Ao longo de várias décadas, a imagem dos maiores produtores de petróleo do mundo esteve associada aos países do chamado “Mundo Árabe”, com territórios cobertos por grandes dunas de areia e dirigidos por sheiks bilionários vestidos com seus trajes típicos extravagantes. Recentemente, essa imagem mudou muito – os dois maiores produtores de petróleo da atualidade são, respectivamente, os Estados Unidos e a Rússia, países que fogem completamente ao estereótipo popular. Até mesmo o nosso Brasil, que até meados do século XX não produzia um único barril de petróleo, já se encontra na lista dos dez maiores produtores do planeta e, dentro de poucos anos, deverá ocupar a quinta posição desse ranking.
No continente africano, a situação dos países produtores também foge da imagem tradicional. O grande Deserto do Saara, com suas areias escaldantes no Norte da África, e de forte tradição árabe, ocupam um plano secundário entre os grandes produtores de petróleo – Angola é o maior produtor da África, seguido bem de perto pela Nigéria, país onde a produção é cada vez maior. A produção nigeriana atual está na casa de 1,8 milhão de barris/dia e só não é maior devido à cota de produção imposta pela OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo, o grande cartel de produtores, do qual a Nigéria é membro.
Mesmo repleta de problemas sociais e econômicos, a Nigéria é a maior economia da África e também a nação mais populosa do continente, com cerca de 190 milhões de habitantes. O país é habitado por mais de 250 grupos étnicos, divididos em dois grandes blocos religiosos – muçulmanos ao Norte e cristãos ao Sul, além de diversas minorias praticantes de religiões tradicionais africanas como jgbo (ou Ibo) e iorubá. Esses diferentes grupos religiosos vivem em um estado de tensão permanente, o que é agravado pela extrema pobreza em que vive a grande maioria dos nigerianos.
Ao longo dos séculos, toda a região da África Ocidental assistiu o apogeu e a decadência de diferentes reinos e impérios como o de Canem, Bornu, Oió e Benim. A partir das últimas décadas do século XV, com a chegada dos comerciantes europeus, principalmente portugueses, toda a costa Oeste da África acabou sendo transformada em fornecedora de escravos para o mercado mundial, situação que se manteve até o século XIX e influenciou na conformação de diferentes territórios e grupos nacionais. A região do Delta do rio Niger acabou sendo ocupada pelos britânicos no final do século XIX e, após fundir diferentes protetorados, os ingleses formaram a colônia britânica da Nigéria em 1914.
A exploração do petróleo na Nigéria foi iniciada na década de 1930, mas a descoberta de grandes reservas só se consolidou na década de 1950, quando foi iniciada a produção em larga escala. Grandes empresas multinacionais do setor como a Shell, Mobil (atual ExxonMobil), Gulf (atual Chevron), Agip, Sarap (atual Elf) e Texaco, entre outras, passaram a dominar a indústria petrolífera local. Em 1964, a Nigéria atingiu a expressiva produção diária de 120 mil barris de petróleo. Essa crescente produção seria prejudicada anos depois por uma guerra civil, mais conhecida como a Guerra do Biafra, que se estendeu de 1967 a 1970. Terminado o conflito, a produção de petróleo rapidamente voltou a crescer e, em 1973, já se encontrava na casa dos 2 milhões de barris/dia.
A Guerra do Biafra, também conhecida como Guerra Civil da Nigéria e Guerra Nigéria-Biafra, foi uma consequência de uma tentativa de independência de províncias do Sudeste da Nigéria, que se autodenominavam como República do Biafra. Apesar de pouco conhecido entre nós brasileiros, esse foi um conflito violento, que fez cerca de 200 mil vítimas entre as tropas oficias do Governo da Nigéria e perto de 1 milhão do lado dos rebeldes do Biafra, entre civis e militares.
Até o início da década de 1970, a indústria petrolífera da Nigéria foi muito favorável à entrada de empresas estrangeiras, quando a Lei do Petróleo determinava que apenas 35% dos ganhos com a exploração e exportação do óleo eram devidos ao Governo local. Essa situação, que já vinha mudando lentamente desde a independência do país em 1960, mudou radicalmente após a entrada da Nigéria na OPEP em 1971. A mudança se consolidou em 1977, com a criação da Nigeria National Petroleum Corporation, uma empresa estatal que passaria a regulamentar e controlar a produção, a exportação e a concessão de blocos de exploração. Essa estatal também passou a ser a responsável pelos acordos de parceria do Governo com as empresas multinacionais do setor.
As atividades de exploração, refino e exportação de petróleo respondem atualmente por 40% do PIB – Produto Interno Bruto, da Nigéria e pela geração de cerca de 80% das arrecadações de impostos do Governo local. Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que essa grande nação africana é movida, literalmente, a base do petróleo.
Se, por um lado, a indústria petrolífera é tão importante para o país, ela é, ao mesmo tempo, a principal responsável pela degradação de importantes recursos naturais da Nigéria. Vazamentos de petróleo ocorrem sistematicamente no país há mais de 50 anos, com uma relativa conivência e falta de providencias das autoridades locais. De acordo com cálculos de organizações ambientalistas, cerca de 10 milhões de barris de petróleo vazaram de dutos e de unidades de processamento de petróleo do país nas últimas décadas, atingindo e contaminando rios e cursos d’água do território – a importante região do Delta do Rio Niger é uma das áreas mais atingidas.
O roubo de petróleo é uma das atividades criminosas que mais crescem na Nigéria e, de acordo com muitos especialistas, uma das grandes responsáveis pelos vazamentos de óleo no país. As autoridades locais calculam que cerca de 10% da produção local de petróleo é roubada por esses grupos, que se valem de desvios feitos nas tubulações dos oleodutos. Os dutos de transporte de petróleo são perfurados e tubulações improvisadas são instaladas para desviar o óleo cru para inúmeras “refinarias clandestinas de petróleo” (vide foto). Esses desvios normalmente geram vazamentos de óleo no meio ambiente, o que muitas vezes acaba resultando em explosões e grandes incêndios. Todos os anos, o Exército da Nigéria fecha centenas dessas “refinarias”, que rapidamente voltam a funcionar em outros locais.
A partir do início da década de 1990, com a descoberta de grandes reservas petrolíferas na plataforma marítima da Nigéria, teve início a exploração offshore, que responde atualmente por metade da produção de petróleo do país. Essa nova modalidade de produção contribuiu para a redução da exploração em terra e, consequentemente, pela redução dos roubos nos oleodutos e instalações petrolíferas. Ainda assim, a situação contínua sendo muito grave.
Na próxima postagem, vamos falar mais desses roubos e vazamentos de petróleo, além de todo um conjunto de problemas ambientais que eles geram na Nigéria.
Muito bom. Obrigada por compartilhar. Abraços
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É sempre um grande prazer compartilhar conhecimentos. Grato
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