
Na nossa última postagem falamos da dramática situação das vaquitas (Phocoena sinus), um pequeno cetáceo que habita as águas do Norte do Golfo da Califórnia, no México. Segundo relatos recentes dos pesquisadores, a população atual desses animais é inferior a 20 espécimes – há quem afirme que restam apenas 6 vaquitas vivendo no habitat.
Considerado o cetáceo mais ameaçado do mundo, esses animais ganharam um fio de esperança no último mês de fevereiro – o Governo dos Estados Unidos, se valendo de cláusulas de proteção ambiental integrantes do T-MEC, um acordo comercial assinado entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, passou a cobrar uma atitude mais proativa dos mexicanos em relação ao estado crítico das populações de vaquitas. Ainda há um fio de esperança para se tentar salvar a espécie.
Aproveitando o gancho, vamos falar um pouco das toninhas (Pontoporia blainvillei), uma prima distante das vaquitas que habita um trecho da costa do Brasil. As toninhas são cetáceos com parentesco próximo com os golfinhos e os botos. A espécie também é conhecida como franciscana, boto-amarelo, boto-cachimbo, boto-garrafa, manico e golfinho-do-rio-da-Prata. O animal pode atingir um comprimento máximo de 1,8 metro e um peso entre 36 e 50 kg.
As toninhas tem um “bico” longo e fino, nadadeiras peitorais curtas e largas, além de uma nadadeira dorsal pequena e triangular. Diferente dos golfinhos e dos botos, que adoram dar saltos e fazer piruetas acrobáticas, as toninhas são tímidas e discretas, subindo à superfície apenas para respirar. Esses animais tem seu habitat numa faixa costeira que vai do Espírito Santo até o rio da Prata, na divisa entre o Uruguai e a Argentina.
Diferente dos seus primos, cetáceos que habitam as águas do mar aberto, as toninhas preferem as águas costeiras com profundidades entre 30 e 50 metros, uma característica que transformou a espécie numa vítima fácil das redes de pesca. De acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente, perto de 1.500 toninhas morrem todos os anos presas em redes de pesca no Brasil. Como a espécie tem uma taxa de reprodução muito baixa – as fêmeas têm apenas um filhote a cada um ou dois anos, a espécie está classificada como “criticamente em perigo”. É a espécie de cetáceo mais ameaçada do Brasil e, possivelmente, da América do Sul.
As toninhas costumam viver em grupos familiares entre 2 e 5 indivíduos e, em muitos casos, vivem solitárias. Sua alimentação é constituída por peixes, crustáceos e, principalmente, camarões, o seu “prato predileto”. Há cerca de dois anos, publicamos uma postagem falando das ameaças vividas por uma população de toninhas que vive nas proximidades da foz do rio Doce.
Além da brutal redução dos estoques de alimentos criada pela acumulação de sedimentos carreados pelas águas do rio depois do fatídico acidente com a barragem de rejeitos de Mariana em 2015, as espécies sobreviventes apresentam altos níveis de contaminação por metais pesados. Ao se alimentarem dessas espécies menores encontradas nessa região, as toninhas passam a sofrer com a bioacumulação de metais pesados.
Estudos realizados em corpos de toninhas encontradas mortas em redes de pesca ou em praias têm constatado a presença de elevados níveis de substâncias organocloradas, que têm origem em resíduos de pesticidas e fertilizantes carreados pelas chuvas para as calhas dos rios, além de grandes níveis de metais pesados como mercúrio, zinco, cádmio e cobre.
Isso demonstra como a espécie já é naturalmente sensível a esses poluentes. No caso do rio Doce, onde estudos já demonstraram que os níveis atuais de metais pesados nas águas estão, em alguns casos, até 200 vezes superiores aos níveis observados antes do rompimento da Barragem de Fundão, a situação das toninhas é preocupante.
Além da redução dos estoques e da contaminação das suas fontes de alimentos, as toninhas também estão sofrendo com a poluição das águas por resíduos sólidos, principalmente plásticos. As análises do conteúdo estomacal de toninhas mortas têm encontrado volumes cada vez maiores de detritos de todos os tipos.
Com a turbidez das águas devido à presença de grandes quantidades de sedimentos em suspensão, as toninhas podem estar confundindo facilmente pedaços de plásticos com peixes e crustáceos, um problema que tem afetado outras espécies da região da foz do rio Doce, em especial as ameaçadas tartarugas-de-couro.
Como é bem fácil de observar, os problemas criados pelo grande vazamento de rejeitos de mineração e de lama extrapolam os limites geográficos da bacia hidrográfica do rio Doce e invadem os domínios do Oceano Atlântico. O risco de desaparecimento da população de toninhas da região da foz do rio poderá aumentar ainda mais a quantidade de problemas já enfrentados pelos pescadores da região, que já ressentem de uma grande redução dos estoques pesqueiros.
Infelizmente, os problemas da espécie não ficam restritos a esse trecho do Norte do Espírito Santo – em toda a área de ocorrência da espécie ao longo do litoral das regiões Sudeste e Sul, as toninhas vem sendo vítimas das redes dos pescadores. O habitat da espécie se mistura com as principais áreas de pesca dessas regiões e os acidentes são comuns.
Lembramos aqui que, apesar desses animais possuírem um corpo com formas hidrodinâmicas de um peixe, eles são mamíferos e respiram o oxigênio da atmosfera como nós humanos e outros animais terrestres. As toninhas precisam subir periodicamente até a superfície para respirar – se ficam presas nas redes de pesca, elas morrem afogadas, um problema que também afeta as tartarugas marinhas.
No início de outubro do ano passado, um conjunto de instituições de pesquisa – onde se incluiu a UFPR – Universidade Federal do Paraná, e o IFPR – Instituto Federal do Paraná, organizaram o evento Toninhathon. O principal objetivo foi atrair estudantes, pesquisadores, pescadores, gestores públicos e a sociedade em geral para uma luta conjunta pela preservação dessa e de outras espécies marinhas.
Com mais de 350 participantes, o encontro buscou compartilhar conhecimentos e buscar soluções conjuntas para a preservação das toninhas. Entre as discussões se destacaram a busca de mecanismo que permitam a redução da captura acidental, o desenvolvimento econômico sustentável, além da comunicação e governança participativa.
A triste saga das vaquitas mexicanas mostra que as sociedades não podem ficar de braços cruzados vendo uma espécie animal caminhar para a extinção devido a ações humanas. Cada espécie viva é o resultado de processos evolutivos que se desenrolaram por milhões de anos – o desaparecimento de qualquer espécie é uma perda irreparável para toda a vida no planeta.
Então – salvem as toninhas!