies perdidas na tragédia e informa que se “planeja um estudo para realizar uma contagem”. Cientistas independentes falam da perda de 200 espécies endêmicas de peixes, aves, mamíferos, répteis e anfíbios, além de uma infinidade de plantas e insetos. O Lago Poopó também era uma escala para uma infinidade de aves migratórias, o que aumenta ainda mais as perdas da biodiversidade local.
Em meio ao jogo de empurra-empurra entre as autoridades, o colunista do jornal La Prensa, Enrique A. Miranda Gómez, escreveu: “O custo desse desastre deve ser manejado com absoluta rigidez na identificação de seus responsáveis”, sendo necessário “reprocessar o curso das águas que vêm do Titicaca e investir em ajuda para populações afetadas, dando a elas infraestrutura produtiva, apoio social e sobretudo segurança aos mais jovens”. O desabafo do jornalista mostra a preocupação com a comunidade tradicional dos Urus, povo que dependia exclusivamente das águas do Lago Poopó para a sua sobrevivência
Enquanto se busca responsabilizar as autoridades por descaso e se elaboram planos mágicos para se reverter a destruição do insubstituível ecossistema, os fortes ventos do altiplano levantam nuvens de poeira e sal naquela que, até o final de 2016, era a bacia do Lago Poopó…
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