AS AMEAÇAS AO DELTA DO RIO GANGES, O CELEIRO AGRÍCOLA DA ÍNDIA E DE BANGLADESH

O Ganges é o mais sagrado, o mais poluído e o mais importante rio da Índia e de parte de Bangladesh. Cerca de 400 milhões de pessoas nos dois países dependem das suas águas sagradas para abastecimento, usos indústriais, irrigação de campos agrícolas, diluição de esgotos, entre outros usos da água. 

As principais nascentes do rio Ganges ficam nas Montanhas Himalaias. A mais sagrada fica numa gruta sob uma geleira e é conhecida pelo nome de Gaumukh, palavra que vem do sânscrito e significa “boca da vaca”. De acordo com a mitologia, é nessa gruta que a deusa Ganga assume uma forma física que é representada pelas águas do rio. Os populares a chamam de Ganga Ma, a Mãe Ganga, que é aquela que provê o sustento para todos os seus filhos. 

Das Montanhas Himalaias, as águas do rio Ganges vão percorrer cerca de 2.500 km por todo o Norte da Índia até atingir a sua foz no Golfo de Bengala, na divisa com Bangladesh. No trecho final do rio, a partir do Estado indiano de Bengala Ocidental, o Ganges de abre em dezenas de canais, formando o maior delta do mundo. Às águas do rio Ganges se juntam as águas do rio Brahmaputra

O Delta do Ganges possui uma largura de 350 km, ocupando terras de Bengala Ocidental e de Bangladesh. Graças à excepcional fertilidade dos solos da região, classificada como uma das melhores do mundo para a prática da agricultura, a região passou a ser conhecida como Delta Verde.   

A região abriga o maior manguezal do mundo, conhecido localmente como Sundarbans, palavra que na língua bengali, falada tanto em Bengala Ocidental quanto em Bangladesh, significa “floresta belíssima”. O Sundarbans ocupa uma área total de quase 17 mil km² e é considerado um patrimônio natural pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. A floresta abriga espécies ameaçadas como o tigre-de-Bengala e duas espécies de crocodilo – Crocodylus porososCrocodylus palustris, entre outras espécies.

No período das chuvas, com o forte aumento do nível dos rios, as águas rompem os limites das margens e as fortes enchentes cobrem os solos com uma grossa camada de sedimentos e nutrientes, além de elementos químicos como fósforo e enxofre (vide foto). Esse “mecanismo” natural vem garantindo, há milhares de anos, excepcionais safras agrícolas na região.   

O arroz é uma das culturas mais tradicionais, sendo semeado entre os meses de junho e setembro, acompanhando o recuo das águas das enchentes. Também são essenciais as plantações de rajma, os feijões vermelhos, trigo, cevada, lentilha, milho, batatas, frutas, verduras e flores, além de uma infinidade de ervas, fungos e especiarias essenciais para a culinária local. Ao redor dessas plantações são criados milhões de animais como vacas, búfalos, ovelhas, cabras, cavalos, porcos, galinhas, frangos e outras aves.   

Concluídas as apresentações, precisamos falar dos enormes problemas ambientais da região – o maior deles é a elevação do nível das águas do Golfo de Bengala e os riscos cada vez maiores da intrusão de água salgada nos canais do Delta do Ganges. Essa salinização ameaça tanto a produção agrícola quanto as fontes de abastecimento de água utilizadas pelas populações. 

De acordo com dados da Escola de Estudos Oceanográficos da Universidade de Jadavpur em Calcutá, toda a região do Delta do Ganges vem apresentando um aumento sistemático do nível do mar há várias décadas – nos últimos 10 anos, houve uma aceleração visível na velocidade deste aumento do nível das águas, o que resultou no desaparecimento da ilha New Moore

A pequena ilha de 10 km² era disputada entre a Índia e Bangladesh há muitos anos, sendo chamada de New Moore pelo Governo indiano – os habitantes locais, os bengaleses, chamavam a ilha de Talpati. A ilha, que nunca foi habitada e era visitada apenas por pescadores, foi formada a partir do acumulo de sedimentos carreados pelo rio Hariabhanga e tinha uma elevação máxima de 2 metros acima do nível do mar. Em 2018, a ilha foi completamente encoberta pelas águas do mar. 

A elevação gradual das águas do Golfo de Bengala é acompanhada por uma série de problemas de poluição das águas, especialmente dos caudais do rio Ganges, e também pela redução dos volumes de água que chegam ao Delta. A diminuição dos volumes de água doce facilita ainda mais a intrusão de águas do mar. 

Alguns cálculos indicam que as águas do rio Ganges recebem perto de 1 trilhão de litros de esgoto não tratado a cada dia. Na cidade de Varanasi, um dos mais importantes centros de peregrinação do hinduísmo, o nível de coliformes fecais, uma bactéria encontrada no intestino de animais como cavalos, vacas e seres humanos e que é um dos mais importantes parâmetros para se avaliar a qualidade da água, chega ser até 3 mil vezes maior que os limites máximos aceitáveis

O Ganges também é o destino final de resíduos de todos os tipos, inclusive cinzas humanas dos crematórios cerimoniais espalhados pelas margens do rio. Outro grave problema são os barramentos das águas – são mais de 300 represas de sistemas de irrigação e de usinas hidrelétricas na calha do rio Ganges. Quando se consideram todos os rios que formam a bacia hidrográfica do rio Ganges, o número de represas chega bem próximo de 1.000 instalações

Além de criar imensos impactos para a fauna aquática, especialmente para os peixes migratórios e outras espécies aquáticas, todos esses represamentos levam a uma redução substancial dos caudais que chegam até a região do Delta. A isso se soma uma irregularidade cada vez maior das chuvas da Monção

Os problemas do rio Brahmaputra não são menores. O rio nasce nas Montanhas Himalaias no Tibet, região controlada pela China desde a década de 1950. Com grande parte de seu território formado por solos áridos e semiáridos, o Governo chinês tem feito grandes obras para a transposição de águas de rios das Himalaias na direção do Norte da China. Existem notícias sobre planos dos chineses para também desviar águas do rio Brahmaputra, uma perspectiva que deixa tanto a Índia quanto Bangladesh apreensivos. 

Apesar de não sofrer com a mesma intensidade da poluição do rio Ganges, o Brahmaputra sofre com os males do intenso desmatamento na sua bacia hidrográfica. Mais de 70% das florestas que cobriam as áreas do baixo curso de sua bacia hidrográfica já desapareceram e os remanescentes florestais continuam a ser destruídos a uma velocidade impressionante. Somente 4% dessas florestas se encontram dentro de reservas florestais e áreas protegidas.   

Durante o período das cheias, os solos expostos nessas áreas desmatadas sofrem um forte processo de erosão e as águas do rio Brahmaputra ficam saturadas de sedimentos. Esses sedimentos, formados em grande parte por areia inerte, são depositados na forma de uma grossa camada sobre os solos agrícolas de uma extensa área de Bangladesh, o que mais prejudica a fertilidade dos solos do que ajuda. A presença da areia também torna os solos mais permeáveis, fazendo com que a água infiltre rapidamente e deixando a camada superior muito seca, uma condição nada ideal para a produção agrícola. 

Os problemas do Meghna, outro grande rio que despeja as suas águas na região do Delta do Ganges, são praticamente os mesmos do rio Brahmaputra, porém, é um rio que sofre mais com a poluição das águas. O rio Meghna atravessa regiões densamente povoadas de Bangladesh, especialmente as cercanias da capita Dhaka, de onde recebe uma enorme carga de esgotos e resíduos sólidos

Redução de caudais dos rios, poluição das águas, desmatamentos e aumento do nível das águas do Golfo de Bengala. Esse é um quadro resumido da situação crítica do Delta do Ganges, que só em Bangladesh ameaça cerca de 20 milhões de pessoas. 

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