Nas últimas postagens falamos do rio Negro e de sua “personalidade” única e também do rio Orinoco (ou Orenoco), o maior e mais importante rio da Venezuela – entre esses dois corpos d’água, um canal de ligação natural e único na natureza – o Cassiquiare. Hora de avançarmos um pouco e de se fazer algumas especulações sobre o potencial econômico e geopolítico que poderá resultar da criação de uma hidrovia que una os dois rios e as duas grandes bacias hidrográficas – a Amazônica e a do Orinoco.
Antes de tudo, cabem algumas considerações sobre a atual situação política e econômica da Venezuela. Assistindo aos noticiários, onde são muitas as matérias que mostram a situação caótica do país vizinho, podemos ficar com a impressão que falar, ou mesmo, pensar em um projeto hidroviário conjunto com a Venezuela não parece ser um bom negócio. Sem entender quase nada de política externa, penso que, mais cedo ou mais tarde, as coisas deverão mudar por lá e entrar nos eixos. E justifico minha opinião – até vinte ou trinta anos atrás, a maioria dos países sul-americanos vivia sob o julgo de ditaduras militares: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai são exemplos. O tempo passou, os militares deixaram o poder, vestiram seus pijamas e a democracia (mesmo capenga) voltou a reinar. A Venezuela não está sendo dirigida por um governo militar, mas o que vemos ali hoje é uma ditadura disfarçada.
De acordo com um interessante estudo feito por Pedro Silva Barros e Jesús Alberto Mercado Córdova – CASSIQUIARE: O CANAL DA INTEGRAÇÃO FLUVIAL ENTRE BRASIL E VENEZUELA, o primeiro encontro presidencial bilateral para discutir algumas pendências na demarcação de fronteiras e a navegação fluvial entre as bacias dos rios Amazonas e Orinoco aconteceu em 1973. Em 1977 foi assinado o Acordo Marco de Cooperação entre os dois países e em 1994, foi assinado o Protocolo de La Guzmania, onde foram estabelecidos os pontos estratégicos para a cooperação em matéria de navegação e integração fluvial. Apesar de todas as conversas, acordos e protocolos, as coisas não andaram. Atualmente, não existem projetos ou políticas com vistas à criação de um sistema hidroviário conjunto entre os dois países.
De acordo com dados disponíveis, a navegação pelo rio Orinoco movimenta atualmente 45 milhões de toneladas de cargas por ano. Os principais portos fluviais se encontram em Ciudad Bolívar, na região Leste do país e em Puerto Ayacucho, na divisa com a Colômbia. Ciudad Bolívar já foi um importante centro comercial regional da Venezuela, mas está em franca decadência nos últimos anos. Os principais produtos regionais são o petróleo, madeiras e produtos pesqueiros. Puerto Ayacucho centraliza as atividades comerciais da região amazônica da Venezuela. Outros portos importantes são os das cidades de Puerto Ordaz, Matanzas e El Jobal.
Apesar do visível empobrecimento da população e da falta dos produtos mais essenciais como alimentos, remédios, produtos de limpeza e de higiene (aqui lembro da icônica falta de papel higiênico no país), a Venezuela está, literalmente, “sentada” em cima das maiores reservas de petróleo do mundo – maiores inclusive que as reservas da Arábia Saudita. A chamada “Faixa Petrolífera do Orinoco” concentra as maiores reservas petrolíferas do mundo em um só país e, a médio e longo prazo, com o desenvolvimento de projetos de exploração (que por enquanto estão em compasso de espera, aguardando uma solução para a crise institucional e econômica que a Venezuela vive), a navegação no rio Orinoco deverá se desenvolver muito. Além do transporte de petróleo, trafegam pelo rio Orinoco carregamentos com minério de ferro e bauxita.
Existe um outro aspecto nada desprezível sobre a bacia hidrográfica do rio Orinoco – ela drena 40% do território da Colômbia. Aliás, o rio Orinoco faz a divisa entre os dois países por um longo trecho. Essa região, no Leste do país, abriga uma vegetação muito parecida com o Cerrado brasileiro e com um grande potencial para a produção de grãos como milho e o feijão, além de café e outras culturas. Devido ao isolamento geográfico, todo esse potencial agrícola ainda está inexplorado. A navegação pelo Canal do Cassiquiare abriria a possiblidade da Colômbia, futuramente, exportar seus produtos agrícolas via o porto da cidade de Manaus, ao mesmo tempo que abriria a porta dessa região do país para empresas brasileiras venderem fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos agrícolas, veículos e tudo mais que a nossa expertise em agronegócios no Cerrado já criou.
A navegação pelos rios da bacia Amazônica, conforme já apresentamos em diversas postagens, ainda sofre com a falta de uma infraestrutura para navegação hidroviária a altura do seu imenso potencial. Porém, apesar de todos os problemas, já permite a integração por via fluvial de áreas do Peru, Equador e Colômbia com os Estados da região amazônica brasileira; a Bolívia, que já esteve integrada aos sistemas de navegação fluvial da bacia Amazônica nos tempos da Ferrovia Madeira-Mamoré, poderá voltar ao “clube” caso se crie um novo modal para a interligação terrestre entre as cidades de Guajará Mirim, no rio Mamoré, até Porto Velho, no rio Madeira. Esse novo modal (que poderia ser, inclusive, uma nova ferrovia), também permitiria a integração da Hidrovia do rio Guaporé ao “clube”. Também não podemos esquecer do potencial de outras hidrovias como a dos rios Purus, Xingu, Tapajós/Teles Pires/Juruena, Tocantins/Araguaia, Marañon, Putumayo, entre outros.
Agora, imaginem o incremento do potencial de transportes e de trocas comerciais entre todas essas regiões e países caso se faça uma integração com a navegação no rio Orinoco a partir do Canal do Cassiquiare?
Sem exageros, estamos falando do projeto de um sistema de hidrovias que atenderia uma região com área correspondente a metade da América do Sul. Esse enorme potencial ainda poderia ser bem maior – durante as cheias do Pantanal Mato-grossense, as águas das bacias hidrográficas dos rios Paraguai e do rio Tapajós chegam a se encontrar. Será que não seria possível a construção de um sistema de canais de navegação que permitisse a transposição de barcaças de cargas entre essas duas bacias hidrográficas?
Imaginem só o que seria: um comboio de barcaças de carga saindo de Montevideo, no Uruguai, navegando primeiro pela Hidrovia do rio Paraná e depois pelo rio Paraguai até os “canais de interligação de Mato Grosso”, a partir dos quais poderia atingir os rios Teles Pires e Tapajós, chegando por fim ao grande Rio Amazonas e a todas as possibilidades de navegação já existentes, incluindo-se aí a navegação pelo rio Orinoco. Esse gigantesco sistema hidroviário integraria 9 países sul-americanos – Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela.
Bom, sonhar não custa nada – quem sabe ainda chegaremos lá…
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