
Na última segunda-feira, dia 26 de setembro, um avião de patrulha naval da Dinamarca avistou uma grande perturbação na superfície do Mar Báltico, nas proximidades da Ilha Bornholm (vide foto). Essa ilha pertence a Dinamarca, porém está localizada dentro da zona econômica exclusiva compartilhada com a Suécia.
Com uma aproximação do local, a tripulação da aeronave pode constatar o borbulhamento da água. Uma das primeiras suspeitas, o que logo depois se confirmou, era se tratar de um vazamento no sistema de gasodutos submarinos da Rússia, que passam ao largo dessa ilha.
O sistema de gasodutos Nord Stream é formado por dois ramais paralelos que transportam gás natural da Rússia para a Alemanha através do Mar Báltico. O Nord Stream 1 foi inaugurado em 2011, ligando Vyborg, na Rússia a Greifswald, na Alemanha. Esse gasoduto tem 1.224 km de extensão e capacidade para transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural/ano.
No final de 2021, foi concluída a construção do Nord Stream 2, ligando Ust-Luga, na Rússia, a Greifswald, na Alemanha. Com características técnicas similares ao Nord Stream 1, esse novo gasoduto permitiria dobrar a capacidade de transporte de gás natural da Rússia para a Alemanha, projeto que acabou sendo inviabilizado por causa do início do conflito na Ucrânia.
No dia seguinte, 27 de setembro, a Guarda Costeira da Suécia encontrou um segundo vazamento e, poucas horas depois, um terceiro vazamento com características semelhantes dentro de suas águas jurisdicionais no Mar Báltico. Informações posteriores confirmaram que centros sismológicos do país haviam detectado duas explosões submarinas nessa área.
Na quinta-feira, dia 29 de setembro, o governo da Dinamarca comunicou a identificação de um quarto vazamento, também nas proximidades da ilha Bornholm. Todo esse conjunto de vazamentos de gás, localizados dentro de uma mesma área geográfica e identificados num período de tempo pequeno, vem levantando uma série de preocupações e discussões nos últimos dias.
Como é do conhecimento de todos, a Rússia passou a reduzir gradativamente o envio de gás natural para os países da Europa ao longo dos últimos meses. Essa ação faz parte de um pesado conjunto de represálias aos países da UE – União Europeia, por causa das sanções impostas à Rússia por causa da invasão a Ucrânia.
Relembrando, a Rússia iniciou uma “ação militar” na Ucrânia em 24 de fevereiro, sob a alegação de proteger minorias russas que vivem em territórios do Leste do país, especialmente nas regiões de Donetsk e Lugansk. Essas regiões possuem uma maioria étnica de origem russa e já conviviam com movimentos separatistas da Ucrânia há vários anos. A invasão russa teve como justificativa a “proteção dessas populações”.
Com a redução crescente dos volumes de gás natural enviados para a Europa, fornecimento que foi totalmente interrompido poucas semanas atrás, foi desencadeada uma crise energética sem precedentes na Alemanha e na Áustria, países que se tornaram fortemente dependentes dessa fonte de energia. Também entram na lista, com menor grau de dependência, Suécia, Finlândia, França e Holanda, entre muitos outros.
Na Alemanha, país onde metade do gás consumido era fornecido pela Rússia, teve início uma verdadeira corrida por fontes alternativas de energia. A melhor opção é o uso do GNL – gás natural liquefeito, que pode ser comprado de países do Oriente Médio e dos Estados Unidos. Esse combustível, entretanto, precisa ser transportado por navios especiais e ser estocado em grandes tanques, o que altera toda a estrutura de transporte e de distribuição que vinha sendo utilizada até agora.
Além dos altos custos envolvidos, o que já resultou em aumentos substanciais nos custos de energia elétrica, essa mudança brusca da matriz energética criou uma verdadeira corrida contra o tempo. O rigoroso inverno do Hemisfério Norte, que começa oficialmente no dia 22 de dezembro, é marcado por um grande aumento do consumo de energia para aquecimento de residências.
A corrida em busca do aumento dos estoques de gás para o inverno tem forçado muitos países a criar mecanismos de economia no uso do gás. Muitas cidades estão reduzindo o consumo de energia elétrica nos sistemas de iluminação pública, fábricas e empresas estão reduzindo a produção e as jornadas de trabalho. As autoridades econômicas já estão trabalhando com a perspectiva de uma forte recessão em todo o bloco europeu.
Inúmeras centrais termelétricas a carvão, que vinham sendo erradicadas de todo o território da Europa ao longo dos últimos anos, com toda a certeza voltarão a ser reativadas, anulando todo um conjunto de ações de descarbonização forçada das economias. Também deverão ser reativadas diversas centrais nucleares. A gritaria ambiental de muita gente será silenciada “na marra”.
As perguntas sem respostas até agora são o que teria provocado essas explosões e quem ou qual país estaria por trás disso. Muitos analistas voltam suas suspeitas para a própria Rússia; outros especulam que os russos não destruiriam uma infraestrutura que custou dezenas de bilhões de dólares para ser construída e lançam suas suspeitas para outros países.
Uma das poucas certezas que se tem até o momento é que não se trata de um acidente. São quatro vazamentos distintos identificados até agora, ocorridos no decorrer de vários dias e em diferentes pontos das tubulações. Todas as evidencias parecem apontar para ações de sabotagem feitas por gente especializada – provavelmente militares.
Além dos pesados impactos econômicos, que serão sentidos pelos países por muitos e muitos anos, existe uma enorme preocupação ambiental em função do vazamento de enormes quantidades de gás no meio ambiente marítimo e também na atmosfera. Felizmente, se é possível usar essa palavra, os gasodutos não estavam em operação de bombeamento, mas apenas pressurizados e em espera.
As estimativas mais conservadoras de ambientalistas e de especialistas sugerem que 500 toneladas métricas de gás metano foram liberadas na atmosfera pelos vazamentos de gás a cada hora. O metano é um importante gás de efeito estufa e um dos principais componentes do gás natural.
Os grandes volumes de gás natural que se dissolveram nas águas do Mar Báltico também podem ter provocado a morte em cadeia de uma infinidade de espécies marinhas, desde bactérias até peixes, o que só poderá ser quantificado com estudos e pesquisas a longo prazo.
E o futuro de muitos países da Europa no curto e no médio prazo ganhou ainda mais incertezas…
VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI