VAQUITA, A ESPÉCIE DE CETÁCEO MAIS AMEAÇADA DO MUNDO 

A vaquita (Phocoena sinus) é um pequeno cetáceo aparentado com as toninhas-comuns que habita exclusivamente o Norte do Golfo da Califórnia. Com um tamanho médio de 1,4 metro para as fêmeas e 1,35 metro para os machos, as vaquitas são facilmente reconhecíveis pelos anéis escuros ao redor dos olhos, pelas manchas nos lábios e por uma linha entre as barbatanas dorsais e a boca. 

Os animais vivem em águas rasas e turvas com profundidades inferiores a 150 metros. Sua dieta inclui principalmente peixes bentônicos (que vivem junto ao leito marinho), além de crustáceos e lulas. Os biólogos estimam que a expectativa de vida das vaquitas é de 20 anos, com a maturidade sexual atingida entre os 3 e 6 anos. 

Esses animais habitam exclusivamente, desde tempos imemoriais, a região do delta do rio Colorado. Devido aos seríssimos problemas ambientais desse rio, praticamente não há mais água doce na região do delta e a vaquita está em risco de extinção eminente – biólogos calculam que restam menos de vinte animais da espécie, números que colocam a espécie na triste situação de cetáceo mais ameaçada do mundo

A bacia hidrográfica do rio Colorado, conforme já tratamos em outras postagens aqui no blog, é a mais aproveitada do mundo. Suas águas são responsáveis pelo abastecimento de 40 milhões de pessoas em sete Estados americanos e quase 90% do total das suas águas é desviado para fins de irrigação em 2 milhões de hectares. Essa super exploração das águas praticamente secou a região do delta no Golfo da Califórnia, destruindo o habitat das vaquitas. 

A maior ameaça a esses animais, entretanto, são as atividades humanas. A mais grave e, de longe, a que causa a maior morte de vaquitas são redes dos pescadores ilegais de totoaba (Totoiaba macdonaldi), um peixe marinho de grande valor comercial e também ameaçado de extinção. Os problemas também incluem a acidificação das águas do mar, acidentes e choques com embarcações, além das mudanças climáticas. 

O Governo Mexicano vem sendo pressionado, já há muitos anos, a tomar medidas para a conservação da espécie por grupos ambientalistas. Esses esforços, entretanto, parecem nunca ter logrado maiores êxitos e a população desses animais vem declinando continuamente. 

Recentemente, o nível de cobranças por medidas para se evitar a eminente extinção das vaquitas mudou de patamar – o Governo dos Estados Unidos invocou o tratado comercial T-MEC para forçar o México a “se mexer” e buscar uma solução para mais essa tragédia ambiental. 

Assinado em 2018, entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, esse acordo comercial substituiu o NAFTA – Tratado de Livre-Comércio da América do Norte, na sigla em inglês. O novo acordo passou a vigorar em 1 de julho de 2020. Além de estabelecer regras comerciais para a circulação de mercadorias entre esses países, alíquotas de impostos, regras para a contratação de serviços e mão de obra, o acordo inclui importantes cláusulas ambientais

O USTR – Escritório do Representante do Comércio dos Estados Unidos, na sigla em inglês, encaminhou um ofício para a Secretaria do Comércio do México solicitando o cumprimento dos compromissos ambientais previstos no T-MEC em relação a proteção das vaquitas. O órgão também cobrou medidas para se coibir a pesca ilegal da totoaba. 

Funcionários do Ministério da Economia do México já responderam essa solicitação, informando que a pasta “vai coordenar os trabalhos entre as diferentes autoridades mexicanas e dos Estados Unidos com o objetivo de apresentar oportunamente os esforços e medidas adotadas para proteger as espécies marinhas nas águas nacionais“. 

Os mecanismos do T-MEC estabelecem um prazo de 30 dias para a consulta entre as partes sobre assuntos relacionados aos acordos comercias, e 75 dias de prazo antes que medidas retaliatórias venham a ser tomadas. A pronta resposta do Governo do México mostra a seriedade da questão. 

O Golfo da Califórnia, também conhecido como Mar de Cortés ou Mar Bermejo, está totalmente inserido dentro do território mexicano e ocupa uma área total de 160 mil km2. O conquistador espanhol Hernán Cortés navegou por suas águas ainda em 1535 após derrotar o Império Asteca e conquistar o México. 

A responsabilidade dos mexicanos nos esforços de conservação das vaquitas é inquestionável, porém os norte-americanos também tem sua cota de culpa. Desde o início do século XX, as águas do rio Colorado vêm sendo desviadas e represadas para uso em sistemas de irrigação dentro do território dos Estados Unidos, práticas que foram reduzindo gradativamente o volume dos caudais que atingem o Golfo da Califórnia. 

O rio Colorado é um dos mais longos rios da América do Norte, com nascentes nas Montanhas Rochosas, no Estado americano do Colorado, e, ao longo dos seus 2.320 quilômetros, banha os Estados de Utah, Arizona, Nevada e Califórnia, entrando a seguir no México, onde encontra a sua foz no Golfo da Califórnia. Várias cidades importantes dos Estados Unidos como Los Angeles, Las Vegas, San Bernardino, San Diego, Phoenix e Tucson utilizam sistemas de abastecimento que captam água do rio Colorado. 

A primeira grande obra do gênero foi o Canal do Rio Álamo, concluído em 1901, que passou a desviar as águas do rio Colorado na direção do Imperial Valey, no Sul da Califórnia. Em 1942, foi construído um novo canal, o All-American, em substituição ao Canal do rio Álamo. Em 1932, foi iniciada a construção da Represa Hoover, a obra mais impactante de toda a bacia hidrográfica do rio Colorado. 

O trecho final do rio Colorado, já dentro do território do México, acabou sendo transformado em uma sucessão de canais que ficam secos durante a maior parte do ano. Milhares de agricultores da região foram obrigados a migrar para outras regiões do país por causa da falta de água. A fartura de peixes e crustáceos que existia na região deltaica também desapareceu, impactando diretamente no tamanho da população das vaquitas. 

Os riscos de extinção da espécie são altíssimos, porém, com essa pressão econômica vinda dos Estados Unidos, é muito provável que as autoridades ambientais do México passem a agir com seriedade nessa questão. As vaquitas podem ganhar, ao menos, uma sobrevida, quiçá uma chance de escapar da extinção.

Eu sempre gosto de citar o caso do baiji (Lipotes vexillifer), também conhecido como golfinho-lacustre-chinês ou golfinho branco. Relatos antigos falam que os baijis eram encontrados aos milhares ao longo de toda a bacia hidrográfica do Yangtzé. Porém, nenhum indivíduo da espécie foi visto nas águas do rio desde 2006. 

A pesca predatória, a construção de barragens de represas, a navegação intensa e, principalmente, a grande poluição das águas do rio Yangtzé foram as responsáveis pelo irreversível declínio e desaparecimento da espécie. 

Torço para que as vaquitas tenham um destino diferente dos baijis

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