
Na última postagem falamos dos problemas com a água fornecida pela Sanepar – Companhia de Saneamento do Paraná, aos consumidores da cidade de Ponta Grossa. A água “potável” que está chegando nas torneiras dos moradores está repleta de pequenos camarões brancos com cerca de 1 mm de comprimento. Apesar da concessionária afirmar que a água está em condições adequados para o consumo, a população está reclamando muito e se recusando a consumir essa água.
Um outro caso que citamos na postagem é o da CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos, concessionária que atende grande parte dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. O principal manancial de captação de água da empresa, o rio Guandu, foi transformado em uma grande vala de esgotos a céu aberto. Os problemas com a qualidade da água fornecida para os consumidores são enormes.
Em uma antiga postagem aqui do blog publicada em 2016, falamos das dificuldades enfrentadas pela empresa para tratar a água captada no rio Guandu. A ETA – Estação de Tratamento de Água, do Guandu (vide foto) utiliza, nada menos, que 140 toneladas de Sulfato de Alumínio, 20 toneladas de Cloreto Férrico, 15 toneladas de Cloro, 25 toneladas de Cal Virgem, 10 toneladas de Ácido Fluossilícico (o famoso flúor) entre outros produtos químicos, a cada dia.
Apesar de todo esse volume de produtos químicos, que muitas estações de tratamento de água de pequenas cidades gastam ao longo de todo um mês, a qualidade da água nem sempre é das melhores. No início de 2020, citando um exemplo, centenas de milhares de consumidores em vários bairros da cidade do Rio de Janeiro e também da Baixada Fluminense receberam uma água escura e malcheirosa em suas torneiras por vários dias.
Em sucessivas notas e comunicados encaminhados aos meios de comunicação, a CEDAE afirmava que essa água era potável e que poderia ser consumida pela população sem nenhum risco. Os consumidores, é claro, optaram por não acreditar na empresa e passaram a consumir água mineral – aliás, o preço da água mineral aumentou brutalmente na região ao longo de mais essa “crise” no abastecimento de água.
Pois bem – vamos à boa notícia (pelo menos é o que se espera): de acordo com um comunicado do Governo do Rio de Janeiro, a concessionária Águas do Rio, que venceu a disputa em leilão pelo controle das operações de distribuição de água potável e coleta/tratamento de esgotos em 27 municípios fluminenses, irá assumir as operações do seu “quinhão” da CEDAE já em 1° de novembro. A data prevista anteriormente era o início de 2022.
Relembrando, uma boa parte das operações da CEDAE foi levada a leilão público no final do último mês de abril. O modelo da concessão, que foi estruturado pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, dividiu essas operações em quatro grandes blocos – 30 cidades fluminenses optaram por manter esses serviços nas mãos da CEDAE.
A concessionária Águas do Rio, que faz parte do grupo Aegea Saneamento, arrematou os blocos 1 e 4, com ofertas de R$ 8,2 e R$ 7,2 bilhões, respectivamente. No total, as operações da concessionária abrangerão 26 municípios fluminenses e 124 bairros da cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com as regras, a empresa terá a concessão dos serviços por 35 anos e assumiu o compromisso de atingir a universalização dos serviços de fornecimento de água potável e coleta/tratamento de esgotos até 2033. A empresa comunicou ao mercado a contratação de cerca de 1,5 mil colaboradores até o momento, com a perspectiva de contratar outros 5 mil até o final deste ano.
Uma característica interessante dessa concessão é que a CEDAE continuará operando a ETA Guandu e venderá a água que será distribuída pelas novas concessionárias. O sistema produtor de águas do rio Guandu atende aproximadamente 85% da população da cidade do Rio de Janeiro e cerca de 70% das populações da Região da Baixada Fluminense, especialmente nos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Itaguaí, Queimados e Mesquita.
A Baía da Guanabara foi descoberta em 1° de janeiro de 1502 pela primeira expedição exploratória portuguesa. As águas calmas e protegidas da baía forneciam as melhores condições para a construção de um grande porto. Essa cobiçada geografia atraiu a atenção dos franceses, que pretendiam construir uma grande base naval para controlar todo o Oceano Atlântico Sul. Os franceses invadiram a região em 1555 e ali ficaram até 1570, quando foram expulsos por forças portuguesas.
Em meio a toda essa disputa, a cidade do Rio de Janeiro foi fundada em 1565. Apesar de toda a exuberância da Baía da Guanabara, a história mostrou que a região não apresentava as melhores condições naturais para a vida de uma cidade – as fontes de água doce são escassas, principalmente durante os meses de seca. Esse é um tema que já tratamos em várias postagens anteriores.
Sem nos alongarmos muito, a derradeira solução para os graves problemas de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro e municípios vizinhos só teria início nas primeiras décadas do século XX, quando começaram a ser construídas várias usinas hidrelétricas no interior do Estado do Rio de Janeiro.
A empresa concessionária dos serviços de geração e de distribuição de energia elétrica no Estado, a Light, realizou diversas obras para possibilitar a transposição de águas da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Essas águas eram direcionadas primeiro para as usinas hidrelétricas da empresa e depois eram despejadas na direção do rio Guandu, um curso de água com nascentes nas encostas da Serra do Mar e foz na Baía de Sepetiba.
A crescente demanda por energia elétrica, especialmente no antigo Estado da Guanabara, levou a um aumento cada vez maior dos volumes de águas lançados na bacia hidrográfica do rio Guandu – o antigo riozinho acabou sendo transformado num grande manancial, que em pouco tempo se tornou o principal manancial de abastecimento de grande parte da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Com a concessão de grande parte das operações da CEDAE para a iniciativa privada, criou-se a expectativa de uma solução a médio e longo prazo dos problemas de poluição no rio Guandu. A maior parte dessa poluição é formada por esgotos domésticos lançados nas águas do rio – com a implantação de redes de coleta e de estações de tratamento pelas novas concessionárias, a tendência será uma redução drástica da poluição no rio Guandu.
A privatização de empresas públicas aqui no Brasil criou inúmeros cases de grande sucesso. Nessa lista podemos incluir os serviços de telefonia, a Embraer e a Companhia Vale do Rio Doce. Cariocas e fluminenses torcem por um destino semelhante no saneamento básico de seus bairros e cidades.
Como dizemos aqui em casa – que os anjos digam amém!