A EXTINÇÃO DO BAIJI, O GOLFINHO-LACUSTRE-CHINÊS

Baiji

Nos últimos meses, a China tem ocupado espaços importantes nas manchetes de jornais e telejornais de todo o mundo. Desta vez, o motivo de tamanha exposição nada tem a ver com as importantes conquistas econômicas do grande país asiático, que já é a segunda maior economia do planeta, só ficando atrás dos Estados Unidos.

Foi na China que teve início a epidemia do Corona vírus, cuja doença recebeu o nome oficial de Covid-19 e já infectou mais de 1 milhão de pessoas em todo o mundo. Existem muitas dúvidas sobre as informações divulgadas pelo Governo chinês acerca da extensão da doença e do número de mortos no país – muitos Governos acreditam que a China está escondendo o número real de vítimas e de mortos por Covid-19 no país. Por outro lado, muita gente tem usado o nome de vírus chinês ao se referir ao Corona, uma atitude que tem desagradado o Governo da China.

Fugindo um pouco das manchetes dos noticiários, vamos falar um pouco dos grandes problemas ambientais que estão ocorrendo por toda a China. Não é segredo para a maioria dos países do mundo, exceção talvez dos próprios chineses que vivem sob um forte regime de censura nas comunicações, que a China é um dos países que mais polui o meio ambiente, qualquer que seja a poluição em questão – do ar, da água e dos solos.

Um exemplo da degradação ambiental no país é a grande poluição dos rios, que recebem diariamente imensos volumes de efluentes industriais, lixo e esgotos domésticos. O Yangtzé (ou Yang-Tzé), o maior rio da China e também o maior rio da Ásia, é um exemplo vivo (ou quase morto) do tratamento que os chineses estão dando às suas águas. Com nascentes nas montanhas do Tibete e foz no Mar da China, onde forma um imponente delta, o Yangtzé percorre um caminho com 6.300 km, atravessando todo o país no sentido Leste-Oeste.

A extensa bacia hidrográfica do rio Yangtzé, que cobre uma área superior a 1,8 milhão de km², possui aproximadamente 400 milhões de habitantes, o que equivale a quase duas vezes a população do Brasil. Desde a mais remota antiguidade, diferentes populações vêm habitando esse imenso território e têm se valido das águas do Yangtzé para abastecimento, irrigação de campos agrícolas e navegação. Essa realidade mudou radicalmente nos últimos 50 anos, quando a China, gradativamente, deixou de ser um grande país pobre com a economia baseada na agricultura para se tornar numa das maiores potências industriais e tecnológicas do mundo atual.

O Yangtzé é um dos rios mais poluídos da China na atualidade e rivaliza nessa posição com outros rios degradados pelo mundo a fora. As margens dos rios que formam sua imensa bacia hidrográfica abrigam mais de 10 mil indústrias, grande parte dos segmentos químico e petroquímico, além de plantações e fazendas de criação de animais. Dados oficiais do Governo da China indicam que o PIB – Produto Interno Bruto, das 11 províncias atravessadas pelo rio Yangtzé respondem por 41% das riquezas do país. A região do delta do rio, onde fica a importante cidade de Xangai, responde sozinha por 20% do PIB chinês.

Um termômetro da importância do Yangtzé para a China pode ser observado facilmente no transporte de cargas pelo rio, que os chineses chamam de a “Hidrovia Dourada“, ou ainda a “Hidrovia de Ouro”. O volume de cargas transportadas em rios chineses alcançou a impressionante cifra de 6,66 bilhões de toneladas em 2017 – estima-se que mais de um terço deste volume circule através das águas do rio Yangtzé, o que coloca a hidrovia, com muita folga, como a mais movimentada do mundo, superando as cargas transportadas em importantes hidrovias como a dos rios Mississipi, Reno e Danúbio. 

Apesar de vital, o rio Yangtzé vem sofrendo dos males do “desenvolvimento a qualquer custo” – o Governo da China sempre fez vista grossa aos danos ambientais desde que as empresas continuassem gerando riquezas e empregos. Só em anos bem recentes é que as coisas começaram a mudar e as empresas passaram a se preocupar com a gestão de resíduos e com a poluição. Enquanto mudanças drásticas no controle das fontes de poluição não forem implementadas e com a previsão de pesadas multas e punições (entenda-se cadeia) aos infratores, a situação do rio Yangtzé vai continuar caótica.

Um exemplo dos impactos da poluição na vida das populações que dependem das suas águas é a incidência de câncer na bacia hidrográfica do Yangtzé – estudos feitos pelo Governo Central em 2013 indicaram que a taxa de mortalidade pela doença na região era de duas a três vezes acima da média chinesa.

Análises de laboratório em amostras de água retiradas da calha do rio Yangtzé e também de poços indicaram a presença de todo um “coquetel” de produtos químicos, coliformes fecais de seres humanos e de animais, resíduos de matéria orgânica em decomposição (existem numerosas fazendas de criação de animais e abatedouros na região), entre outros problemas graves. Muitas das pequenas cidades da região passaram a ser chamadas de “aldeias do câncer”.

Toda essa brutal poluição também provoca impactos profundos na fauna e flora aquática do rio Yangtzé. Diversas espécies de peixes e crustáceos que eram encontrados em abundância nas suas águas, simplesmente desapareceram. Dezenas de milhares de pescadores, que há incontáveis gerações tiravam seu sustento das águas do rio Yangtzé, simplesmente perderam sua fonte de sustento. Muitos foram obrigados a mudar de profissão.

Uma espécie icônica do rio Yangtzé era um simpático golfinho de água doce, conhecido entre os chineses como baiji (Lipotes vexillifer) e também chamado de golfinho-lacustre-chinês ou golfinho branco. Relatos antigos falam que os baijis eram encontrados aos milhares ao longo de toda a bacia hidrográfica do Yangtzé. Porém, nenhum indivíduo da espécie foi visto nas águas do rio desde 2006.

A pesca predatória, a construção de barragens de represas, a navegação intensa e, principalmente, a grande poluição das águas do rio Yangtzé foram as responsáveis pelo irreversível declínio da espécie.  No ano de 2007, uma grande expedição científica foi organizada por universidades chinesas. Após seis semanas de intensas buscas, nenhum espécime vivo do baiji foi encontrado e os trabalhos foram encerrados.

Caso a extinção do baiji seja confirmada (oficialmente, ele é declarado funcionalmente extinto), esta será a primeira extinção de um Cetáceo como resultado direto da interferência humana no meio ambiente. Além do baiji, existem outras espécies de golfinhos de água doce nos rios da Bacia Amazônica e do rio Orenoco, aqui na América do Sul, nos rios Ganges, Brahmaputra e Indus, no Subcontinente Indiano, e no rio Mekong no Sudeste Asiático. Todas essas espécies estão ameaçadas – algumas mais, outras menos.

Estudos científicos indicam que o baiji vinha habitando a bacia hidrográfica do rio Yangtzé há, pelo menos, 20 milhões de anos, mas não resistiu a uns poucos milênios de convivência com os seres humanos. A provável extinção dos golfinhos-lacustres-da-China é apenas a ponta do iceberg da grande poluição e dos grandes problemas que estão devastando o maior rio do país e um lamentável sinal de alerta para as “eventuais” futuras gerações de chineses.

Do jeito que a degradação ambiental segue sem controle no país, é difícil imaginar que existirão habitats saudáveis para a sobrevivência de futuras gerações de chineses.

Publicidade

4 Comments

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s