OS VAZAMENTOS DE PETRÓLEO NA NIGÉRIA E A DESTRUIÇÃO DO DELTA DO RIO NÍGER

Manguezal do Delta do rio Níger

Na nossa última postagem fizemos uma breve apresentação da indústria petrolífera na Nigéria, conhecida como a “Grande Nação Africana”. Desde 2013, a Nigéria ocupa a primeira posição entre as economias da África e é o país mais populoso do continente – são essas as duas características que justificam a alcunha dada ao país. A base da economia da Nigéria é a exploração do petróleo, atividade responsável por 40% do PIB – Produto Interno Bruto, e por 80% das receitas do Governo Federal

Infelizmente, como não é incomum nos países africanos, a distância entre a riqueza e o caos é muito pequena. A exploração selvagem desse recurso transformou algumas das mais belas paisagens do país em terras e águas mortas, cobertas por resíduos de óleo e de piche. Os vazamentos de petróleo nos gasodutos são frequentes, contaminando grandes áreas e, especialmente, alguns dos mais importantes rios do país. Esse descaso pode ser visto com toda a sua intensidade na outrora fabulosa região do Delta do rio Niger

Com cerca de 4.180 km de extensão, o rio Níger é o terceiro maior rio da África, só ficando atrás dos rios Nilo e Congo. Sua bacia hidrográfica tem aproximadamente 2,2 milhões de km² e abrange cinco países: Guiné, Mali, Níger, Benim e Nigéria. Conforme se aproxima da sua foz no Oceano Atlântico, o rio Níger se abre num grande delta com cerca de 70 mil km². Cerca de 31 milhões de pessoas vivem nessas áreas férteis, habitadas desde tempos imemoriais. 

A primeira grande “riqueza” explorada pelos comerciantes europeus a partir do final do século XV no Delta do rio Níger foram os negros escravizados, que eram vendidos a altos preços nas colônias que começaram a surgir no Novo Mundo, especialmente no Brasil, Antilhas e Estados Unidos. A escravização e a venda de seres humanos na África já eram milenares naqueles tempos, sendo resultado das infinitas guerras entre as diferentes etnias. A navegação pelo rio Níger permitia o transporte de grandes comboios de embarcações repletas de escravos, o que transformou as costas da Nigéria num grande mercado para esse tipo de “produto”. 

Um segundo produto local que aos poucos começou a conquistar mercados pelo mundo foi o azeite de palma, mais conhecido como azeite de dendê. A palma ou dendezeiro é uma árvore nativa da costa Oeste da África e, conforme já apresentamos em postagens anteriores, é a planta que produz a maior quantidade de óleo vegetal por hectare plantado, superando com muita folga a soja e o milho. Além dos usos na culinária, o azeite de palma era um importante combustível, usado principalmente para iluminação de residências e vias públicas no passado. 

Em décadas bem mais recentes, foi o petróleo que se transformou na grande riqueza da Nigéria, uma atividade que durante muito tempo foi dominada por grandes empresas petrolíferas internacionais. E como sempre aconteceu ao longo da história, empresas fortes dominam facilmente Governos fracos – em busca de lucro rápido e fácil, essas empresas passaram a explorar o petróleo de modo selvagem, sem maiores preocupações com a qualidade de vida das populações locais e com o meio ambiente. 

Grandes unidades de prospecção e de perfuração de petróleo começaram a aparecer por todos os cantos, sem que se realizassem estudos de impacto ao meio ambiente ou se mostrassem maiores preocupações com as comunidades vizinhas. Grandes sistemas de oleodutos passaram a rasgar os territórios, sem maiores esforços com a manutenção das tubulações ou reparos de pequenos vazamentos – enquanto o petróleo chegasse em grandes quantidades aos terminais de embarque e garantisse bons lucros para as empresas, pequenas perdas ao longo das linhas de tubulações seriam toleradas. 

Essa mentalidade persistiu por várias décadas, transformando muitos corpos d’água da Nigéria em depósitos de resíduos de petróleo. Gradativamente, esses vazamentos de óleo começaram a escorrer na direção do Delta do rio Níger, hoje tomado por poças de óleo. Grupos ambientalistas calculam que, nos últimos 50 anos, mais de 10 milhões de barris de petróleo vazaram na Nigéria e poluíram grandes extensões de terras e águas. Para efeito de comparação, o grande derrame de petróleo no Alasca provocado pelo navio petroleiro Exxon Valdez em 1989 ficou entre 250 mil e 750 mil barris. Porém, muito diferente da grande repercussão midiática daquele acidente, esses vazamentos de óleo na Nigéria são silenciosos. 

De acordo com um estudo feito pelo PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, as maiores vítimas dessa poluição são as populações do Delta do rio Níger, que consomem água contaminada por hidrocarbonetos. Amostras de água recolhidas em rios, córregos e poços encontraram grandes concentrações de produtos químicos associados ao petróleo. Um exemplo é o benzeno, um elemento cancerígeno que chegou a ser encontrado em algumas amostras recolhidas em poços com uma concentração 900 vezes superior ao limite máximo permitido internacionalmente

Para o meio ambiente, esses volumes de vazamentos de petróleo são devastadores. O Delta do rio Níger apresenta a maior concentração de manguezais de todo o continente africano. Os mangues são ecossistemas de transição entre os oceanos e a terra seca, concentrando uma enorme biodiversidade vegetal e animal. Cerca de 70% das espécies de peixes e crustáceos marinhos de grande valor comercial dependem dos manguezais para reproduzir. Com a poluição das águas por resíduos de petróleo, toda essa riqueza acaba prejudicada, comprometendo a fonte de trabalho e de renda de milhares de pescadores e a fonte de alimentação de milhões de pessoas. 

Extensas áreas de manguezais no Delta do rio Níger não têm mais folhas e as suas raízes estão cobertas por uma camada de óleo (vide foto). As inúmeras espécies marinhas que buscavam essas áreas no passado desapareceram, transformando suas águas em verdadeiros desertos sem vida. Uma espécie emblemática que costumava viver nas águas dos canais do Delta e no rio Níger é o peixe-boi marinho africano (Trichechus senegalensis), primo-irmão do peixe-boi marinho que vive nas costas do Nordeste brasileiro e primo em segundo grau do peixe-boi amazônico.  

Essa espécie marinha, que já encontra em situação altamente vulnerável por causa da caça predatória, costumava encontrar refúgio e alimentos nos inúmeros canais do Delta do rio Níger. Com a intensa destruição desses habitats, o futuro desse peixe-boi é cada vez mais incerto. Incerto também é o futuro de dezenas de milhões de seres humanos que vivem nessa extensa região. 

O Governo da Nigéria vem buscando indenizações e reparações através de processos judiciais movidos contra os grandes grupos petrolíferos que atuam no país. As empresas, é claro, alegam que seguem todas as normas de segurança e de respeito ao meio ambiente; segundo suas defesas, esses vazamentos são consequência direta dos roubos de petróleo nos oleodutos e da enorme rede de “refinarias clandestinas” que se espalham por todo o país. 

Falaremos disso na próxima postagem. 

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