Nas últimas postagens falamos dos inúmeros problemas ambientais enfrentados pela Venezuela, onde destacamos a gradual destruição do Lago de Maracaibo, na região Noroeste do país. Antigo importante centro de produção petrolífera, o Maracaibo hoje sofre com inúmeros vazamentos de óleo nas instalações de produção desativadas. As grandes manchas de petróleo nas águas, praias, costões e manguezais estão destruindo toda a fauna aquática e comprometendo o sustento de milhares de pescadores locais.
Um outro exemplo dramático de devastação de um grande corpo d’água na América do Sul foi o que se abateu sobre o Lago Poopó, na Bolívia. Porém, diferente do que aconteceu com o Lago de Maracaibo, as agressões foram bem mais contundentes e tiveram como resultado o desaparecimento total do lago Poopó, que até então era o segundo maior lago da Bolívia. Vamos entender essa dramática história:
O Lago Poopó ficava na região do Altiplano a cerca de 3.686 metros de altitude. O Altiplano é um extenso planalto com altitudes acima dos 3.500 metros, que se estende entre as montanhas da Cordilheira dos Andes, ocupando partes do Norte do Chile e da Argentina, do Oeste da Bolívia e do Sul do Peru. O espelho d’água do Lago Poopó, no período das cheias, se espalhava por uma área total de 2.500 km², o equivalente a seis vezes o tamanho da Baía da Guanabara.
A alimentação do Lago Poopó estava ligada diretamente ao Lago Titicaca, o maior corpo d’água da América do Sul. Conforme já comentamos em postagens anteriores, o Lago Titicaca é alimentado por rios e córregos formados a partir do degelo de glaciares ou geleira localizadas no alto das montanhas Andinas. Na parte Sul do Lago Titicaca existe uma fenda natural, conhecida como rio Desaguadero, que funcionava como um canal de drenagem para as águas excedentes. Todo o excesso de água do Titicaca era conduzido pelo rio Desaguadero na direção do Lago Poopó, localizado num trecho mais baixo do Altiplano. O lago Poopó funcionava como um lago terminal fechado da bacia hidrográfica.
Nessa configuração de bacia hidrográfica, chamada tecnicamente de bacia endorreica, a água se perde por evaporação. Um exemplo que podemos citar desse tipo de bacia hidrográfica é o Mar Morto entre Israel e Jordânia, no Oriente Médio, que é alimentado pelas águas do rio Jordão. No caso do Lago Poopó, sua estabilidade dependia dos aportes frequentes de água vindos do Lago Titicaca.
O destino do Lago Poopó começou a ser selado a partir da redução do nível do Lago Titicaca, que baixou cerca de 1 metro nas últimas décadas, o que reduziu a quantidade de água drenada pelo rio Desaguadero. Geleiras de montanhas de todo o mundo estão sofrendo os efeitos do Aquecimento Global e os glaciares da Cordilheira dos Andes também estão sendo dramaticamente afetados. Nos últimos 50 anos, diversas geleiras dessas montanhas já desapareceram e muitas outras estão perdendo a sua massa de gelo rapidamente.
Para aumentar o problema, o Governo local autorizou a realização de diversas obras para a construção de sistemas de irrigação a partir das águas do rio Desaguadero. Uma parte considerável das águas que correriam na direção do Lago Poopó passou a ser desviada sem maiores critérios para diversos projetos agrícolas. Sem receber os despejos sistemáticos de água do Lago Titicaca, o Lago Poopó começou a secar.
A tragédia ambiental que se abateu sobre o Lago Poopó, porém, tem outro componente bombástico – a mineração predatória e intensa realizada na região desde o tempo dos conquistadores espanhóis. Usando técnicas das mais rudimentares, os mineiros da região nunca se preocuparam com a construção de barragens de rejeitos minerais, assunto que temos falado bastante nas nossas postagens. O Lago Poopó foi transformado “na barragem de rejeitos” do Altiplano, recebendo sedimentos arrastados por alguns rios e pelas escassas chuvas ao longo dos séculos. O acúmulo desses rejeitos reduziu gradativamente a profundidade do lago e amplificou os efeitos da evaporação das águas.
Em anos passados, o nível de contaminação das águas do Lago com metais pesados chegou a um nível altamente crítico, resultando na mortandade de 30 milhões de peixes em um único dia – milhares de aves, que se alimentavam destes peixes envenenados tiveram o mesmo fim. As aves e animais que conseguiram fugir a tempo, ganharam uma sobrevida em outras regiões – os flamingos rosados do Poopó, por exemplo, migraram para o pequeno Lago Oruro em uma região próxima, um corpo d’água que também está secando. Nesse novo ambiente, a carência de nutrientes está afetando a saúde dessas aves – as vistosas penas rosas passaram a apresentar uma cor branca (semelhante ao que ocorreu com os guarás vermelhos do rio Cubatão, em São Paulo).
De acordo com as avaliações já feitas por especialistas da Bolívia, o desaparecimento das águas do Lago Poopó provocou a extinção local de cerca de 200 espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios, além de uma grande variedade de plantas. Parte importante dessas espécies era endêmicas e não são encontradas em outras partes da Bolívia. Mesmo que seja possível voltar a encher todo o Lago (alguns trechos chegam a acumular um pouco de água, mas secam em pouco tempo), ele nunca mais voltará a ser o mesmo tipo de bioma que já foi no passado.
O desastre também teve um custo humano. Cerca de 350 famílias das comunidades indígenas locais, em sua maioria pescadores do lago, foram afetadas. Os Urus eram os donos do lago e tiravam o seu sustento das águas do Poopó, o seu “território”. Essas comunidades tinham como fonte principal de alimentos um grupo com 38 espécies de animais entre peixes, aves e mamíferos: nada sobrou. De acordo com as leis bolivianas, o território dos Urus é formado pelo espelho d’água dos diversos lagos do país e eles não podem cultivar as terras, um território que pertence aos indígenas da etnia Aymarás.
O desaparecimento do Lago Poopó foi um longo e contínuo processo de degradação ambiental, denunciado sistematicamente por anos a fio por ambientalistas e especialistas em recursos hídricos da Bolívia. Essas denúncias contaram com forte apoio de órgãos de imprensa opositores ao antigo Governo do Presidente Evo Morales. Dentro da forte ideologia política daquele Governo, a sistemática redução dos níveis do Lago Poopó “foi uma consequência do aquecimento global, um fenômeno provocado pelas grandes nações capitalistas do Hemisfério Norte.” Nenhuma providência prática para controlar ou reduzir o problema foi tomada.
A Bolívia tem uma longa história de exploração selvagem dos seus recursos naturais, uma trágica herança do período colonial. O antigo Vice-Reino do Peru, do qual a Bolívia fazia parte, se mostrou, já nos primeiros anos após a conquista pela Espanha, como uma das mais promissoras províncias minerais do Novo Mundo. A descoberta das minas de prata de Potosí, em 1545, consolidou ainda mais essa realidade. Em 1611, a cidade homônima que surgiu no local já tinha uma população de 150 mil habitantes, a segunda cidade mais populosa do mundo, só ficando atrás de Paris. De acordo com dados oficiais, saíram das minas de Potosí, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 31 mil toneladas de prata.
Uma outra frente de forte pressão sobre os recursos naturais da Bolívia está se desenrolando atualmente na Floresta Amazônica, bioma que cobre perto da metade do território boliviano. Assim como acontece na Amazônia brasileira, o trecho boliviano da Floresta também vem sofrendo com grandes desmatamentos e queimadas. A exploração madeireira, o garimpo e a abertura de novas frentes agrícolas estão os problemas mais graves.
Mudam os lugares, mudam os tempos, mas os problemas ambientais se mantêm quase que inalterados.
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