
De acordo com um relatório publicado pela Convenção das Nações Unidas pela Luta contra a Desertificação no final de 2021, 40% dos solos aráveis do mundo poderão estar degradados em 2050. Para que os leitores tenham uma ideia do significado disso essa área corresponde a todo o território da América do Sul.
Essas perdas, que impactam diretamente na segurança alimentar de centenas de milhões de pessoas, são decorrentes da destruição de áreas florestais, do uso inadequado dos solos pelas atividades agrícolas e de mudanças climáticas, além de impactos menores como o crescimento de cidades, realização de obras de infraestrutura, entre outros problemas.
Nesse mesmo texto, entretanto, o órgão afirma que 65% das terras agricultáveis da África já se encontram degradadas. Essa degradação ocorreu em sua maior parte nos últimos 70 anos, período em que a população do continente cresceu cerca de 600% e atingiu um total de 1,2 bilhão de habitantes.
Essa exploração insustentável dos recursos naturais tende a agravar cada vez mais os problemas – de acordo com as projeções de crescimento demográfico, a África atingirá 2 bilhões de habitantes até o final deste século. Quanto mais gente, maior será a pressão pela abertura de novas áreas agrícolas. Mais áreas naturais serão devastadas, aumentando cada vez mais a degradação dos solos.
O continente africano ocupa uma área total de mais de 30 milhões de km2, onde encontramos 54 países independentes. Mais de 1/3 dessa área total são ocupados pelos Desertos do Saara e do Kalahari e, ao menos, outro 1/3 é formado por áreas semiáridas como a grande faixa do Sahel. É importante lembrar que essas áreas deserticas e semiáridas estão aumentando em função das mudanças climáticas. Só por essa rápida amostragem já é possível perceber que os solos férteis não são abundantes na África.
Um grande exemplo das dificuldades da agricultura no continente é a grande produção do milhete, o grão mais cultivado em toda a África. O milhete também é chamado de milho-miúdo, milho-alvo, painço, mileto e pão-de-passarinho. Esse cereal é originário do Sahel, sendo considerado o sexto grão mais cultivado do mundo. A produção do milhete só fica atrás de culturas tradicionais como o trigo, arroz, milho, cevada, sorgo e centeio.
De acordo com estudos arqueológicos e botânicos, o milhete foi domesticado no Norte do Mali entre 2500 e 2000 antes de Cristo. Graças à sua fácil adaptação a terrenos áridos e secos com baixa fertilidade, a cultura do milhete se espalhou por toda a África Subsaariana, especialmente nas regiões de savanas, bioma que guarda muitas similaridades com o Cerrado, e, especialmente, nas vastas áreas semiáridas da África Austral.
Por volta do ano 1500 a.C, o milhete chegou à Índia, onde se adaptou bem às áreas semiáridas de regiões como o Rajastão. A partir da Índia, o grão começou a se espalhar por extensas áreas semiáridas da Ásia, se transformando em um importante alimento para grandes contingentes populacionais. No Brasil, os primeiros registros do milhete datam da década de 1960.
Nas regiões semiáridas da África Austral, em países como Angola, Namíbia, Zâmbia, Botswana, África do Sul, Zimbabwe, Moçambique, entre outros, e também na faixa do Sahel, onde encontramos países como Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul e Eritréia, o milhete é, pela falta de outras opções, um dos alimentos básicos das populações.
O milhete possui um alto valor nutritivo para alimentação humana, com cerca de 24% de proteína bruta, boa palatabilidade e digestibilidade. Também é um excelente alimento para animais domésticos, podendo proporcionar ganhos de até 600 kg/hectare de peso vivo.
Um dos grandes problemas da cultura é a sua baixa produtividade, que oscila entre 500 e 1.500 kg por hectare – em solos mais secos essa produtividade raramente ultrapassa os 100 kg por hectare. Para efeito de comparação, a produtividade média da soja no Brasil é de 3 toneladas/hectare e de 4,3 toneladas/hectare para o milho. Em algumas regiões da Europa, a produtividade do trigo chega a 7 toneladas/hectare. Ou seja – a maioria dos agricultores africanos trabalha muito para colher pouco.
Um outro alimento importante na dieta de dezenas de milhões de africanos é a nossa boa e velha mandioca, planta que foi levada por naus portuguesas para o continente ainda no início da nossa colonização. Aliás, a Nigéria é o maior produtor mundial de mandioca. Também se destacam nessa lista Angola, Moçambique, Gana e República Democrática do Congo.
Existem dezenas de espécies de mandioca e milhares de cultivares diferentes criados a partir de processos de seleção artificial das plantas. Muitas dessas espécies se adaptam muito bem a solos pobres e secos como aqueles encontrados no Semiárido Brasileiro. São justamente essas espécies mais resistentes que estão se transformando na tábua de salvação de muita gente nas áreas semiáridas da África.
Além de enfrentar problemas naturais dos solos associados diretamente ao clima semiárido, a África enfrenta outros decorrentes da destruição de florestas. Na postagem anterior falamos da destruição da Floresta do Congo, a maior da África e a segunda maior floresta tropical do mundo.
Estudos mostram que algo em torno de 80% dessa destruição é feita pelas mãos de pequenos agricultores, que abrem grandes clareiras no meio da mata para o plantio de seus roçados de subsistência. Assim como acontece na nossa Floresta Amazônica, a fertilidade dos solos dessa floresta africana depende da presença da vegetação da própria floresta. Quando expostos às chuvas, ao sol e aos ventos, esses solos perdem a fertilidade em poucos anos, o que obriga os agricultores a procurar novas áreas para a criação de campos de cultivo.
O exemplo mais caótico dessa exploração irracional dos solos é o que encontramos na Ilha de Madagascar, situada ao largo do litoral Sudeste da África. Cerca de 90% do território malgaxe era coberto originalmente por florestas tropicais. Hoje restam entre 10 e 15% da cobertura vegetal da ilha. A raiz de toda essa destruição está na prática dessa forma de agricultura tradicional para o plantio de arroz, alimento básico da população.
A caótica situação da degradação de solos férteis na África requer ações urgentes dos Governos locais e de organismos internacionais. A complexa equação da produção agrícola x o crescimento populacional não fecha e as consequencias, que já muito sérias hoje, serão gravíssimas a longo prazo.
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