QUAL TIPO DE CARRO É MELHOR: ELÉTRICO OU MOVIDO A BIOCOMBUSTÍVEL? 

O mundo descobriu os carros elétricos nessas últimas décadas. Preocupados com as mudanças climáticas e com a poluição das cidades, os consumidores passaram a enxergar os veículos elétricos como uma excelente opção para o transporte de cargas e de passageiros. 

A modernidade e a sustentabilidade desse tipo de veículo, entretanto, foram colocadas em xeque nesse momento de grave crise energética. A recarga das baterias depende da conexão com uma tomada elétrica e essa, por sua vez, depende da geração em uma usina elétrica. 

Conforme comentamos em uma postagem anterior, cerca de 40% de toda a energia elétrica utilizada no mundo hoje vem de centrais termelétricas que se valem da queima do carvão. Ou seja – grande parte desses veículos ecológicos/sustentáveis depende de uma geração de energia elétrica “suja”. 

Um outro lado do problema ficou evidenciado com a crise no abastecimento de gás natural na Europa: a Rússia fechou as torneiras dos seus gasodutos em resposta aos muitos embargos econômicos que sofreu após invadir a Ucrânia. Sem outras alternativas, muitos países do continente estão reativando suas antigas centrais termelétricas a carvão – a energia elétrica relativamente limpa que era gerada a partir do gás voltou a ficar suja. 

Dentro desse impasse volta à tona uma antiga discussão: os veículos elétricos são mesmo tão melhores do ponto de vista ambiental que os veículos com motores adaptados paro o uso de biocombustíveis? 

Vamos começar falando das baterias usadas nos carros elétricos. A fabricação da imensa maioria das baterias é feita na China (70% da produção mundial), no Japão e na Coreia do Sul, países onde a geração de energia elétrica depende muito das termelétricas a carvão. Estudos mostram que, na fabricação de um carro elétrico, um valor entre 35 e 50% das emissões de gases de efeito estufa ficam por conta do processo de fabricação das baterias, principalmente quando são fabricadas na China. 

Um exemplo – o processo de fabricação de um carro elétrico da empresa Volvo libera um total de 24 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por conta das emissões no processo de fabricação das baterias. Para fabricar o modelo Volvo XC40 com motor a combustão interna, a mesma fabricante emite um total de 14 toneladas de CO2. Somente para compensar essa diferença na pegada de carbono na sua produção, esse carro elétrico vai precisar rodar 80 mil km

Segundo estudos realizados pela Hydro-Québec do Canadá, um centro de referência internacional sobre o ciclo de vidas dos produtos, em parceria com a ADEME, agência de meio ambiente e controle da energia da França, a questão é ainda mais crítica. Quando se inclui nessa conta a geração da energia elétrica que será usada para a recarga das baterias, o carro precisaria rodar cerca de 300 mil km para compensar a pegada ecológica. 

Só para recordar – uma das principais matérias primas utilizada na fabricação de baterias recarregáveis é o lítio, um metal extremamente leve e que possui uma ótima condutividade elétrica. Cerca de 2/3 das reservas mundiais de lítio ficam numa região árida entre a Bolívia, o Chile e Argentina, um tipo de monopólio que encarece o valor do metal. A produção do lítio é extremamente prejudicial ao meio ambiente. 

Agora, quando falamos de um veículo com um motor de combustão interna que utiliza biocombustível, falamos de um produto cuja produção gera praticamente a mesma emissão de gases de efeito estufa que outro feito para utilizar gasolina ou óleo diesel. Logo de saída, esse tipo de veículo já tem uma grande vantagem na pegada ecológica quando comparado a um veículo elétrico. 

Existem biocombustíveis muito bons e outros questionáveis do ponto de vista ambiental. O óleo de palma, mais conhecido entre nós como azeite de dendê, se enquadra na segunda categoria. Grandes extensões de florestas tropicais, especialmente no Sudeste Asiático, estão sendo derrubadas para o plantio da palma. Produzir um biocombustível nessas condições não tem nada de ecologicamente correto e sustentável. 

Já o nosso bom e velho etanol, mais conhecido como álcool hidratado, que vem sendo produzido desde o final da década de 1970, e que pode ser encontrado em postos de combustíveis de todo o país, pode ser considerado um excelente biocombustível. 

A ideia de usar um biocombustível 100% nacional surgiu num momento em que o mundo sofria com os Choques do Petróleo de 1973 e de 1979. Os países produtores, reunidos na OPEP – Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo, decidiram aumentar fortemente os preços do produto, levando todo mundo a uma profunda crise econômica. 

A resposta brasileira veio com o Pró-Álcool, um programa de incentivos fiscais para a produção e venda de veículos com motores adaptados para o uso exclusivo do álcool como combustível, assim como diversos incentivos para o plantio da cana-de-açúcar e a produção do álcool (ou etanol) nas usinas.   

O primeiro automóvel com motor adaptado para uso do etanol ou álcool combustível foi lançado em 1978. Em 1991, cerca de 60% da frota nacional de veículos já utilizava esse combustível. Mudanças nas políticas de incentivo fizeram a popularidade do etanol cair muito nos anos seguintes. A situação do álcool combustível só voltaria a entrar nos eixos novamente a partir do ano de 2003, quando passaram a ser vendidos os carros com o extraordinário Motor Flex (vide foto), que funcionam tanto com gasolina quanto com álcool. 

O Brasil tem uma longa história como grande produtor de cana-de-açúcar, principalmente com o objetivo de se produzir açúcar, tema que tratamos em inúmeras postagens aqui do blog, Como ocorre com toda cultura agrícola com produção em larga escala, a cana-de- açúcar é problemática para o meio ambiente. Os problemas vão do alto consumo de água ao uso de grandes volumes de agrotóxicos. 

Essa cultura, porém, tem um grande trunfo a seu favor – as plantas em crescimento absorvem grandes quantidades de carbono da atmosfera, praticamente neutralizando as emissões resultantes da combustão dos motores dos veículos movidos a etanol. Ou seja – a equação ambiental fecha e deixa um resto muito pequeno. 

Um outro ponto a favor dessa cultura é uso do bagaço da cana para a geração de energia elétrica em termelétricas especialmente adaptadas, energia essa que pode, inclusive, ser usada para a recarga de veículos elétricos. 

Feitas as devidas contas e pesados todos os prós e contras, carros movidos a etanol ou álcool combustível são muito mais ecológicos que os carros elétricos, pelo menos aqui no Brasil.

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OS CARROS ELÉTRICOS SÃO MESMO ECOLOGICAMENTE CORRETOS? 

Antes de tudo, um esclarecimento – a foto que ilustra essa publicação, que já utilizamos em uma outra postagem, é falsa. A imagem circulou em sites da internet há algum tempo atrás ironizando o quão “limpo” eram os veículos elétricos. Na verdade, a foto corresponde ao teste de um sistema de recarga de baterias feito no interior da Austrália, num local onde não existe rede elétrica – por isso a presença do gerador. 

A icônica imagem, entretanto, ganhou uma nova leitura num momento em que o mundo – especialmente a Europa, está passando por uma intensa crise energética. Com a suspensão do fornecimento de gás natural pela Rússia, numa represália às sanções econômicas impostas pelos países da União Europeia em função do conflito da Ucrânia, fontes sujas como o carvão voltaram a ser essenciais para a geração de energia elétrica. 

Para entendermos bem o que está acontecendo hoje, é importante voltarmos ao final do século XIX, época em que a geração e o uso da energia elétrica viraram rotina no cotidiano nas grandes cidades do mundo. 

Em 1880, a Brush Eletric Company inaugurou seu sistema de iluminação com lâmpadas elétricas na Broadway, o badalado bairro dos shows da cidade de Nova York. Pouco tempo depois, a empresa faria o mesmo nas cidades de Boston e Filadélfia. O sistema pioneiro utilizava corrente elétrica contínua (a mesma disponível nas baterias e pilhas) e dependia da instalação de uma central termelétrica a carvão nas proximidades. 

Thomas Edison, o famoso empreendedor e cientista, que a maioria dos leitores devem conhecer como o inventor da lâmpada elétrica a filamento, venceu uma concorrência pública para a instalação de lâmpadas elétricas em Manhatan, também na cidade de Nova York. Sua empresa construiu uma central termelétrica a carvão bem próxima, na Pearl Street Station. Essa unidade seria a responsável pela geração da eletricidade usada pelo sistema. 

Esses dois exemplos nos dão uma clara ideia dos impactos ao meio ambiente criados pela introdução do uso da energia elétrica na cidade de Nova York. A queima do carvão gera a emissão de uma grande quantidade de gases poluentes e de fuligem, isso bem no meio de uma cidade populosa.  

Essa poluição vinha se somar as emissões criadas pela queima de carvão nas indústrias que já estavam instaladas na cidade. Pouco tempo depois, com a popularização dos automóveis com motores a combustão interna, as grandes cidades passariam a conviver com um ar altamente poluído. 

Essa situação só começaria a mudar nos últimos anos do século XIX, época em que a empresa Westinghouse Electric Company iniciou as operações com seu sistema de corrente elétrica alternada. Esse sistema, que é o que utilizamos atualmente em nossas casas, foi aperfeiçoado pelo cientista Nicola Tesla e permitia a transmissão da energia elétrica a longas distâncias e com baixas perdas. 

Um dos primeiros empreendimentos da Westinghouse foi a construção de uma usina hidrelétrica nas Cachoeiras do Niágara, na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. A eletricidade ali gerada era transportada por uma rede de cabos até as grandes cidades do nordeste dos Estados Unidos. Graças a essa nova tecnologia, as cidades começaram a se livrar das suas poluentes centrais termelétricas a carvão. 

A história, entretanto, não parou por aí. O sistema de geração e transmissão de corrente elétrica alternada também passou a ser usado em centrais termelétricas alimentadas a carvão, que agora podiam ser construídas longe das grandes cidades. Ou seja – os moradores das áreas urbanas poderiam continuar contando com uma energia limpa, eficiente e que não gera resíduos localmente; a poluição do ar e a fuligem afetavam somente as áreas interioranas. 

A importância do carvão para a geração de energia elétrica não parou mais de crescer – estudos indicam que cerca de 405 de toda a energia elétrica consumida atualmente no mundo é gerada a partir da queima do carvão. Essa queima responde por um volume entre 30 e 35% das emissões mundiais de gás carbônico (CO2), um dos principais gases responsáveis pelo Efeito Estufa.   

Foi justamente a busca por uma fonte de geração de energia mais limpa que levou ao uso crescente do gás natural em centrais termelétricas. Apesar de também ser um combustível fóssil, as emissões da queima do gás natural são muito menores que as do carvão. 

Com a ascensão gradativa dos partidos “verdes” em muitos países – especialmente na Europa, foram criadas inúmeras políticas para a descarbonização da produção de energia. Centrais termelétricas a gás passaram a substituir suas congêneres a carvão por todos os cantos. Além disso, os países passaram a incentivar a geração de energia a partir de fontes renováveis como a eólica e a fotovoltaica. 

Dentro desse cenário, onde as fontes geradoras de energia elétrica eram limpas ou muito próximas disso, fazia todo sentido incentivar a produção e a venda dos carros elétricos. Entretanto, a crise energética na qual o mundo inteiro acabou entrando, mudou bastante esse cenário e a fotografia do carro elétrico sendo abastecido a partir de um gerador a diesel passou a estar muito próxima do mundo real. 

Vários países da Europa estão reativando suas velhas e poluentes centrais termelétricas a carvão por pura falta de opção. Além de jogarem por terra anos e mais anos de esforços para a descarbonização de suas matrizes energéticas, esses países correm contra o tempo para evitar uma falta generalizada de energia durante o rigoroso inverno europeu. 

Essa crise também jogou luz sobre um problema para o qual muito pouca gente dava bola até então – parte importante da energia elétrica consumida atualmente no mundo vem de fontes sujas como o carvão. Quando uma pessoa recarrega seu carro elétrico da última moda numa tomada alimentada por essa energia “suja”, ela está, literalmente, reproduzindo a imagem da fotografia. 

Pessoalmente, eu sou um fã inveterado dos carros elétricos e não é de hoje. Lembro muito bem dos carros elétricos pioneiros fabricados pela Gurgel ainda na década de 1970 – eu sempre sonhei em ver o dia em que todos os carros aqui da minha cidade fossem desse tipo, deixando de lançar fumaça pelos escapamentos. 

A nova geração de carros elétricos que estamos vendo nascer agora ajuda a transformar uma parte do meu sonho de adolescente em realidade. Eles não poluem o ar das cidades e são bastante silenciosos. Entretanto, isso só resolve parte do problema – é preciso que as fontes geradoras de energia elétrica sejam limpas e renováveis

A equação ambiental precisa fechar em todas as suas pontas e sem deixar resto… 

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A DISPUTA PELO CONTROLE DAS RESERVAS DE LÍTIO

Na última postagem fizemos uma rápida exposição dos problemas enfrentados pelos proprietários de automóveis elétricos. Num mundo que tenta – a força, ser cada vez mais “verde”, os veículos elétricos surgiram como uma opção para um transporte eficiente e não poluente em grandes cidades. 

Nos últimos meses, com o agravamento da crise energética mundial, conectar um desses veículos numa tomada para fazer a recarga das baterias virou uma espécie de heresia. No caso da Europa, um dos continentes mais afetados pelo problema, a geração de energia elétrica está sendo ameaçada pela falta do gás natural que era exportado pela Rússia e que agora não está mais chegando aos antigos clientes europeus. 

Uma outra questão que tratamos há algumas semanas atrás foi o caso da Califórnia, um dos estados mais populosos e ricos dos Estados Unidos. O estado vive uma crise no abastecimento de energia elétrica, criado por problemas climáticos e redes de transmissão obsoletas, e criou uma campanha publicitária voltada para os proprietários de carros elétricos – não recarreguem seus veículos nos horários de pico sob risco de blackout

Os problemas ligados aos veículos elétricos, entretanto, são bem mais complexos que a falta de energia elétrica para a recarga. Gostaria de focar hoje no problema das baterias usadas na fabricação desses veículos e dos riscos de falta de uma matéria prima essencial – o lítio

O lítio é o metal mais leve que existe na natureza, possuindo uma densidade de cerca de 0,5 grama por centímetro cúbico. Se qualquer um dos leitores consultar uma Tabela Periódica, vai ver que o lítio vem logo após o hidrogênio e o hélio, os elementos mais leves que existem na natureza. Graças ao baixo peso e a sua boa condutividade elétrica, o lítio passou a ser uma excelente opção para a fabricação de baterias.

Para efeito de comparação: o chumbo, metal pesado muito utilizado na fabricação de baterias de automóveis (as famosas baterias de chumbo-ácido), tem uma densidade de 11 gramas por centímetro cúbico. Além de ter um peso muito menor, uma bateria de lítio pode armazenar três vezes mais energia do que uma bateria fabricada com chumbo. 

Graças a isso, baterias e pilhas de lítio passaram a ser largamente usadas em equipamentos eletro portáteis como telefones celulares, games, tablets e computadores, entre muitos outros. Outra aplicação de muito sucesso para esse tipo de bateria é nos veículos elétricos – de bicicletas a motocicletas, de carros a caminhões. Existem, inclusive, diversos estudos para seu uso em aeronaves como os Evtols (na sigla em inglês – veículos de pouso e decolagem vertical à base de eletricidade) e aviões. 

Um exemplo da praticidade dessas baterias: um carro da marca Tesla, um dos maiores fabricantes mundiais de veículos elétricos, utiliza um conjunto de baterias de lítio com cerca de 200 kg de peso. Se o mesmo veículo tivesse de usar baterias fabricadas com placas de chumbo, esse peso certamente passaria para algo entre 1,5 e 2 toneladas, algo que tornaria o veículo pesado demais e inviável tecnicamente.  

A explosão na quantidade e diversidade de aparelhos eletrônicos fez a produção de baterias de lítio aumentar muito a partir de 1990. A atual demanda mundial pelo metal é da ordem de 450 mil toneladas/ano. Segundo projeções da IEA – Agência Internacional de Energia, na sigla em inglês, o consumo de lítio deverá aumentar em mais de 40 vezes até o ano de 2040.  

É aqui que começam os problemas – as maiores reservas conhecidas do metal ficam na Bolívia, Chile e Argentina, numa região que ficou conhecida como o “triângulo do lítio”. Essa região concentra 68% das reservas mundiais de lítio. As maiores reservas ficam na Bolívia, país que detém 30% das reservas mundiais, seguida pelo Chile, com 21%, e pela Argentina, com 17% das reservas. 

A história nos ensinou que a concentração da posse de algum produto ou matéria prima por um grupo muito pequeno de pessoas ou países leva a preços de venda exorbitantes. Vou lembrar aqui do caso dos mercadores italianos que, durante séculos, monopolizaram a importação e a venda das especiarias do Oriente na Europa. A busca pela quebra desse monopólio foi o que levou os portugueses a se lançar ao mar e resultou no descobrimento do Brasil em 1500. 

O lítio é encontrado em uma salmoura rica em minerais que fica cerca de dez metros de profundidade sob os lagos salgados e salinas de altitude – os conhecidos “salares”, tipo de formação bastante comum na região do “triângulo do lítio”. A extração do metal, conforme tratamos em uma postagem anterior, é bastante problemática para o meio ambiente. 

Para que todos tenham uma ideia do crescimento da demanda pelo lítio – em 2021 foram vendidos cerca de 6,3 milhões de veículos elétricos em todo o mundo. As projeções para 2030 falam de 26,7 milhões de veículos. Também entram nessa conta alguns bilhões de telefones celulares, computadores, tablets e mais uma infinidade de ouros equipamentos que utilizam baterias. 

A forte demanda e a concentração da matéria prima em poucos países está criando fortes tensões entre grandes potências como Estados Unidos, China e países da União Europeia. Todos esses países buscam criar “boas relações com os donos” desse metal. O problema é que a América Latina sempre foi uma espécie de “quintal” dos Estados Unidos – os norte-americanos estão incomodados com um aumento cada vez maior da influência econômica da China na região, além das “ciscadas” de muitos países europeus. 

Existem inúmeras pesquisas em universidades e empresas de todo o mundo na busca por materiais alternativos para a fabricação de baterias. Uma das promessas, onde há uma forte participação de empresas e universidades brasileiras, é uma associação de nióbio com grafeno. Uma das grandes vantagens das baterias fabricadas com esses materiais é o baixíssimo tempo necessário para a recarga. 

Enquanto não surgirem alternativas como essas, o lítio vai continuar reinando com um dos melhores materiais para a fabricação de baterias e os grandes países do mundo vão ficar, literalmente, nas mãos de um pequeno punhado de países, que vendem o metal “a peso de ouro”. Essa é, justamente, uma das razões para o alto preço dos carros elétricos. 

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O DILEMA DOS CARROS ELÉTRICOS EM UM MUNDO EM CRISE ENERGÉTICA 

Carros elétricos estão na moda. Aliás, podemos até afirmar que eles viraram uma “febre” nos últimos anos. Um dos grandes impulsos para essa indústria foi dado pela grave crise ambiental decorrente das mudanças climáticas, um problema global que passou a ficar cada vez mais evidente nas últimas décadas. 

Os combustíveis fósseis, especialmente derivados de petróleo como a gasolina e o óleo diesel, ganharam o rótulo de “grandes vilões” do meio ambiente. Durante mais de um século, esses combustíveis movimentaram frotas gigantescas de veículos nas ruas das cidades e nas estradas de todo o mundo. A passagem desses veículos sempre deixava um rastro de poluição atmosférica, um mal que foi crescendo cada vez mais. 

Os carros movidos a eletricidade, que durante muito tempo foram tratados como uma excentricidade de alguns malucos, surgiram como uma alternativa de transporte limpo e eficiente, despertando cada vez mais o interesse de grandes montadoras e conquistando cada vez mais a preferência dos consumidores. 

Apesar da aura de modernidade, os carros elétricos são uma ideia antiga, tão antiga quanto os carros com motores a combustão interna. Diversos experimentos com baterias e motores elétricos foram feitos durante todo o século XIX. Em 1881, o francês Gustave Trouvé saiu as ruas com um triciclo movido a eletricidade. 

Outro pioneiro na área foi o inglês Thomas Parker que, em 1884, construiu um carro elétrico que usava para ir diariamente ao trabalho. Em 1888, surgiu na Alemanha o Flocken Eletrowagen, uma espécie de carruagem movida por um motor elétrico. Nesse mesmo ano, o lendário Ferdinando Porsche criou o seu carro elétrico, o primeiro da famosa marca alemã. 

A funcionalidade desses veículos, entretanto, não ra das melhores, especialmente por causa das problemáticas baterias disponíveis há época. Essas baterias eram do tipo chumbo-ácido, e liberavam gases tóxicos durante a recarga. Pior ainda – essas baterias podiam explodir durante o processo de recarga. Os motores a combustão interna, que se mostraram mais seguros e funcionais, acabaram por impor sua hegemonia. 

Foi justamente o grande desenvolvimento das baterias nas últimas décadas a mola propulsora da indústria dos carros elétricos que assistimos atualmente. A partir da invenção dos transistores no final da década de 1950, a indústria de aparelhos eletrônicos ganhou forte impulso, o que, por sua vez, acabou estimulando o desenvolvimento de pilhas e de baterias cada vez mais eficientes. 

Na década de 1970, com a popularização cada vez maior dos computadores pessoais – especialmente os “portáteis”, a busca por pilhas e baterias cada vez menores e mais eficientes ganhou um novo fôlego. Nas décadas seguintes, com a popularização dos games portáteis, walkman (quem tem mais de 40 anos lembra deles) e dos telefones celulares, as indústrias foram forçadas a buscar soluções técnicas cada vez mais inovadoras. 

Metais raros e caros como o lítio, o níquel e o cobalto, passaram a ser utilizados na fabricação das baterias, o que garantiu uma significativa redução no peso e no tamanho das unidades, além de proporcionar uma carga elétrica com duração cada vez maior. E foram justamente esses desenvolvimentos que permitiram a criação de veículos elétricos eficientes e “ambientalmente” limpos nos últimos anos. 

Um dos fabricantes de maior prestígio atualmente é a norte-americana Tesla. Um veículo de luxo da marca utiliza um conjunto de baterias recarregáveis de lítio com cerca de 200 kg de peso e autonomia para percorrer mais de 400 km com uma uma única recarga nas baterias. Apesar do preço bem salgado, os carros da marca possuem um excelente apelo de marketing ambiental – o proprietário roda toda essa quilometragem sem emitir poluentes na atmosfera. 

De acordo com informações do mercado, a Tesla fabricou cerca de 900 mil carros em 2021, e projeta atingir a marca dos 2 milhões agora em 2022. E ela não está sozinha nesse mercado – surgiram uma infinidade de outros fabricantes, inclusive as tradicionais grandes montadoras de veículos, que gradativamente estão abandonando os motores a combustão interna e passando para linhas de veículos híbridos e/ou totalmente elétricos. 

Anunciados como uma espécie de salvação do meio ambiente, os veículos elétricos foram ganhando cada vez mais espaço no mercado e provocando outras mudanças. Um exemplo: anúncios de novos edifícios em construção aqui na minha vizinhança estão ficando diferentes – todas as peças publicitárias destacam que as vagas de veículos são dotadas de tomadas elétricas para a recarga. Os edifícios também vão contar com sistemas de geração elétrica fotovoltaica. 

A recarga dos veículos elétricos, inclusive, passou a ser um dos grandes problemas para os novos proprietários. Além de não existirem pontos de recarga em quantidade suficiente e bem distribuídos nos bairros das cidades e ao longo das rodovias, o tempo de recarga para as baterias usadas atualmente nos veículos é muito longo. Essas “pequenas” dificuldades são limitadoras importantes para um crescimento ainda mais expressivo da frota de veículos elétricos no mundo. 

Um outro problema grave surgiu nos últimos meses: diversos países do mundo – especialmente na Europa, passaram a enfrentar uma gravíssima crise energética. O gás natural, cujo maior fornecedor para os países europeus era a Rússia, simplesmente desapareceu do mercado. Sem dispor de gás em abundância, esses países perderam a sua capacidade de gerar energia elétrica para atender plenamente os seus cidadãos. 

Os países europeus não estão sozinhos nesse drama – outros países também estão enfrentando suas próprias crises energéticas por razões um pouco diferentes. Aqui entram problemas provocados por fortes estiagens, elevação dos preços do carvão, do petróleo e do gás natural, problemas na transmissão de energia elétrica a longas distâncias, entre outros. 

Recapitulando o que já tratamos em postagens anteriores, uma enorme onda de “políticas verdes” varreu diversos países nas últimas décadas e “fontes de energia suja” foram sendo gradativamente varridas do mapa. Essa onda foi muito forte na Europa. Aqui se incluem principalmente a queima de carvão e de outros combustíveis fósseis. O gás natural, que apesar da sua origem fóssil, é bem menos poluente e ganhou espaço como fonte energética no continente. 

Sem contar com o gás natural, a maioria dos países da Europa está, literalmente, penando para gerar eletricidade, inclusive com a reativação de centrais termelétricas a carvão. A capacidade de geração de energia na Europa será colocada a prova nos próximos meses – o inverno está chegando e o consumo de energia deverá aumentar drasticamente. 

E a pergunta que não quer calar – será melhor usar a energia elétrica para abastecer os ecológicos e descolados carros elétricos ou usar essa energia para aquecer as casas em meio ao inverno rigoroso? 

Continuaremos na próxima postagem. 

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AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS RISCOS DE NOVOS CONFLITOS ARMADOS NA ÁFRICA 

Entre os meses de abril e julho de 1994, Ruanda foi tomada por um violento conflito étnico entre os membros das etnias tutsi, twa e hutus. Essa grande tragédia humanitária contemporânea ficou conhecida como o genocídio de Ruanda e também como o genocídio dos tutsis. Estimativas apontam que um número entre 500 mil e 1 milhão de tutsis morreram durante esse conflito. 

As raízes da rivalidade étnica no país remontam aos tempos da colonização pela Bélgica, encerrada após a independência em 1962. Até então, os colonizadores privilegiavam a indicação de tutsis para ocupar cargos chave na administração pública, uma preferência que desagradava, e muito, a maioria hutu da população. Os embates de 1994 foram uma espécie de “desforra” histórica entre os grupos. 

Oficialmente, a África é formada por 55 países independentes, com governos e leis próprias. No mundo real, entretanto, não existe nada mais artificial do que essas fronteiras entre os países africanos, fronteiras essas que foram decididas em sua esmagadora maioria nos gabinetes de governos da Europa em séculos passados.  

Esses governos simplesmente dividiram o grande “Continente Negro” em colônias destinadas a atender seus interesses. Se as populações que viviam nesses pedaços de territórios há dezenas de milhares de anos tinham ou não diferenças ou problemas de relacionamento, isso não fazia a menor diferença para as Metrópoles na Europa. 

Vou citar apenas o exemplo de Angola, país que também teve uma colonização portuguesa como o Brasil. Existem 22 grupos étnicos principais no país, além de uma infinidade de divisões entre esses grupos. Entre os principais grupos destacam-se os Umbundu, Kimbundu, Kikongu, Tchokwe, Fiote, Kwanyama e Nhaneca. Cada grupo tem sua própria cultura, costumes e língua, apresentando muitas vezes grandes diferenças na aparência física. 

Muitos desses grupos vinham se estranhando e lutando entre si milhares de anos antes do desembarque dos primeiros navegadores portugueses no início do século XVI. Aliás, os negros escravizados que traficantes portugueses e ingleses, entre outros, vendiam nas Américas, eram prisioneiros capturados nas guerras entre esses grupos e que eram trocados por ouro, armas de fogo e até mesmo cachaça e fumo com os europeus. 

As fronteiras territoriais de Angola e da imensa maioria dos atuais países que formam a África não respeitaram, nem de longe, os antigos territórios tribais desses grupos étnicos. A maioria dos conflitos e guerras que ocorrem na África atualmente estão ligadas diretamente as disputas entre esses diferentes grupos. 

De acordo com um artigo do CSIC – Centro Superior de Investigações Científicas, da Espanha e publicado pelo boletim de notícias acadêmicas The Conversation em julho último, foram identificadas 2.653 células territoriais em todo o continente africano entre os anos de 1990 e 2016. Esse número impressionante nos dá uma boa ideia da verdadeira “colcha de retalhos” que é a África e do potencial de conflitos armados que podem ocorrer nas disputas entre esses grupos. 

As mudanças climáticas que já estão sendo sentidas por todo o continente africano e suas consequências, especialmente em perdas de áreas agricultáveis e na disponibilidade por água, poderão atuar como verdadeiros estopins em disputas armadas entre todas essas diferentes células territoriais. 

Vou citar um exemplo já apresentado em uma postagem anterior: a forte seca que está assolando todo o Chifre da África e que já provocou o deslocamento forçado de mais de 1 milhão de pessoas desde 2021, isso segundo números da ONU – Organização das Nações Unidas. 

Essa região ocupa um território com cerca de 1,88 milhão de km2, onde se incluem os territórios da Somália, Eritréia, Etiópia e Dijibuti. A seca também está afetando todo o Norte do Quênia. Sem entrar em maiores detalhes, essa região já abrigou colônias da Grã Bretanha, da França e da Itália, o que delineou a maioria das fronteiras nacionais. Conflitos regionais levaram a novas divisões territoriais. 

No total, o Chifre da África abriga uma população de aproximadamente 120 milhões de habitantes, que, além das respectivas identidades nacionais, são divididos em inúmeros grupos étnicos, linguísticos e, principalmente, religiosos. Assolados pela fome e pela falta de água, gigantescos grupos são obrigados a abandonar suas terras ancestrais e buscar refúgio em outras regiões em melhores condições. 

Imagem uma situação hipotética: habitantes de uma vila de maioria muçulmana em uma determinada região mais ao Norte migra para o Sul, invadindo o território de uma vila onde a maioria da população é cristã. Além dos embates que surgirão na disputa pelos recursos naturais – especialmente as fontes de água, algum dos leitores tem dúvida que as diferenças de religião também irão aflorar? 

Esse é, em resumo, um rápido panorama do que já está acontecendo em diferentes partes da África. O avanço das areias de desertos como o Saara, a diminuição das chuvas em uma região ou até mesmo a disputa pelos recursos madeireiros de uma floresta ou da água de um rio – tudo tenderá a ser motivo para conflitos graves entre os diferentes grupos dessa grande colcha de retalho. 

Um dos maiores conflitos já engatilhados e que em breve poderá desencadear numa guerra regional é a disputa pelas águas do lendário rio Nilo. Além do Egito e do Sudão, países que aprendemos associar ao rio Nilo nas nossas aulas de história nos tempos do ensino fundamental, a bacia hidrográfica inclui outros sete países: Etiópia, Uganda, Tanzânia, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi e Ruanda. 

Esses países, já há muito tempo, não conseguem se entender sobre o uso compartilhado das águas do rio. Um exemplo é a Etiópia, país que está construindo várias represas de grande porte na calha do rio Nilo, sem se preocupar em discutir os impactos ambientais com os países localizados a jusante da bacia hidrográfica. 

Com o avanço das mudanças climáticas e com as alterações nos ciclos das chuvas nessa região, as disputas pelo controle das águas do rio Nilo só tenderão a se agravar. Daí para uma guerra regional será apenas um passo. Além das disputas nacionais entre os países, é de se esperar também uma série de embates entre os diferentes grupos ou células territoriais desses mesmos países. 

A questão é bem mais grave e profunda do que se mostra na superfície. Um futuro, nem tão distante assim, nos reserva tempos difíceis e bastante incertos… 

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS AMEAÇAM A PRODUÇÃO AGRÍCOLA DA ÁFRICA

No final de 2021, um relatório do FIDA – Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura, uma agência da ONU – Organização das Nações Unidas, divulgou preocupantes perspectivas para a produção agrícola na África. O texto alertava que a produção de alimentos básicos em oito países africanos poderá cair até 80% em 2050, por conta das mudanças climáticas.

Segundo o relatório, países como Angola, Lesoto, Malawi, Moçambique, Ruanda, Uganda, Zâmbia e Zimbabwe sofrerão com o aumento das temperaturas e a redução da produção de alimentos básicos. Um exemplo citado no texto foi a província angolana de Namibe, onde a produção familiar do milhete poderá cair em 77%. 

Conforme tratamos em uma postagem anterior, o milhete é um dos alimentos básicos de grandes populações em regiões de clima semiárido da África. Esse cereal é originário da região do Sahel, uma faixa semiárida localizada ao Sul do Deserto do Saara, sendo uma cultura que se adapta bem ao clima seco e a baixa disponibilidade de água. 

Além de representar uma boa opção para a alimentação humana, o milhete produz uma excelente forragem para a alimentação de animais domésticos como bois e cabras. Uma das desvantagens do milhete é a sua baixa produtividade quando comparada a outros grãos importantes como o milho e o trigo. 

A exceção de Ruanda e Uganda, países localizados na região central do continente, todos os demais países mais fortemente ameados pelas mudanças climáticas ficam na África Austral. Conforme já tratamos em outras postagens, essa extensa região da África está sendo fortemente afetada por mudanças climáticas do Oceano Índico. 

De todos os oceanos do mundo, o Índico é o que vem apresentando as mudanças mais visíveis decorrentes do aquecimento global. De acordo com medições da temperatura das águas superficiais, procedimento que vem sendo feito de maneira ininterrupta desde o final do século XIX, essas águas estão ficando significativamente mais quentes, o que está afetando as correntes marítimas e os ventos. 

Um exemplo das consequências dessas mudanças já pode ser visto claramente em alterações nos padrões das chuvas no Sul da África e também no Sul e Sudeste da Ásia. Secas fortes e persistentes tem se abatido sobre a África Austral, afetando centenas de milhões de pessoas. Na Ásia, essas mudanças estão alterando o ciclo da Monção, importante temporada de chuvas em uma extensa área que vai do Subcontinente Indiano até as ilhas do Sudeste Asiático. 

Extensas regiões de clima semiárido na África Austral, onde a agricultura sempre foi problemática e de baixa produtividade, estão assistindo a um aumento gradual dos seus problemas por causa da redução das chuvas. Além disso, os especialistas preveem um aumento de cerca de 2° C nas temperaturas dessa região. 

Em terras localizadas ao Norte, a origem do problema tem outro nome – Saara, o maior deserto do mundo. Ocupando uma área de aproximadamente 9,5 milhões de km2, o poderoso deserto influencia o clima de grande parte da África, do Oriente Média e do Sul da Europa. 

Esse colosso, citando versos de nosso hino nacional, não está deitado em berço esplendido. Estudos recentes feitos por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, concluíram que o Saara cresceu cerca de 7 mil km² a cada ano entre 1920 e 2013. Com isso, o Saara ficou cerca de 10% maior em apenas um século.   

As fortes ondas de calor e as secas que vem se tornando cada vez mais frequentes na Europa, tem parte significativa de sua origem nesse “crescimento” do Deserto do Saara. Também já citamos em postagem aqui do blog a preocupação de muitos cientistas em relação ao aumento dessa influência climática no Mar Mediterrâneo Oriental e no Oriente Médio. 

Na África, o Deserto do Saara vem espalhando suas areias na direção Sul, ocupando cada vez mais as terras semiáridas da faixa do Sahel. Essa é uma região de transição entre o clima desértico do Saara e as savanas e florestas da África Central. 

Com uma largura entre 500 e 700 km, o Sahel se estende do litoral do Oceano Atlântico, a Oeste, até o Mar Vermelho a Leste. Essa grande faixa de transição climática atravessa trechos da Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul e Eritréia. 

Apesar do clima difícil e dos solos com fertilidade reduzida, as populações tradicionais que ali vivem há vários milênios vem conseguindo sobreviver com sua agricultura de subsistência e com a criação de seus rebanhos animais. Com o avanço do Deserto do Saara, entretanto, a sobrevivência dessas populações está ameaçada. 

Sob a coordenação da União Africana e com apoio da UNCCD – Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, na sigla em inglês, está em andamento desde 2007, o Projeto da Grande Muralha Verde do Sahel. O principal objetivo da Muralha Verde é recuperar as grandes extensões da vegetação de estepe que foi perdida para os desmatamentos numa faixa com cerca de 8 mil km e conter o avanço das areias do Deserto do Saara. O projeto já consumiu US$ 8 bilhões.  

Entre as espécies de árvores que estão sendo plantadas destacam-se a acácia, o mogno, o nim e o baobá, todas adaptadas aos solos e ao clima do Sahel. O grande destaque dessa lista é o baobá, uma árvore que possui um tronco grosso e bulboso, que tem uma grande capacidade para armazenar água. Essa espécie pode viver até 2 mil anos. O baobá produz um fruto de casca marrom, de gosto cítrico e azedo, muito rico em vitamina C, cálcio, magnésio, potássio e ferro. 

Apesar dos inúmeros problemas, que vão da falta de coordenação entre os países ao desvio de verbas, algo muito conhecido por nós brasileiros, o Projeto está avançando e ajudando a recuperar ou minimizar os problemas de áreas agrícolas com solos degradados ao longo de todo o Sahel

Problemas de degradação de solos agrícolas acontecem em todo o mundo. Na África, entretanto, a questão ganha cores mais dramáticas graças a já precária produção agrícola na maioria dos países e ao grande crescimento das populações. O continente possui hoje cerca de 1,2 bilhão de habitantes e caminha a passos largos para bater na marca dos 2 bilhões no final deste século. 

Ou seja, os graves problemas atuais vão, no mínimo, dobrar dentro de poucas décadas. 

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CERCA DE 65% DOS SOLOS AGRÍCOLAS DA ÁFRICA ESTÃO DEGRADADOS 

De acordo com um relatório publicado pela Convenção das Nações Unidas pela Luta contra a Desertificação no final de 2021, 40% dos solos aráveis do mundo poderão estar degradados em 2050. Para que os leitores tenham uma ideia do significado disso essa área corresponde a todo o território da América do Sul.

Essas perdas, que impactam diretamente na segurança alimentar de centenas de milhões de pessoas, são decorrentes da destruição de áreas florestais, do uso inadequado dos solos pelas atividades agrícolas e de mudanças climáticas, além de impactos menores como o crescimento de cidades, realização de obras de infraestrutura, entre outros problemas. 

Nesse mesmo texto, entretanto, o órgão afirma que 65% das terras agricultáveis da África já se encontram degradadas. Essa degradação ocorreu em sua maior parte nos últimos 70 anos, período em que a população do continente cresceu cerca de 600% e atingiu um total de 1,2 bilhão de habitantes. 

Essa exploração insustentável dos recursos naturais tende a agravar cada vez mais os problemas – de acordo com as projeções de crescimento demográfico, a África atingirá 2 bilhões de habitantes até o final deste século. Quanto mais gente, maior será a pressão pela abertura de novas áreas agrícolas. Mais áreas naturais serão devastadas, aumentando cada vez mais a degradação dos solos.  

O continente africano ocupa uma área total de mais de 30 milhões de km2, onde encontramos 54 países independentes. Mais de 1/3 dessa área total são ocupados pelos Desertos do Saara e do Kalahari e, ao menos, outro 1/3 é formado por áreas semiáridas como a grande faixa do Sahel. É importante lembrar que essas áreas deserticas e semiáridas estão aumentando em função das mudanças climáticas. Só por essa rápida amostragem já é possível perceber que os solos férteis não são abundantes na África.

Um grande exemplo das dificuldades da agricultura no continente é a grande produção do milhete, o grão mais cultivado em toda a África. O milhete também é chamado de milho-miúdo, milho-alvo, painço, mileto e pão-de-passarinho. Esse cereal é originário do Sahel, sendo considerado o sexto grão mais cultivado do mundo. A produção do milhete só fica atrás de culturas tradicionais como o trigo, arroz, milho, cevada, sorgo e centeio. 

De acordo com estudos arqueológicos e botânicos, o milhete foi domesticado no Norte do Mali entre 2500 e 2000 antes de Cristo. Graças à sua fácil adaptação a terrenos áridos e secos com baixa fertilidade, a cultura do milhete se espalhou por toda a África Subsaariana, especialmente nas regiões de savanas, bioma que guarda muitas similaridades com o Cerrado, e, especialmente, nas vastas áreas semiáridas da África Austral.  

Por volta do ano 1500 a.C, o milhete chegou à Índia, onde se adaptou bem às áreas semiáridas de regiões como o Rajastão. A partir da Índia, o grão começou a se espalhar por extensas áreas semiáridas da Ásia, se transformando em um importante alimento para grandes contingentes populacionais. No Brasil, os primeiros registros do milhete datam da década de 1960.  

Nas regiões semiáridas da África Austral, em países como Angola, Namíbia, Zâmbia, Botswana, África do Sul, Zimbabwe, Moçambique, entre outros, e também na faixa do Sahel, onde encontramos países como Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul e Eritréia, o milhete é, pela falta de outras opções, um dos alimentos básicos das populações. 

O milhete possui um alto valor nutritivo para alimentação humana, com cerca de 24% de proteína bruta, boa palatabilidade e digestibilidade. Também é um excelente alimento para animais domésticos, podendo proporcionar ganhos de até 600 kg/hectare de peso vivo. 

Um dos grandes problemas da cultura é a sua baixa produtividade, que oscila entre 500 e 1.500 kg por hectare – em solos mais secos essa produtividade raramente ultrapassa os 100 kg por hectare. Para efeito de comparação, a produtividade média da soja no Brasil é de 3 toneladas/hectare e de 4,3 toneladas/hectare para o milho. Em algumas regiões da Europa, a produtividade do trigo chega a 7 toneladas/hectare. Ou seja – a maioria dos agricultores africanos trabalha muito para colher pouco.

Um outro alimento importante na dieta de dezenas de milhões de africanos é a nossa boa e velha mandioca, planta que foi levada por naus portuguesas para o continente ainda no início da nossa colonização. Aliás, a Nigéria é o maior produtor mundial de mandioca. Também se destacam nessa lista Angola, Moçambique, Gana e República Democrática do Congo. 

Existem dezenas de espécies de mandioca e milhares de cultivares diferentes criados a partir de processos de seleção artificial das plantas. Muitas dessas espécies se adaptam muito bem a solos pobres e secos como aqueles encontrados no Semiárido Brasileiro. São justamente essas espécies mais resistentes que estão se transformando na tábua de salvação de muita gente nas áreas semiáridas da África. 

Além de enfrentar problemas naturais dos solos associados diretamente ao clima semiárido, a África enfrenta outros decorrentes da destruição de florestas. Na postagem anterior falamos da destruição da Floresta do Congo, a maior da África e a segunda maior floresta tropical do mundo. 

Estudos mostram que algo em torno de 80% dessa destruição é feita pelas mãos de pequenos agricultores, que abrem grandes clareiras no meio da mata para o plantio de seus roçados de subsistência. Assim como acontece na nossa Floresta Amazônica, a fertilidade dos solos dessa floresta africana depende da presença da vegetação da própria floresta. Quando expostos às chuvas, ao sol e aos ventos, esses solos perdem a fertilidade em poucos anos, o que obriga os agricultores a procurar novas áreas para a criação de campos de cultivo. 

O exemplo mais caótico dessa exploração irracional dos solos é o que encontramos na Ilha de Madagascar, situada ao largo do litoral Sudeste da África. Cerca de 90% do território malgaxe era coberto originalmente por florestas tropicais. Hoje restam entre 10 e 15% da cobertura vegetal da ilha. A raiz de toda essa destruição está na prática dessa forma de agricultura tradicional para o plantio de arroz, alimento básico da população. 

A caótica situação da degradação de solos férteis na África requer ações urgentes dos Governos locais e de organismos internacionais. A complexa equação da produção agrícola x o crescimento populacional não fecha e as consequencias, que já muito sérias hoje, serão gravíssimas a longo prazo.

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A DESTRUIÇÃO “SILENCIOSA” DA FLORESTA DO CONGO

Quem é um pouco mais velho deverá se lembrar de alguns antigos seriados de televisão que eram “ambientados” na África. Cito de memória Tarzan, Daktari e Jim das Selvas. Nos episódios, os protagonistas ora apareciam cruzando planícies de um verde quase infinito das savanas, ora estavam embrenhados em densas florestas ou ainda escalando escarpas de montanhas. Em todos esses ambientes era surpreendente o número de animais selvagens que eles encontravam. 

Diferente das paisagens que assistíamos nesses seriados, a África apresenta uma enorme diversidade de biomas, indo de desertos de areias escaldantes como em alguns trechos do Saara e do Kalahari, florestas equatoriais densas como a do Congo, savanas até cadeias de montanhas com os cumes cobertos por grandes geleiras. Apesar de toda essa diversidade, a imagem de florestas densas com o Tarzan pendurado em cipós é uma das mais fortes em nossa lembrança. 

A exemplo do que vem ocorrendo nos quatro cantos do mundo, as florestas da África estão sendo devastadas a uma velocidade impressionante. Um dos piores casos é o de Madagascar, a grande ilha localizada ao largo do Sudeste do continente. Estimativas afirmam que algo entre 85 e 90% da cobertura florestal original de Madagascar já foi destruída por ações humanas, especialmente para a criação de campos agrícolas. 

Um dos principais produtos agrícolas de Madagascar é o arroz, que é plantado em pequenos lotes com menos de 2 hectares. Esses lotes têm sua cobertura vegetal derrubada e queimada, numa prática conhecida pelos malgaxes como “tavy”, muito parecida com a coivara praticada por indígenas e caboclos brasileiros.  

Esses lotes produzem por um período máximo de 2 anos, quando então são abandonados para um período de “descanso” entre 4 e 6 anos. Passado esse período, o lote volta a ser plantado. Esse ciclo de uso da terra dos lotes pode ser repetido de 2 a 3 vezes, quando então a terra é abandonada por absoluta falta de fertilidade e novos trechos de matas nativas serão transformados em lotes agrícolas.   

Essa forma de agricultura primitiva é encontrada por todos os cantos da África e apresenta resultados devastadores para o meio ambiente: estudos indicam que cerca de 2/3 das terras agrícolas da África estão degradadas. Falaremos sobre isso numa próxima postagem. 

Um dos lugares onde esse tipo de devastação ambiental segue com força é na Floresta do Congo, a segunda maior floresta equatorial do mundo, que só perde em tamanho para a Floresta Amazônica. A Floresta do Congo se espalha entre a República Democrática do Congo, República do Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Camarões e República Centro-Africana. 

A Floresta do Congo ocupa uma área total de mais de 2 milhões de km², o que equivale a quase metade da área do trecho brasileiro da Floresta Amazônica. Se incluirmos na conta alguns sistemas florestais de transição como savanas e florestas secundárias, a área total dessa Floresta aumentará para 3 milhões de km². 

Especialistas afirmam que a Floresta do Congo abriga um total de 10 mil espécies de plantas, sendo que 30% são exclusivas do bioma. Também é o habitat de uma infinidade de espécies de animais da fauna carismática (espécies que representam ecossistemas) como elefantes, girafas, chimpanzés e gorilas, entre muitas outras. Espalhados nessa extensa área vive um total de 75 milhões de pessoas pertencentes a, pelo menos, 150 etnias diferentes.   

Diferentemente do que ocorre com a Floresta Amazônica, cuja “destruição” é pauta diária de líderes internacionais, artistas e famosos em geral, a Floresta do Congo está sendo destruída “silenciosamente”. De acordo com estudos de pesquisadores norte-americanos, feitos mediante a análise de imagens de satélites entre 2000 e 2014, a Floresta do Congo perdeu uma área de 165 mil km2 no período. Isso corresponde a mais de 8% de sua área total ou uma área equivalente ao Estado do Ceará. 

Cerca de 80% dessa destruição silenciosa é feita pela força dos machados de pequenos agricultores, que abrem pequenas clareiras na mata para o plantio de suas culturas de subsistência. O Gabão, onde existe uma devastação mais mecanizada para a exploração da madeira, é a exceção. 

Uma outra ameaça à floresta é o cultivo da palma da Guiné ou dendezeiro, cujo fruto é a matéria prima para a produção do óleo de dendê. Grupos ambientalistas internacionais afirmam que mais de 2,6 milhões de hectares de matas da Floresta do Congo e de sistemas florestais vizinhos já foram transformados em áreas de cultivo da palma, especialmente na República do Congo e também na Serra Leoa e na Libéria. 

Os frutos dos dendezeiros são pequenos cocos com amêndoas ricas em óleo vegetal de altíssima qualidade. Uma das principais características desse óleo é a sua alta produtividade por hectare plantado, cerca de 10 vezes maior que a da soja, 4 vezes maior que o amendoim e 2 vezes maior que a do coco. 

O óleo de palma ou azeite de dendê responde por cerca de 35% de todos os óleos de origem vegetal produzidos no mundo, gerando negócios da ordem de US$ 40 bilhões a cada ano. Trata-se de um produto versátil, que pode estar presente em cerca da metade dos produtos vendidos em um supermercado, indo de alimentos a produtos de beleza.  

Uma das aplicações mais recentes do azeite de dendê e que fez o seu consumo explodir foi seu uso como biocombustível em motores a diesel. Felizmente, muitos países – especialmente da Europa, perceberam a insustentabilidade da produção do dendê e passaram a limitar seu uso como biocombustível. 

Também precisamos incluir na conta da destruição da Floresta do Gongo a mineração descontrolada, especialmente de coltan, um mineral com grande demanda pela indústria eletroeletrônica. Cerca de 75% das reservas mundiais desse mineral ficam dentro dos domínios dessa floresta, principalmente no território da República Democrática do Congo.  

A mineração no Congo é controlada por uma infinidade de grupos militares e paramilitares, que travam uma longa guerra civil há várias décadas. Esse conflito já matou perto de 6 milhões de pessoas, sendo que aproximadamente 4 milhões dessas mortes estão ligadas a disputas pelo controle de áreas de mineração. Entre os envolvidos estão políticos e funcionários públicos, militares das forças governamentais, líderes tribais, entre muitos outros.  

E toda essa devastação da Floresta do Congo está ocorrendo diante de um silencio ou até mesmo cumplicidade da comunidade internacional, que parece só se preocupar com as queimadas na Floresta Amazônica. 

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PAÍSES AFRICANOS PERDEM ATÉ 15% DO PIB POR CAUSA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS 

Quem se interessa pelas áreas de meio ambiente e, especialmente, pelas mudanças climáticas, é bombardeado todos os dias por uma enorme carga de notícias, pesquisas e afirmações de um sem número de especialistas e também de “especialistas”. 

Existem alguns problemas bastante preocupantes e urgentes. Vou citar o exemplo dos países da Europa que foram atingidos por uma “tempestade perfeita” nesses últimos meses. O continente sofre com fortes ondas de calor e de seca, com problemas na área da energia e, ao que tudo indica, terá uma importante redução na sua produção de alimentos na atual safra. Para completar, toda a UE – União Europeia, está em vias de entrar numa fase de recessão econômica. 

Qualquer um dos leitores que fizer uma pesquisa nas postagens publicadas aqui no blog nos últimos meses vai constatar que problemas ambientais na Europa dominaram. Isso aconteceu, principalmente, depois do início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. 

Entretanto, os continentes que mais estão sofrendo com problemas ambientais associados às mudanças climáticas são a África e a Ásia. De acordo com CCVI – Índice de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas, Bangladesh, Índia e República Democrática do Congo lideram a lista dos 30 países mais ameaçados por essas mudanças. 

O CCVI é uma ferramenta que analisa os impactos de eventos climáticos extremos como secas, tempestades, ciclones e incêndios florestais, entre outras, que se refletem em estresse hídrico, perdas em lavouras, avanço do mar sobre regiões costeiras, entre outros problemas. São analisadas informações de mais de 190 países. 

Um exemplo claro do que está acontecendo nessas regiões foi uma recente declaração do economista-chefe interino e vice-presidente do Grupo Banco Africano de Desenvolvimento, Kevin Urama. Segundo ele, “a África perde entre 5 a 15% do seu crescimento do PIB per capita devido às alterações climáticas e impactos relacionados”. 

A declaração foi feita durante o Egypt-ICF 2022 – Fórum de Cooperação Internacional do Egito, realizado entre os dias 7 e 9 de setembro. O evento contou com a presença de ministros de economia, finanças e de desenvolvimento de grande parte dos países da África. 

O continente africano ocupa uma área total de mais de 30 milhões de km2, onde encontramos 54 países independentes. A população atual é da ordem de 1,2 bilhão de habitantes, o que corresponde a 15% da população mundial. Projeções estatísticas, entretanto, indicam que a África atingirá a marca de 2 bilhões de habitantes até o final desse século. Os problemas que já muito graves hoje, ficarão ainda piores dentro de poucas décadas. 

De acordo com um relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, entidade ligada a ONU – Organização das Nações Unidas, publicado no último mês de março, a África está sendo fortemente prejudicada pelo aumento das temperaturas e por efeitos das mudanças climáticas. Veja: 

Desde meados da década de 1970, se registram aumentos sistemáticos das temperaturas em diferentes partes do continente, que se situam entre 1 e 3º C. Na faixa Norte do continente, onde encontramos o Deserto do Saara e a região do Sahel, esse aumento das temperaturas é mais expressivo. 

Os ventos quentes que sopram a partir dessa vasta região influenciam uma enorme área ao redor. Um exemplo que já tratamos aqui no blog são as ondas de calor que estão atormentando a Europa nos últimos anos e que são influenciadas fortemente pelas altas temperatura no Saara. 

Temperaturas mais altas tem reflexos diretos na escassez de água e na redução das estações para o plantio de culturas agrícolas. Dados da ONU indicam que, desde 1961, o crescimento da produção agrícola em todo o continente foi reduzido em 34% enquanto o crescimento das populações segue em uma escala crescente

Segundo números oficiais, quase 100 milhões de pessoas sofreram de insegurança alimentar aguda e precisaram de ajuda humanitária na África Subsaariana em 2020. Um exemplo bastante atual dessa situação é visto na forte seca que está atingindo a região do Chifre da África, que tratamos em uma postagem recente aqui do blog

O Chifre da África, também conhecido como Nordeste Africano e Península Somali, é uma região com cerca de 1,88 milhão de km2 no nordeste do continente africano, onde se incluem territórios da Somália, Etiópia, Eritréia e Djibuti. Essa é uma região de transição entre o clima árido do Deserto do Saara e das savanas, que também inclui uma faixa no Norte do Quênia. Mais de um milhão de pessoas na região já foram forçadas a abandonar suas terras de origem por causa da seca desde 2021. 

O aumento das temperaturas também significa uma ameaça às geleiras que se encontram em três cadeias de montanhas do continente. Exemplos são as geleiras dos Montes Ruwenzori, que ficam na divisa entre Uganda, República Democrática do Congo e Tanzânia. As “Montanhas da Lua”, como são mais conhecidas, poderão perder completamente suas geleiras já em 2030. Essa situação não é muito diferente nas geleiras dos montes Quênia e Kilimanjaro, que ficam relativamente próximos. 

Conforme já tratamos em diversas postagens aqui do blog, as geleiras das altas montanhas ou glaciares concentram importantes nascentes de rios. A neve que se acumula durante o período do inverno derrete gradativamente ao longo de todo o ano e a água resultante forma as nascentes de inúmeros rios que vão correr pelas planícies mais baixas. A perda maciça de massa em geleiras é uma das grandes ameaças à sobrevivência de importantes rios e ao abastecimento de bilhões de pessoas em todo o mundo. 

As ameaças que existem em terra também se espalham pelas águas dos mares que circundam a África. O aumento das temperaturas está afetando gravemente os bancos de corais, o que tem reflexos diretos nas populações de peixes e outras espécies marinhas. A ONU estima que mais de 12 milhões de pescadores do continente serão diretamente afetados pela redução dos estoques pesqueiros

Como se vê os problemas e os desafios são enormes em toda a África. Vamos falar mais sobre isso nas próximas postagens. 

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OS VAZAMENTOS NOS GASODUTOS DO MAR BÁLTICO

Na última segunda-feira, dia 26 de setembro, um avião de patrulha naval da Dinamarca avistou uma grande perturbação na superfície do Mar Báltico, nas proximidades da Ilha Bornholm (vide foto). Essa ilha pertence a Dinamarca, porém está localizada dentro da zona econômica exclusiva compartilhada com a Suécia. 

Com uma aproximação do local, a tripulação da aeronave pode constatar o borbulhamento da água. Uma das primeiras suspeitas, o que logo depois se confirmou, era se tratar de um vazamento no sistema de gasodutos submarinos da Rússia, que passam ao largo dessa ilha. 

O sistema de gasodutos Nord Stream é formado por dois ramais paralelos que transportam gás natural da Rússia para a Alemanha através do Mar Báltico. O Nord Stream 1 foi inaugurado em 2011, ligando Vyborg, na Rússia a Greifswald, na Alemanha. Esse gasoduto tem 1.224 km de extensão e capacidade para transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural/ano. 

No final de 2021, foi concluída a construção do Nord Stream 2, ligando Ust-Luga, na Rússia, a Greifswald, na Alemanha. Com características técnicas similares ao Nord Stream 1, esse novo gasoduto permitiria dobrar a capacidade de transporte de gás natural da Rússia para a Alemanha, projeto que acabou sendo inviabilizado por causa do início do conflito na Ucrânia. 

No dia seguinte, 27 de setembro, a Guarda Costeira da Suécia encontrou um segundo vazamento e, poucas horas depois, um terceiro vazamento com características semelhantes dentro de suas águas jurisdicionais no Mar Báltico. Informações posteriores confirmaram que centros sismológicos do país haviam detectado duas explosões submarinas nessa área. 

Na quinta-feira, dia 29 de setembro, o governo da Dinamarca comunicou a identificação de um quarto vazamento, também nas proximidades da ilha Bornholm. Todo esse conjunto de vazamentos de gás, localizados dentro de uma mesma área geográfica e identificados num período de tempo pequeno, vem levantando uma série de preocupações e discussões nos últimos dias.  

Como é do conhecimento de todos, a Rússia passou a reduzir gradativamente o envio de gás natural para os países da Europa ao longo dos últimos meses. Essa ação faz parte de um pesado conjunto de represálias aos países da UE – União Europeia, por causa das sanções impostas à Rússia por causa da invasão a Ucrânia. 

Relembrando, a Rússia iniciou uma “ação militar” na Ucrânia em 24 de fevereiro, sob a alegação de proteger minorias russas que vivem em territórios do Leste do país, especialmente nas regiões de Donetsk e Lugansk. Essas regiões possuem uma maioria étnica de origem russa e já conviviam com movimentos separatistas da Ucrânia há vários anos. A invasão russa teve como justificativa a “proteção dessas populações”. 

Com a redução crescente dos volumes de gás natural enviados para a Europa, fornecimento que foi totalmente interrompido poucas semanas atrás, foi desencadeada uma crise energética sem precedentes na Alemanha e na Áustria, países que se tornaram fortemente dependentes dessa fonte de energia. Também entram na lista, com menor grau de dependência, Suécia, Finlândia, França e Holanda, entre muitos outros. 

Na Alemanha, país onde metade do gás consumido era fornecido pela Rússia, teve início uma verdadeira corrida por fontes alternativas de energia. A melhor opção é o uso do GNL – gás natural liquefeito, que pode ser comprado de países do Oriente Médio e dos Estados Unidos. Esse combustível, entretanto, precisa ser transportado por navios especiais e ser estocado em grandes tanques, o que altera toda a estrutura de transporte e de distribuição que vinha sendo utilizada até agora. 

Além dos altos custos envolvidos, o que já resultou em aumentos substanciais nos custos de energia elétrica, essa mudança brusca da matriz energética criou uma verdadeira corrida contra o tempo. O rigoroso inverno do Hemisfério Norte, que começa oficialmente no dia 22 de dezembro, é marcado por um grande aumento do consumo de energia para aquecimento de residências. 

A corrida em busca do aumento dos estoques de gás para o inverno tem forçado muitos países a criar mecanismos de economia no uso do gás. Muitas cidades estão reduzindo o consumo de energia elétrica nos sistemas de iluminação pública, fábricas e empresas estão reduzindo a produção e as jornadas de trabalho. As autoridades econômicas já estão trabalhando com a perspectiva de uma forte recessão em todo o bloco europeu. 

Inúmeras centrais termelétricas a carvão, que vinham sendo erradicadas de todo o território da Europa ao longo dos últimos anos, com toda a certeza voltarão a ser reativadas, anulando todo um conjunto de ações de descarbonização forçada das economias. Também deverão ser reativadas diversas centrais nucleares. A gritaria ambiental de muita gente será silenciada “na marra”. 

As perguntas sem respostas até agora são o que teria provocado essas explosões e quem ou qual país estaria por trás disso. Muitos analistas voltam suas suspeitas para a própria Rússia; outros especulam que os russos não destruiriam uma infraestrutura que custou dezenas de bilhões de dólares para ser construída e lançam suas suspeitas para outros países. 

Uma das poucas certezas que se tem até o momento é que não se trata de um acidente. São quatro vazamentos distintos identificados até agora, ocorridos no decorrer de vários dias e em diferentes pontos das tubulações. Todas as evidencias parecem apontar para ações de sabotagem feitas por gente especializada – provavelmente militares. 

Além dos pesados impactos econômicos, que serão sentidos pelos países por muitos e muitos anos, existe uma enorme preocupação ambiental em função do vazamento de enormes quantidades de gás no meio ambiente marítimo e também na atmosfera. Felizmente, se é possível usar essa palavra, os gasodutos não estavam em operação de bombeamento, mas apenas pressurizados e em espera. 

As estimativas mais conservadoras de ambientalistas e de especialistas sugerem que 500 toneladas métricas de gás metano foram liberadas na atmosfera pelos vazamentos de gás a cada hora. O metano é um importante gás de efeito estufa e um dos principais componentes do gás natural. 

Os grandes volumes de gás natural que se dissolveram nas águas do Mar Báltico também podem ter provocado a morte em cadeia de uma infinidade de espécies marinhas, desde bactérias até peixes, o que só poderá ser quantificado com estudos e pesquisas a longo prazo. 

E o futuro de muitos países da Europa no curto e no médio prazo ganhou ainda mais incertezas… 

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