Nas duas últimas postagens falamos dos grandes problemas ambientais criados pela exploração de petróleo no Lago de Maracaibo, no Noroeste da Venezuela. De grande produtor de petróleo em décadas passadas, o Maracaibo se transformou num grande depósito de plataformas e instalações petrolíferas abandonadas. Corroídas pela ferrugem e falta de manutenção, a maioria dessas estruturas está repleta de vazamentos de petróleo. As antigas águas verdes do Lago de Maracaibo hoje estão tomadas por grandes manchas de óleo, o que vem destruindo a fauna aquática e prejudicando as comunidades de pescadores de suas margens.
Infelizmente, esse não é o único grave problema ambiental do país. Dirigida já há muitos anos por um regime ditatorial e centralizar, a Venezuela é um exemplo de descaso com o meio ambiente. Um dos maiores problemas ambientais da Venezuela são os grandes desmatamentos, que ameaçam alguns dos biomas mais espetaculares do mundo. Existem também grandes problemas com incêndios florestais e com o tráfico de animais silvestres. As cidades também sofrem com a poluição das águas, do ar e com gravíssimos problemas na coleta e destinação dos resíduos sólidos.
O Regime Bolivariano criou um órgão para cuidar de todos esses problemas – o Ministério da Habitação, Habitat e Ecossocialismo (seja lá o que isso signifique). Além de muitos discursos em favor do Regime, esse Ministério quase nada consegue fazer para reverter a situação crítica em que as cidades e ecossistemas venezuelanos se encontram. Vamos citar dois exemplos.
Guanta é uma pequena cidade costeira no Norte da Venezuela com cerca de 45 mil habitantes e distante cerca de 330 km de Caracas. Graças às suas maravilhosas praias no Mar do Caribe, a cidade e sua região formavam um importante destino turístico até poucas décadas atrás. Atualmente, a cidade e sua população vivem em meio a uma nuvem de material particulado. Diversos artigos publicados em jornais e revistas se referem a Guanta como “A Cidade Invisível”.
A origem dessa poluição é uma grande fábrica de cimento controlada pelo Regime Bolivariano. Até 2008, a empresa mexicana Cemex era a dona da empresa, quanto então, por ordem do então Presidente Hugo Chaves, a empresa foi estatizada e passou a ser controlada pela Vencemos – Venezoelana de Cementos. Entre os argumentos usados pelo Regime Bolivariano para assumir o controle da empresa estava justamente o desrespeito ao meio ambiente e aos direitos trabalhistas dos operários.
Todos os principais cargos de direção e gerência da empresa foram colocados nas mãos de “companheiros” bolivarianos que, dentro de pouco tempo, conseguiram transformar um problema de emissões descontroladas de material particulado em uma tragédia ambiental regional. Ao invés de melhorar os processos produtivos, consolidar as rotinas de manutenção periódica como a troca de filtros e ampliar a instalação de sistemas de filtragem, os “companheiros” concentraram seus esforços, como é de praxe no país, em discursos e atos em apoio ao Regime Bolivariano. A gestão das operações da cimenteira foi colocado em um plano bem secundário.
Sem os cuidados necessários, os precários sistemas de filtragem da empresa ficaram saturados e pararam de funcionar. A cidade de Guanta passou a ser tomada por uma gigantesca nuvem de material particulado. Uma grossa camada de pó encobriu os telhados, ruas da cidade, veículos e também o interior das casas. Segundo o relato de alguns moradores, se esse pó não é retirado diariamente, ele forma uma crosta que não desgruda mais.
O maior problema criado por essa poluição são as doenças respiratórias na população, que atingem especialmente as crianças menores. Segundo relato de funcionários do Centro de Diagnósticos Gerais da cidade, os principais problemas são infecções respiratórias, bronquiolite e pneumonia. São atendidos de 30 a 40 casos graves por semana, especialmente crianças e pacientes asmáticos. Apesar dos inúmeros apelos da população, as autoridades não conseguem resolver os problemas.
Outro conjunto de problemas gravíssimos vividos pelas populações das cidades da Venezuela estão na área do saneamento básico. Há problemas generalizados no fornecimento de água tratada, na coleta e transporte dos esgotos (nem pensar em tratamento), além de grandes dificuldades na coleta e destinação dos resíduos sólidos. Os problemas vão da falta de investimentos à gestão caótica das empresas e departamentos responsáveis por esses serviços, o que eu costumo chamar de “companheirização”. Caracas, a capital do país e maior cidade da Venezuela, é a que mais sofre com esse conjunto de problemas.
Um grande exemplo a ser citado são as dificuldades vividas pela população com a falta de água potável, um serviço irregular e frequentemente sujeito a interrupções por causa dos constantes blackouts na rede elétrica. O sistema de transmissão de energia elétrica da Venezuela está sobrecarregado e a rede não consegue atender a demanda da população. As cidades sofrem com apagões diários que, entre outros problemas, paralisam os sistemas de bombeamento de água potável. Sem o fornecimento de água potável e sem dinheiro para comprar água mineral, milhares de pessoas passaram a recorrer às águas poluídas de rios e córregos das cidades.
Em 2019, o país passou por duas crises generalizadas de transmissão de energia elétrica, quando a maior parte das cidades ficou às escuras por vários dias. Enquanto o Presidente Nicolás Maduro culpava os Estados Unidos por atos de sabotagem do sistema elétrico, mais de 70% da população do país ficou às escuras e sem abastecimento de água. A foto que ilustra essa postagem mostra um grupo de moradores da periferia de Caracas coletando água no rio Guaire, uma espécie de rio Tietê da Venezuela, durante uma das inúmeras crises no abastecimento de água potável.
O rio Guaire corta a Região Metropolitana de Caracas no sentido Leste a Oeste. Sua extensa bacia hidrográfica recebe toda a carga de esgotos e de efluentes industriais não tratados. Os níveis de poluição das águas são altíssimos. A cidade de Caracas tem uma população de 3 milhões de habitantes e está inserida em uma região metropolitana com mais de 5,8 milhões de habitantes, o que dá uma ideia do tamanho dos problemas ambientais.
Uma das mais visíveis faces dos problemas de abastecimento de água nas cidades da Venezuela é o aumento da mortalidade infantil. De acordo com dados do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, e do Banco Mundial, a taxa de mortalidade infantil no país em 2017 retrocedeu para os níveis de 1977, quando a morte de crianças com menos de um mês de vida atingia 19 crianças a cada 1000 nascidas vivas. Em 2008, a situação melhorou e a taxa de mortalidade caiu para 9,7 mortes para cada 1000 nascimentos. Em 2013, a curva se inverteu e as mortes de crianças voltaram a crescer.
Outro índice que mostra a deterioração das condições de vida da população foi apresentado por uma pesquisa feita pelas principais universidades da Venezuela em 2018. Foram entrevistadas 6.168 famílias em todo o país. De acordo com os dados apurados, 64% dos entrevistados afirmaram ter perdido uma média de 11 quilos do seu peso nos últimos 12 meses devido à falta de alimentos. Sem contar com uma alimentação adequada e sem acesso a água potável, a população mais pobre adoece frequentemente e, tragicamente, os mais fracos não conseguem sobreviver.
Pobreza e preservação ambiental são duas coisas que nunca andam juntas. Enquanto a situação econômica e social na Venezuela não melhorar, a degradação ambiental do país vai continuar aumentando. Trágico!