
Antes de tudo, um esclarecimento – a foto que ilustra essa publicação, que já utilizamos em uma outra postagem, é falsa. A imagem circulou em sites da internet há algum tempo atrás ironizando o quão “limpo” eram os veículos elétricos. Na verdade, a foto corresponde ao teste de um sistema de recarga de baterias feito no interior da Austrália, num local onde não existe rede elétrica – por isso a presença do gerador.
A icônica imagem, entretanto, ganhou uma nova leitura num momento em que o mundo – especialmente a Europa, está passando por uma intensa crise energética. Com a suspensão do fornecimento de gás natural pela Rússia, numa represália às sanções econômicas impostas pelos países da União Europeia em função do conflito da Ucrânia, fontes sujas como o carvão voltaram a ser essenciais para a geração de energia elétrica.
Para entendermos bem o que está acontecendo hoje, é importante voltarmos ao final do século XIX, época em que a geração e o uso da energia elétrica viraram rotina no cotidiano nas grandes cidades do mundo.
Em 1880, a Brush Eletric Company inaugurou seu sistema de iluminação com lâmpadas elétricas na Broadway, o badalado bairro dos shows da cidade de Nova York. Pouco tempo depois, a empresa faria o mesmo nas cidades de Boston e Filadélfia. O sistema pioneiro utilizava corrente elétrica contínua (a mesma disponível nas baterias e pilhas) e dependia da instalação de uma central termelétrica a carvão nas proximidades.
Thomas Edison, o famoso empreendedor e cientista, que a maioria dos leitores devem conhecer como o inventor da lâmpada elétrica a filamento, venceu uma concorrência pública para a instalação de lâmpadas elétricas em Manhatan, também na cidade de Nova York. Sua empresa construiu uma central termelétrica a carvão bem próxima, na Pearl Street Station. Essa unidade seria a responsável pela geração da eletricidade usada pelo sistema.
Esses dois exemplos nos dão uma clara ideia dos impactos ao meio ambiente criados pela introdução do uso da energia elétrica na cidade de Nova York. A queima do carvão gera a emissão de uma grande quantidade de gases poluentes e de fuligem, isso bem no meio de uma cidade populosa.
Essa poluição vinha se somar as emissões criadas pela queima de carvão nas indústrias que já estavam instaladas na cidade. Pouco tempo depois, com a popularização dos automóveis com motores a combustão interna, as grandes cidades passariam a conviver com um ar altamente poluído.
Essa situação só começaria a mudar nos últimos anos do século XIX, época em que a empresa Westinghouse Electric Company iniciou as operações com seu sistema de corrente elétrica alternada. Esse sistema, que é o que utilizamos atualmente em nossas casas, foi aperfeiçoado pelo cientista Nicola Tesla e permitia a transmissão da energia elétrica a longas distâncias e com baixas perdas.
Um dos primeiros empreendimentos da Westinghouse foi a construção de uma usina hidrelétrica nas Cachoeiras do Niágara, na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. A eletricidade ali gerada era transportada por uma rede de cabos até as grandes cidades do nordeste dos Estados Unidos. Graças a essa nova tecnologia, as cidades começaram a se livrar das suas poluentes centrais termelétricas a carvão.
A história, entretanto, não parou por aí. O sistema de geração e transmissão de corrente elétrica alternada também passou a ser usado em centrais termelétricas alimentadas a carvão, que agora podiam ser construídas longe das grandes cidades. Ou seja – os moradores das áreas urbanas poderiam continuar contando com uma energia limpa, eficiente e que não gera resíduos localmente; a poluição do ar e a fuligem afetavam somente as áreas interioranas.
A importância do carvão para a geração de energia elétrica não parou mais de crescer – estudos indicam que cerca de 405 de toda a energia elétrica consumida atualmente no mundo é gerada a partir da queima do carvão. Essa queima responde por um volume entre 30 e 35% das emissões mundiais de gás carbônico (CO2), um dos principais gases responsáveis pelo Efeito Estufa.
Foi justamente a busca por uma fonte de geração de energia mais limpa que levou ao uso crescente do gás natural em centrais termelétricas. Apesar de também ser um combustível fóssil, as emissões da queima do gás natural são muito menores que as do carvão.
Com a ascensão gradativa dos partidos “verdes” em muitos países – especialmente na Europa, foram criadas inúmeras políticas para a descarbonização da produção de energia. Centrais termelétricas a gás passaram a substituir suas congêneres a carvão por todos os cantos. Além disso, os países passaram a incentivar a geração de energia a partir de fontes renováveis como a eólica e a fotovoltaica.
Dentro desse cenário, onde as fontes geradoras de energia elétrica eram limpas ou muito próximas disso, fazia todo sentido incentivar a produção e a venda dos carros elétricos. Entretanto, a crise energética na qual o mundo inteiro acabou entrando, mudou bastante esse cenário e a fotografia do carro elétrico sendo abastecido a partir de um gerador a diesel passou a estar muito próxima do mundo real.
Vários países da Europa estão reativando suas velhas e poluentes centrais termelétricas a carvão por pura falta de opção. Além de jogarem por terra anos e mais anos de esforços para a descarbonização de suas matrizes energéticas, esses países correm contra o tempo para evitar uma falta generalizada de energia durante o rigoroso inverno europeu.
Essa crise também jogou luz sobre um problema para o qual muito pouca gente dava bola até então – parte importante da energia elétrica consumida atualmente no mundo vem de fontes sujas como o carvão. Quando uma pessoa recarrega seu carro elétrico da última moda numa tomada alimentada por essa energia “suja”, ela está, literalmente, reproduzindo a imagem da fotografia.
Pessoalmente, eu sou um fã inveterado dos carros elétricos e não é de hoje. Lembro muito bem dos carros elétricos pioneiros fabricados pela Gurgel ainda na década de 1970 – eu sempre sonhei em ver o dia em que todos os carros aqui da minha cidade fossem desse tipo, deixando de lançar fumaça pelos escapamentos.
A nova geração de carros elétricos que estamos vendo nascer agora ajuda a transformar uma parte do meu sonho de adolescente em realidade. Eles não poluem o ar das cidades e são bastante silenciosos. Entretanto, isso só resolve parte do problema – é preciso que as fontes geradoras de energia elétrica sejam limpas e renováveis.
A equação ambiental precisa fechar em todas as suas pontas e sem deixar resto…
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