Aos tempos da chegada dos primeiros exploradores portugueses às costas brasileiras no início do século XVI, uma densa floresta cobria o trecho litorâneo do país desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. Falo aqui da Mata Atlântica, um bioma que já cobriu 1,3 milhão de km² ou o equivalente a 15% do território do Brasil. Ao longo do litoral do Nordeste, a Mata Atlântica formava uma faixa de floresta que variava de 60 a 80 km de largura.
O trecho nordestino da Mata Atlântica foi praticamente dizimado ao longo dos três primeiros séculos da colonização do Brasil – em seu lugar surgiram os grandes canaviais. Para piorar a situação da região, os plantadores de cana de açúcar do litoral expulsaram os criadores de bois e suas boiadas para o interior do Nordeste – os canavieiros acusavam os bois de comer os brotos da cana de açúcar. Foi assim, falando de um jeito muito resumido, que a região do Semiárido Nordestino e seus recursos naturais limitados passaram a conviver com grandes rebanhos de bois, cabras, carneiros, burros e cavalos, além de gente, muita gente.
O Semiárido Brasileiro é a região semiárida mais densamente povoada do mundo – são cerca de 25 milhões de pessoas vivendo em uma área com cerca de 900 mil km². Para efeito de comparação, o Saara, o maior deserto do mundo com seus 9,2 milhões de km², sustenta uma população de 2,5 milhões de pessoas. Lembro aqui que o Saara não é formado apenas pelas dunas de areia mostradas nos filmes da Legião Estrangeira francesa – grande parte do Saara possui características muito similares à nossa Caatinga.
Comecei a postagem de hoje mostrando esses dados para podermos falar de um grande problema brasileiro – a baixa disponibilidade de recursos hídricos no Semiárido Nordestino e o drama multissecular da seca na região. O Semiárido enfrenta períodos cíclicos de secas com excepcionais proporções – notas de antigos cronistas, testemunhas oculares, médicos e jornalistas, além de registros dos governos, falam de grandes secas em 1744, 1790, 1846, 1877, 1915, 1932, 1951 e 1979. Entre 2012 e 2015, o Semiárido viveu uma estiagem comparável à grande seca de 1915, evento que acabou imortalizado na literatura brasileira décadas depois com a publicação do romance O Quinze, de Rachel de Queiróz.
Todos estes registros falam das penúrias e sofrimentos vividos pelos sertanejos, vitimados pela sede e pela fome, forçados a migrar para outras terras, quando milhares caíram desfalecidos pelos caminhos dos sertões. Um pequeno trecho de um antigo relatório oficial de um órgão do governo nos dá uma ideia da perplexidade criada pelo evento climático extremo:
“Em 1932, o ano começou com poucas chuvas em janeiro. A seca havia se generalizado abrangendo uma área até hoje não superada: parte do Maranhão e o Piauí até a Bahia, ao sul do rio Itapicuru foram atingidos, numa extensão de 650.000 km², onde habitava uma população de 3.000.000 de pessoas.”
De acordo com registros históricos, a ideia de realizar uma obra de engenharia que permitisse a transposição das águas do Rio Francisco na direção de áreas assoladas por secas frequentes remonta a meados do século XIX, época do reinado de Dom Pedro II. Nesta época, apesar das boas intenções dos idealizadores, o projeto não poderia ser realizado por falta de tecnologias e recursos de engenharia adequados – citando um único exemplo: a tecnologia para bombear a água a grandes alturas com o uso da eletricidade só estaria disponível 50 anos depois.
A discussão acerca de um sistema de transposição voltou a ser considerada nas décadas de 1940, época do Governo Vargas, e 1980, no Governo do Presidente João Batista de Figueiredo. Em 1994, durante o Governo do Presidente Itamar Franco, foi iniciado um estudo sobre os potenciais hídricos das bacias hidrográficas do Semiárido nos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, estudos que prosseguiram durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em 2007, já no Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, um projeto de transposição das águas do Rio São Francisco começou a ser implantado, com obras sendo executadas por batalhões especializados em engenharia do Exército Brasileiro e por construtoras privadas. Depois de inúmeros atrasos, suspeitas de fraude e superfaturamentos, o primeiro trecho do Eixo Leste do Sistema de Transposição do Rio São Francisco foi inaugurado oficialmente no início de março de 2017 pelo Presidente Michel Temer, que havia assumido o Governo após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016.
Projeções oficiais do Governo Federal estimavam que, quando as obras do projeto estivessem totalmente concluídas, o Sistema de Transposição das águas do rio São Francisco poderia atender até 12 milhões de pessoas nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, levando as águas do Rio São Francisco para uma extensa área do Semiárido. Infelizmente, como todos sabemos, as coisas não saíram exatamente como muitos haviam sonhado ao longo de muitas gerações.
Orçadas inicialmente em R$ 4,5 bilhões e com previsão de conclusão em 5 anos, as arrastadas obras do Projeto de Transposição entraram num nada seleto conjunto de obras superfaturadas e mal feitas, onde o principal objetivo dos governantes e autoridades de plantão era o desvio de verbas públicas. Os poucos trechos inaugurados, rapidamente passaram a apresentar problemas de vazamentos de água, estações de bombeamento estavam trabalhando com capacidade muito abaixo do projetado e grandes trechos de canais foram abandonados inconclusos. De acordo com os últimos levantamentos, os custos das obras já superaram a barreira dos R$ 12 bilhões.
Desde que assumiu o Governo em 2019, o Presidente Jair Bolsonaro vem pregando a continuidade e conclusão de obras federais que estavam paradas, o que inclui as obras do projeto de Transposição. Em 26 de junho último foi inaugurado um novo trecho do Sistema e as águas do Velho Chico agora estão chegando ao Estado do Ceará. Repetindo o que disse na última postagem, os nordestinos que sofrem com o drama da seca não são nem de direita nem de esquerda – são seres humanos que precisam de água.
A chegada dessas águas aos sertões do Semiárido não vão resolver o problema da seca, mas poderão ajudar muito. Existe um limite para a quantidade de água que pode ser retirada da calha do rio São Francisco e o próprio Sistema de Transposição tem seus limites. A chegada das águas a toda uma infinidade de pequenas cidades e vilas espalhadas pelos sertões dos Estados atendidos pelo projeto também vai depender da conclusão de um sem número de pequenas obras de canais, adutoras e açudes.
Essas obras complementares serão de responsabilidade de Estados e Municípios, que como se sabe, costumam não ter recursos suficientes para isso e dependerão da liberação de verbas do Governo Federal. Aqui se abre todo um “leque” de chances para se desviar dinheiro público nessas obras e muitos políticos locais já sonham em “encher seus próprios bolsos”. Será preciso ficar atento e fiscalizar o uso dessas verbas com “lupa”.
Apesar de todas as dificuldades que ainda serão enfrentadas ao longo desse caminho, é preciso que se continue a perseguir o sonho de acabar, ou ao menos amenizar, as agruras provocadas pelas fortes estiagens no Semiárido Nordestino. E o mínimo que precisa ser feito é se concluir o Projeto de Transposição das águas do rio São Francisco seja quais foram as cores partidárias de quem está sentado na cadeira da Presidência da República.
As únicas cores que os sertanejos nordestinos querem ver é o azul e o verde das águas…
[…] para amenizar os impactos da seca no Semiárido Nordestino destacava-se um projeto para a transposição das águas do rio São Francisco. Essas águas seriam conduzidas na direção de terras extremamente áridas nos Estados do […]
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[…] realização de grandes obras de infraestrutura para o transporte de água entre regiões – o Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, poderá ser um exemplo (inclusive nos seus pontos negativos). Outro caminho, que já é bastante […]
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