O MILHETE, O TRIGO E A SOJA 

Agricultura moderna e de alta produtividade, como a que sendo desenvolvida no Cerrado Brasileiro, costuma ser o alvo da crítica furiosa de grupos ambientalistas internacionais. O enredo dessas críticas já foi mostrado inúmeras vezes aqui nas postagens do blog – essa produção decorre da destruição e da queima de grandes áreas da Floresta Amazônica.  

Parte dessas críticas até tem fundamento – áreas agrícolas e de pastagens no Sul e no Leste da Amazônia realmente surgiram em solos tomados “à forca” da grande floresta equatorial. Na maior parte dos casos, entretanto, essa premissa está errada – a grande fronteira agrícola brasileira fica dentro dos limites do Cerrado

Essa confusão teve início na década de 1950, período em que começaram a ser gestadas algumas das primeiras políticas para a ocupação e colonização da Região Amazônica. Em 1953, foi criada a SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia. Essa iniciativa levou a criação da Zona Franca de Manaus em 1957. 

Essas iniciativas governamentais ofereciam grandes subsídios e incentivos fiscais com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico da região. Muitos Governadores de Estados vizinhos à Amazônia fizeram um forte lobby político para conseguir abocanhar uma parte desses recursos, surgindo assim a criação do conceito “Amazônia Legal”.  

O Estados do Maranhão, do Tocantins (que há época era o Norte de Goiás) e o Mato Grosso (que depois teve o Sul desmembrado para formar o Mato Grosso do Sul), passaram a ser “Estados 100% amazônicos”. Porém, quando analisamos os mapas dos biomas desses Estados, concluímos que a maior parte de suas terras ficam dentro dos limites do Cerrado. Foi criada assim a eterna confusão da ocupação e da destruição da Amazônia brasileira pela agricultura e pela pecuária. 

A questão ambiental ganha cores ainda mais dramáticas para os grupos ecologistas quando se contabilizam os enormes volumes de fertilizantes e de defensivos químicos usados pela agricultura dessa extensa região brasileira. Além da destruição da floresta equatorial pelo fogo e pelas motosserras, nossos agricultores estão contaminando as águas da maior bacia hidrográfica do mundo com resíduos químicos. Guardadas as devidas proporções, esse é um problema real e que merece uma busca por soluções. 

Fugindo um pouco dessa verdadeira cruzada ambiental a que foi elevada a questão da Amazônia, gostaria de mudar um pouco a perspectiva – a Revolução Verde desencadeada em meados do século XX e sobre a qual falamos na última postagem, permitiu a transformação dos piores solos do Brasil em verdadeiros campeões de produtividade agrícola. Em meio século, nosso país passou da condição de importador para a posição de um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. 

Se o leitor quiser conhecer essa história de sucesso de nossa agricultura, pesquise nos arquivos aqui do blog temas como Cerrado e soja – existem dezenas de postagens que falam desses assuntos. 

Agora, para fazer um contraponto ao sucesso da agricultura e da produtividade agrícola do nosso Cerrado, vou falar um pouco do milhete, um dos cereais mais importantes para a alimentação de populações na África. 

O milhete (vide foto), também chamado de milho-miúdo, milho-alvo, painço, mileto e pão-de-passarinho, é um cereal originário do Sahel, uma extensa região semiárida da África. De acordo com estudos arqueológicos e botânicos, o milhete foi domesticado no Norte do Mali entre 2500 e 2000 antes de Cristo. Graças à sua fácil adaptação a terrenos de baixa fertilidade, a cultura se espalhou por toda a África Subsaariana, especialmente nas regiões de savanas, bioma que guarda muitas similaridades com o Cerrado. 

Por volta do ano 1500 a.C, o milhete chegou à Índia, onde se adaptou bem às áreas semiáridas de regiões como o Rajastão. A partir da Índia, o grão começou a se espalhar por extensas áreas semiáridas da Ásia, se transformando em um importante alimento para grandes contingentes populacionais. No Brasil, os primeiros registros do milhete datam da década de 1960. 

As principais espécies de milhete cultivadas são o Pennisetum robustum e o Pannisetum glaucum. No Brasil é comum o cultivo da espécie Panicum miliaceum, que é mais conhecida pelo nome de painço. 

Nas regiões semiáridas da África Austral, em países como Angola, Namíbia, Zâmbia, Botswana, África do Sul, Zimbabwe, Moçambique, entre outros, o milhete é um grão de extrema importância para a alimentação humana. Se valendo de técnicas agrícolas das mais rudimentares e lutando contra a baixa fertilidade dos solos e a escassez de água, os agricultores conseguem arrancar da terra baixíssimos volumes de grão. 

Um exemplo desse grande drama humano é o que se passa na região Leste de Angola, uma área de transição entre a savana africana e o Deserto do Kalahari. A preparação inicial dos solos é feita com a derrubada da rala vegetação, que é seguida pela queima dos restos de lenha, uma técnica que lembra muito a coivara praticada pelos nossos indígenas, quilombolas e agricultores mais tradicionalistas. 

Após a limpeza e a adubação rudimentar dos solos com as cinzas das madeiras queimadas, a terra é sulcada com arados puxados por animais, nada muito diferente do que era feito no Egito ou na Mesopotâmia há milhares de anos atrás. Esse trabalho de preparação do solo e a semeadura do milhete, que em Angola é conhecido como massango, coincide com o período das chuvas na região. 

A saga dos agricultores locais não termina aí – devido as técnicas agrícolas rudimentares, à baixa fertilidade dos solos e a escassez cada vez maior de água, a produtividade do milhete é extremamente baixa – são conseguidas safras médias de 100 kg de grãos para cada hectare plantado. Para efeito de comparação, a produtividade média da soja no Brasil é de 3 toneladas/hectare e de 4,3 toneladas/hectare para o milho. Em algumas regiões da Europa, a produtividade do trigo chega a 7 toneladas/hectare

Países como a China e a Índia são frequentemente lembrados pelas suas grandes populações e pelo crescimento contínuo dos seus respectivos consumos de alimentos. A China, que é um grande importador de grãos, carnes e de outros alimentos do Brasil, conta como uma população da ordem de 1,4 bilhão de habitantes. A população atual da Índia é de 1,38 bilhão de habitantes e, dentro de poucos anos, deverá superar a da China. 

O que quase nunca aparece nos meios de comunicação é o tamanho da população do Continente Africano – são mais de 1,2 bilhão de habitantes atualmente, número que deverá chegar aos 2 bilhões até o final deste século. A maior parte dessas populações sobrevive com uma produção agrícola tão rudimentar quanto essa citada de Angola, onde o milhete é uma das principais culturas. 

Esquecendo por um breve momento todas as restrições criadas por ambientalistas dos países mais desenvolvidos em respeito ao desenvolvimento de uma agricultura moderna e de alta produtividade, onde se possa usar de todos os benefícios dos fertilizantes e dos defensivos agrícolas – será que essas populações pobres e subalimentadas da África não poderiam ter direito a todos os benefícios de uma boa produção agrícola e de uma boa alimentação? 

Como dizia o falecido jornalista Joelmir Beting, “essa é para você pensar na cama”… 

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