
As fortes chuvas que estão caindo em extensas áreas do Estado de Minas Gerais são muito bem-vindas num período de seca extrema e de risco de racionamento de energia elétrica. Entretanto, conforme apresentamos na postagem anterior, nossas cidades não foram preparadas para suportar chuvas intensas e, sempre que uma cidade é atingida por um desses eventos, registram-se enchentes, alagamento e escorregamentos de encostas, muitos desses com vítimas fatais.
Um exemplo do descaso com os problemas criados pela chegada do período das chuvas é o caso da represa do Parque Municipal Brejo Grande, localizada em Paraisópolis, um município mineiro localiza a cerca de 420 km de Belo Horizonte e bem próximo da divisa com o Estado de São Paulo.
Essa represa foi construída no início da década de 1970, ocupando uma área de 12 hectares de um vale na Serra da Mantiqueira. Localizada a uma altitude de 1.400 metros acima do nível do mar, é considerada a maior represa artificial de altitude do Brasil. O objetivo inicial da obra era garantir o abastecimento de água da população, mas acabou transformada em uma atração turística da cidade.
Em novembro de 2018, uma vistoria técnica encontrou diversas rachaduras e infiltrações no aterro da barragem. Um laudo técnico elaborado pelos especialistas determinou a realização de obras de recuperação em caráter de urgência, obras que não foram realizadas.
Desde o último dia 1 de outubro, a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros iniciaram a remoção de famílias que vivem nas proximidades da barragem e que correm riscos em caso de colapso da estrutura. Segundo a Defesa Civil, essa evacuação é necessária por que a barragem foi colocada na classificação 3 – estrutura com alto risco de ruptura.
De acordo com as autoridades, todos os moradores do Bairro Serra da Usina, que fica abaixo da crista da represa, precisam ser evacuados. As famílias que vivem na região, estimadas em número de 25, estão sendo encaminhadas para a casa de parentes ou para quartos de hotéis disponibilizados pela prefeitura.
Segundo a Prefeitura de Paraisópolis, estão sendo feitos estudos para a recuperação da barragem desde o início de 2021. Como medida de segurança, o nível da represa foi rebaixado em 5 metros. A represa também possui um sistema de bombeamento monitorado 24 horas por dia que permite a redução do nível da represa a qualquer momento caso seja necessário. A Prefeitura não pretende esvaziar a represa.
Um dado interessante que surgiu após a repercussão do risco de rompimento da barragem – apesar da construção já ter 50 anos, o projeto ainda não está cadastrado no IGAM – Instituto Mineiro de Gestão das Águas. Por mais absurdo que possa parecer, isso é algo que acontece com relativa frequência.
De acordo com dados da ANM – Agencia Nacional de Mineração, o Estado de Minas Gerais possui 364 barragens de rejeitos de minerais, sendo que 46 apresentam problemas de segurança de diversos níveis nos últimos anos. Segundo o IGAM existem mais de 2.300 barragens de água outorgadas em Minas Gerais, além de 28 mil pequenas barragens classificadas como de “uso insignificante”.
Notícias sobre o risco de colapso da barragem dessa represa surgem no momento em que um relatório preparado pelo CIMNE – Centro Internacional de Métodos Numéricos em Engenharia, na sigla em catalão, entidade vinculada a UPC – Universitat Politècnica de Catalunya, apresentou um estudo sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, acidente ocorrido em 25 de janeiro de 2019.
A produção do relatório de 500 páginas, que foi requisitado pelo MPF – Ministério Público Federal, foi acompanhada por peritos da Polícia Federal e por consultores técnicos independentes. O Relatório foi entregue ao MPF no dia 4 de outubro.
De acordo com as conclusões do estudo, a ruptura da barragem aconteceu devido ao fenômeno da liquefação, ou seja, uma mudança do estado do material represado para a forma líquida. Segundo os estudos, a “maioria dos rejeitos minerais da barragem eram fofos, contráteis, saturados e mal drenados e, portanto, altamente sujeitos à liquefação”.
Para se chegar a essas conclusões, os pesquisadores coletaram amostras de materiais e realizam uma série de estudos e testes em laboratórios. O estudo também incluiu a construção de um modelo matemático da barragem em computador, o que permitiu a realização de diversas simulações do processo de ruptura da estrutura.
O colapso da barragem de rejeitos minerais da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho é classificado como o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas, além de ser o segundo maior acidente industrial deste século. O acidente deixou 270 mortos, sendo que os corpos de 8 vítimas ainda não foram recuperados.
O impacto ambiental provocado pelo rompimento da barragem liberou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais na bacia hidrográfica do rio Paraopeba, que é afluente do rio São Francisco. Esse desastre ambiental só é superado pelo rompimento da barragem de Mariana, ocorrido em 2015, que liberou um volume de mais de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais e lama na bacia hidrográfica do rio Doce, além de causar 19 mortes.
Entre outras informações importantes, o estudo cita um incidente ocorrido durante a instalação de um dreno em junho de 2018, cerca de 7 meses antes da ruptura da barragem. O procedimento resultou em vazamentos de lama em vários pontos da barragem, vazamentos esses que foram contidos logo depois. Esse dreno e os vazamentos provocaram um aumento local e temporário nas pressões da água, além de algum dano na barragem.
Dados sismográficos, que registram ondas geradas pela movimentação do solo, sugerem a ocorrência de alguma liquefação contida dos rejeitos há época. Todos esses problemas foram determinantes para o desenvolvimento das condições que levaram ao colapso da barragem meses depois.
Todas essas novas informações são essenciais para o processo judicial que busca identificar e responsabilizar todos os profissionais e autoridades com alguma responsabilidade nessa grande tragédia.
Apesar do potencial de risco da represa do Parque Municipal Brejo Grande estar muito aquém daquele das grandes barragens de rejeitos mineiros, o eventual colapso da barragem pode colocar vidas em risco. Com o histórico recente de vítimas fatais em acidentes com barragens em Minas Gerais, todo o cuidado é pouco.
Agora, o que chama mesmo a atenção nesse caso é o tempo que demorou para a tomada de providencias – foram quase três anos entre a elaboração do laudo com a indicação do risco de colapso e a efetiva evacuação dos moradores. Isso é “abusar da sorte”.
[…] O RISCO DE ROMPIMENTO DE UMA BARRAGEM NO SUL DE MINAS GERAIS […]
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