COMO ANDA A SECA NO SERTÃO NORDESTINO?

Regiões do Brasil Central estão passando por uma fortíssima seca. Importantes rios como os formadores da bacia hidrográfica do Alto Rio Paraná estão apresentando caudais bastante reduzidos. Represas de importantes usinas hidrelétricas estão com níveis perigosamente baixos, o que ameaça a geração de energia elétrica no país. 

Felizmente, a temporada das chuvas na Região Centro-Sul está começando e, gradativamente, a situação mostra sinais de reversão. Especialistas ainda não tem certeza se essa temporada de chuvas será intensa o suficiente para resolver todos os problemas de escassez hídrica de uma só vez, mas, a esperança “é sempre a última que morre” como diz aquele velho ditado. 

Com toda essa atenção na seca do Brasil Central, o nosso bom e velho Sertão Nordestino, famoso historicamente por assistir a períodos antológicos de seca, parece ter ficado um pouco de lado. Por lá também a seca tem mostrado as suas garras e muitas regiões tem convivido com a falta de água. 

A região conhecida oficialmente como Semiárido Brasileiro ocupa uma área com quase 1 milhão de km² dentro de Estados da região Nordeste, além de uma faixa ao Norte do Estado de Minas Gerais. O bioma Caatinga é o maior sistema florestal que cobre toda essa imensa região, dividindo espaço com o Agreste, formação intermediária entre a Caatinga e a Zona da Mata, e o Alto Sertão, localizado entre a Caatinga e o Cerrado. 

A área do Semiárido Brasileiro corresponde a 18,2% do território do Brasil e a cerca de 53% da área da Região Nordeste. No total 1.133 municípios têm seus territórios inseridos nessa região, onde vivem mais de 22 milhões de pessoas (algumas fontes falam de 30 milhões de habitantes), ou seja, cerca de 10% da população do país. São números impressionantes assim como o tamanho dos problemas. 

Devido a toda uma combinação de fatores geográficos e climáticos, o Semiárido é sujeito ciclos periódicos de grandes secas. Uma das mais trágicas foi a “Grande Seca” que se abateu sobre a região entre os anos de 1877 e 1879. Segundo as estimativas da época, o número de vítimas fatais ficou entre 400 e 500 mil mortes. Para que todos tenham uma ideia do tamanho da tragédia, a população da região do Semiárido Nordestino era de 800 mil pessoas há época. 

Outras secas marcantes na região foram as de 1915 e de 1932. Grandes obras literárias como os romances “O quinze”, de Rachel de Queiróz, e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, imortalizaram personagens que viveram essas grandes tragédias. Toda a cultura nordestina está impregnada com toda uma sucessão de dramas pessoais das populações em diferentes ciclos de seca na região. 

De acordo com informações do Monitor de Secas, um processo de acompanhamento regular e periódico da situação da seca da ANA – Agencia Nacional de Águas, foi observado um avanço grave da seca nos Rio Grande do Norte nos últimos meses. Já o Leste do Maranhão e o Oeste do Piauí estão enfrentando uma seca moderada. 

Graças a chuvas acima da média, houve um recuo da seca moderada que assolava parte do litoral da Bahia e também no Leste de Pernambuco, região que passava por uma seca fraca. As áreas de seca sofreram um recuo em partes dos Estados de Pernambuco e do Piauí. Nos demais Estados Nordestinos as áreas de seca permanecem inalteradas. 

O território de Alagoas segue com áreas com seca grave, moderada e fraca, ocupando respectivamente 16%, 28% e 11% da área total do Estado. Apenas 43% da superfície do Estado está livre do problema. Em Sergipe, o menor Estado do Brasil, a área sujeita a seca moderada sofreu uma grande redução, passando de 28% para 14% da superfície total. As áreas sujeitas a seca grave permaneceram inalteradas, abrangendo cerca de 31% da superfície do Estado. 

A situação na Bahia é complicada – o Estado só ficou atrás de Minas Gerais e de Mato Grosso na soma total de áreas afetadas pela estiagem. Cerca de 567 mil km² de terras no Estado estão enfrentando o fenômeno com diferentes intensidades. 

O Ceará, Estado que historicamente sempre foi um dos mais susceptíveis ao fenômeno, está com 60% do seu território enfrentando problemas de escassez hídrica. Para efeito de comparação, a área total que enfrentava o problema em janeiro de 2020, correspondia a 28% da superfície do Estado, o que mostra como houve um agravamento da situação desde então. 

No Maranhão, cerca de 70% da superfície do Estado está enfrentando problemas com a seca, sendo 41% com seca moderada e 29% com seca fraca. Cerca de 30% da superfície do Estado segue livre do fenômeno. Há cerca de um ano atrás, apenas 4% da superfície do Estado apresentava sinais de seca grave. 

A área que apresenta sinais de seca grave na Paraíba sofreu um leve aumento, passando de 26% para 27% da superfície do Estado. Em Pernambuco, cerca de 1% da superfície do Estado está enfrentado seca grave – 64% e 21% do Estado enfrentam, respectivamente, seca moderada e fraca. A área de seca no Estado subiu de 7% para 12% entre os meses de julho e agosto. 

No Piauí, as áreas livres de seca sofreram um ligeiro aumento, passando de 13% para 14% do território do Estado. As áreas sujeitas a seca moderada passaram de 57% para 62% e as áreas com seca grave se mantiveram na casa de 8% da superfície do Estado. 

Conforme já comentamos, o Rio Grande do Norte foi o Estado que mais sofreu com o agravamento das áreas sujeitas a seca grave nos últimos meses. Essas áreas passaram de 38% para 52% da superfície do Estado. Essa é a maior área com seca grave no Estado desde 2018. 

A seca é um fenômeno “natural que sempre fez parte das “paisagens” do Semiárido Brasileiro. Conforme já comentamos em inúmeras postagens anteriores, a ocupação gradativa dos Sertões por populações humanas e por atividades agropecuárias contribuiu muito para a amplificação do fenômeno. Um exemplo sempre lembrado aqui foi a queima constante de grandes extensões da Caatinga para a ampliação das áreas de pastagens para o gado. 

Uma das formas mais eficazes para amenizar as graves consequências dos graves ciclos de seca na região são as obras de segurança hídrica como canais, açudes, perfuração de poços, instalação de usinas para a dessalinização da água (muitas das fontes de águas subterrâneas da região são salobras), sistemas de transposição entre bacias hidrográficas, entre muitos outros. 

A ˝trancos e barrancos˝ são muitos os projetos que se encontram em andamento na região, mas muita coisa ainda precisa ser feita. Em pleno século XXI, é inconcebível que grandes áreas do Semiárido Nordestino ainda tenham os mesmos problemas de escassez hídrica de séculos atrás. 

E AS CHUVAS ESTÃO COMEÇANDO A CAIR NO BRASIL 

Depois de uma longa estiagem, as tão esperadas chuvas paulatinamente estão voltando a cair em diversos pontos da Região Centro-Sul do país. A distribuição das chuvas ainda é bastante irregular e os volumes ainda estão muito abaixo das necessidades de muitas regiões, mas é um momento de esperanças renovadas para muita gente. 

Confirmando as previsões dos institutos de meteorologia, o feriado prolongado deste dia 12 de outubro – Dia da Padroeira do Brasil, foi bastante chuvoso em diversas cidades. Em Santa Catarina, por exemplo, chuvas intensas provocaram grandes transtornos na Grande Florianópolis, no Sul e no Oeste do Estado. Foram registrados deslizamentos de terra, destelhamentos e alagamentos em várias regiões. 

O rio Cubatão, que atravessa vários municípios da Grande Florianópolis, sofreu um forte aumento na vazão e transbordou em vários pontos. Na região de Brusque, os problemas foram criados pelo rio Itajaí-Açu. Nesta época do ano, o rio costuma ter uma profundidade média de 1 metro na região, porém, chegou a registrar 5,58 metros após as fortes chuvas. 

Nos últimos cinco dias, a Região Sudeste foi a que registrou os maiores volumes de chuva, com os volumes mais expressivos em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Algumas dessas áreas chegaram a registrar um volume acumulado acima dos 60 mm. 

Na Região Centro-Oeste, onde muitas áreas estavam enfrentando uma forte seca, foram registrados volumes acumulados entre 20 e 30 mm. Na região do MATOPIBA, que engloba trechos dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, as chuvas também começam a voltar. De acordo com informações do Inmet – Instituto Nacional de Meteorologia, essa região apresentou chuvas irregulares com valores acumulados de até 20 mm. 

Na Região Sul, onde já começou o plantio de vários grãos, os maiores acumulados nos últimos dias estão na região Centro-Oeste do Rio Grande do Sul, com volumes entre 30 e 40 mm. Em Santa Catarina e no Paraná, os volumes de chuva acumulados nos últimos dias se situam entre 20 e 30 mm. 

Em grandes áreas do Brasil Central, que está enfrentando a maior seca dos últimos 91 anos, a chegada das chuvas é motivo de alívio e de muita comemoração. Existem dúvidas sobre o volume total de chuvas que cairá nos próximos meses na região e se essas águas serão suficientes para recompor os níveis de grandes reservatórios de usinas hidrelétricas.  

Uma das regiões que mais sofre com a forte seca é a bacia hidrográfica do Alto Rio Paraná, inserida nos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Importantes afluentes dessa bacia hidrográfica como os rios Paranaíba, Grande, Tietê, Paranapanema e Iguaçu, tem apresentado vazões bem abaixo da média histórica. Um sintoma desses baixos volumes de água podia ser visto claramente nas Cataratas do Iguaçu – nas últimas semanas, com a volta das chuvas na Região Sul, os volumes já aumentaram consideravelmente. 

As ameaças à geração de energia elétrica no país figuram entre as maiores preocupações dos brasileiros. Cerca de 2/3 de toda a energia elétrica consumida no país provém de fontes hidráulicas, o que coloca o Brasil numa posição de destaque em energia renovável no mundo. Mudanças climáticas globais, um tema constante nas publicações aqui do blog, podem estar alterando significativamente a distribuição das massas de chuva no país e afetando a geração hidrelétrica

Desde o final de maio, quando o Governo Federal emitiu um alerta de emergência hídrica em cinco Estados do país, diversas medidas para economia de água nos grandes reservatórios de usinas hidrelétricas vêm sendo tomadas. Um destaque é o acionamento gradual de usinas de geração termelétrica a gás, a carvão, a óleo e também a partir da queima de biomassa. 

De acordo com a ANEEL – Agencia Nacional de Energia Elétrica, o Brasil possui 3.168 centrais termelétricas, com uma potência outorgada de 51.797.907,79 kW e potência fiscalizada de 43,003.675,89 kW. Desse total, 41 empreendimentos ainda se encontram na fase de projeto e outros 67 estão em construção. Cerca de 65% dessas centrais termelétricas são movidas a partir da queima de combustíveis fósseis e 35% por queima de biomassa.   

Essa grande quantidade de centrais termelétricas foi uma consequência direta do grande “apagão de 2001″. Para quem não conhece a expressão, ela foi o resultado de uma grande crise de geração de energia de energia elétrica há época. Essa crise foi o resultado da soma de falta de chuvas e também de um planejamento inadequado do Sistema Elétrico Brasileiro. Após a crise, o Governo Federal incentivou a formação de uma grande rede de centrais termelétricas para acionamento em momentos de emergência. 

Apesar da relativa segurança oferecida por esse sistema, o custo dessa geração é bem maior do que nas centrais hidrelétricas e as contas dos consumidores passam a pagar uma taxa adicional, as chamadas bandeiras. Até o momento existem a bandeira amarela e a vermelha

A decretação da bandeira amarela sinaliza um acréscimo de R$ 1,874 na conta do consumidor a cada 100 kW/hora consumido. A bandeira vermelha é dividida em dois níveis – no primeiro, o acréscimo é de R$ 3,971 a cada 100 kW/hora consumido; no segundo patamar, esse acréscimo é de R$ 9,492.  

Em função da grave crise hídrica, está sendo estudada a criação de uma nova bandeira – a de “Escassez Hídrica”. No caso de decretação dessa bandeira, o valor da tarifa extra seria da ordem de R$ 14,20 para cada 100 kW/hora consumido, um grande desestímulo ao consumo exagerado de energia elétrica. 

A chegada gradual das chuvas a grande parte do território do país poderá até não conseguir resolver todos os nossos problemas, principalmente o de geração de energia elétrica, mas já mexe com os humores e com a esperança de todos nós.  

Então, que sejam bem-vindas as chuvas! 

O MILHETE, O TRIGO E A SOJA 

Agricultura moderna e de alta produtividade, como a que sendo desenvolvida no Cerrado Brasileiro, costuma ser o alvo da crítica furiosa de grupos ambientalistas internacionais. O enredo dessas críticas já foi mostrado inúmeras vezes aqui nas postagens do blog – essa produção decorre da destruição e da queima de grandes áreas da Floresta Amazônica.  

Parte dessas críticas até tem fundamento – áreas agrícolas e de pastagens no Sul e no Leste da Amazônia realmente surgiram em solos tomados “à forca” da grande floresta equatorial. Na maior parte dos casos, entretanto, essa premissa está errada – a grande fronteira agrícola brasileira fica dentro dos limites do Cerrado

Essa confusão teve início na década de 1950, período em que começaram a ser gestadas algumas das primeiras políticas para a ocupação e colonização da Região Amazônica. Em 1953, foi criada a SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia. Essa iniciativa levou a criação da Zona Franca de Manaus em 1957. 

Essas iniciativas governamentais ofereciam grandes subsídios e incentivos fiscais com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico da região. Muitos Governadores de Estados vizinhos à Amazônia fizeram um forte lobby político para conseguir abocanhar uma parte desses recursos, surgindo assim a criação do conceito “Amazônia Legal”.  

O Estados do Maranhão, do Tocantins (que há época era o Norte de Goiás) e o Mato Grosso (que depois teve o Sul desmembrado para formar o Mato Grosso do Sul), passaram a ser “Estados 100% amazônicos”. Porém, quando analisamos os mapas dos biomas desses Estados, concluímos que a maior parte de suas terras ficam dentro dos limites do Cerrado. Foi criada assim a eterna confusão da ocupação e da destruição da Amazônia brasileira pela agricultura e pela pecuária. 

A questão ambiental ganha cores ainda mais dramáticas para os grupos ecologistas quando se contabilizam os enormes volumes de fertilizantes e de defensivos químicos usados pela agricultura dessa extensa região brasileira. Além da destruição da floresta equatorial pelo fogo e pelas motosserras, nossos agricultores estão contaminando as águas da maior bacia hidrográfica do mundo com resíduos químicos. Guardadas as devidas proporções, esse é um problema real e que merece uma busca por soluções. 

Fugindo um pouco dessa verdadeira cruzada ambiental a que foi elevada a questão da Amazônia, gostaria de mudar um pouco a perspectiva – a Revolução Verde desencadeada em meados do século XX e sobre a qual falamos na última postagem, permitiu a transformação dos piores solos do Brasil em verdadeiros campeões de produtividade agrícola. Em meio século, nosso país passou da condição de importador para a posição de um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. 

Se o leitor quiser conhecer essa história de sucesso de nossa agricultura, pesquise nos arquivos aqui do blog temas como Cerrado e soja – existem dezenas de postagens que falam desses assuntos. 

Agora, para fazer um contraponto ao sucesso da agricultura e da produtividade agrícola do nosso Cerrado, vou falar um pouco do milhete, um dos cereais mais importantes para a alimentação de populações na África. 

O milhete (vide foto), também chamado de milho-miúdo, milho-alvo, painço, mileto e pão-de-passarinho, é um cereal originário do Sahel, uma extensa região semiárida da África. De acordo com estudos arqueológicos e botânicos, o milhete foi domesticado no Norte do Mali entre 2500 e 2000 antes de Cristo. Graças à sua fácil adaptação a terrenos de baixa fertilidade, a cultura se espalhou por toda a África Subsaariana, especialmente nas regiões de savanas, bioma que guarda muitas similaridades com o Cerrado. 

Por volta do ano 1500 a.C, o milhete chegou à Índia, onde se adaptou bem às áreas semiáridas de regiões como o Rajastão. A partir da Índia, o grão começou a se espalhar por extensas áreas semiáridas da Ásia, se transformando em um importante alimento para grandes contingentes populacionais. No Brasil, os primeiros registros do milhete datam da década de 1960. 

As principais espécies de milhete cultivadas são o Pennisetum robustum e o Pannisetum glaucum. No Brasil é comum o cultivo da espécie Panicum miliaceum, que é mais conhecida pelo nome de painço. 

Nas regiões semiáridas da África Austral, em países como Angola, Namíbia, Zâmbia, Botswana, África do Sul, Zimbabwe, Moçambique, entre outros, o milhete é um grão de extrema importância para a alimentação humana. Se valendo de técnicas agrícolas das mais rudimentares e lutando contra a baixa fertilidade dos solos e a escassez de água, os agricultores conseguem arrancar da terra baixíssimos volumes de grão. 

Um exemplo desse grande drama humano é o que se passa na região Leste de Angola, uma área de transição entre a savana africana e o Deserto do Kalahari. A preparação inicial dos solos é feita com a derrubada da rala vegetação, que é seguida pela queima dos restos de lenha, uma técnica que lembra muito a coivara praticada pelos nossos indígenas, quilombolas e agricultores mais tradicionalistas. 

Após a limpeza e a adubação rudimentar dos solos com as cinzas das madeiras queimadas, a terra é sulcada com arados puxados por animais, nada muito diferente do que era feito no Egito ou na Mesopotâmia há milhares de anos atrás. Esse trabalho de preparação do solo e a semeadura do milhete, que em Angola é conhecido como massango, coincide com o período das chuvas na região. 

A saga dos agricultores locais não termina aí – devido as técnicas agrícolas rudimentares, à baixa fertilidade dos solos e a escassez cada vez maior de água, a produtividade do milhete é extremamente baixa – são conseguidas safras médias de 100 kg de grãos para cada hectare plantado. Para efeito de comparação, a produtividade média da soja no Brasil é de 3 toneladas/hectare e de 4,3 toneladas/hectare para o milho. Em algumas regiões da Europa, a produtividade do trigo chega a 7 toneladas/hectare

Países como a China e a Índia são frequentemente lembrados pelas suas grandes populações e pelo crescimento contínuo dos seus respectivos consumos de alimentos. A China, que é um grande importador de grãos, carnes e de outros alimentos do Brasil, conta como uma população da ordem de 1,4 bilhão de habitantes. A população atual da Índia é de 1,38 bilhão de habitantes e, dentro de poucos anos, deverá superar a da China. 

O que quase nunca aparece nos meios de comunicação é o tamanho da população do Continente Africano – são mais de 1,2 bilhão de habitantes atualmente, número que deverá chegar aos 2 bilhões até o final deste século. A maior parte dessas populações sobrevive com uma produção agrícola tão rudimentar quanto essa citada de Angola, onde o milhete é uma das principais culturas. 

Esquecendo por um breve momento todas as restrições criadas por ambientalistas dos países mais desenvolvidos em respeito ao desenvolvimento de uma agricultura moderna e de alta produtividade, onde se possa usar de todos os benefícios dos fertilizantes e dos defensivos agrícolas – será que essas populações pobres e subalimentadas da África não poderiam ter direito a todos os benefícios de uma boa produção agrícola e de uma boa alimentação? 

Como dizia o falecido jornalista Joelmir Beting, “essa é para você pensar na cama”… 

LEMBRANDO DA REVOLUÇÃO VERDE, OU AINDA FALANDO DA CRISE DOS FERTILIZANTES 

Solos férteis, falando de uma forma bem simplificada, são os que permitem o desenvolvimento e a sustentação de vida vegetal. Esse tipo de solo reúne sedimentos minerais como areia, silte e argila; matéria orgânica resultante da decomposição de plantas e animais mortos; água e também ar. Também precisa reunir algumas formas de vida animal como as colônias de bactérias responsáveis pela decomposição da matéria orgânica. 

Insetos como as formigas e vermes como as minhocas também possuem um papel importante na fertilidade dos solos. As formigas carregam grandes quantidades de folhas e outras matérias orgânicas para suas colônias subterrâneas – essa matéria servirá para o “cultivo” de fungos, o alimento das formigas. A decomposição dessa matéria orgânica libera nitrogênio no solo, um elemento fundamental para a nutrição das plantas. As fezes das minhocas também liberam nitrogênio nos solos. 

Contando com sedimentos para dar sustentação às raízes, com nutrientes e água para “alimentar” as plantas e ainda com a energia da luz do sol, a vida vegetal consegue se desenvolver e sustentar a base da cadeia alimentar de um ecossistema. Em uma região de deserto de areias, como ocorre em grande parte do Deserto do Saara, os solos não reúnem todos esses elementos, por isso a raridade de vida vegetal. 

De outro lado encontramos florestas luxuriantes como a Amazônia, que aparentam possuir solos de altíssima fertilidade. Ledo engano – a maior parte dos solos da Amazônia apresentam uma alta acidez e uma baixíssima fertilidade. Toda a vida vegetal da grande floresta depende de uma grossa camada de matéria orgânica que cobre o solo e que provém da decomposição de restos de matéria orgânica da própria floresta e de animais mortos.  

Em vários locais da Amazônia, onde grandes extensões da floresta foram derrubadas para a implantação de campos agrícolas e pastos para o gado, a pouca fertilidade dos solos se perdeu dentro de poucos anos. Exposta às fortes chuvas da região, essa camada de matéria orgânica ou húmus acabou sendo carreada pelas águas, deixando solos onde mal crescem plantas rasteiras. Existem milhares de hectares desses solos abandonados na região, especialmente no Leste do Pará. 

Um caso bem interessante de perda de fertilidade dos solos de uma grande região foi o que ocorreu na América Central, que num passado já distante sustentou grandes impérios ameríndios como os maias, astecas e toltecas. Em um passado já bastante remoto, tribos indígenas que migraram de regiões desérticas do Norte do México e do Sudoeste dos Estados Unidos encontraram nas regiões dos planaltos centro-americanos uma espécie de gramínea que produzia saborosos grãos comestíveis.  

Domesticadas ao longo de muitas gerações, essas gramíneas foram transformadas no milho, um dos alimentos mais importantes do Novo Mundo. Grandes trechos das florestas da América Central passaram a ser queimadas para a formação de grandes plantações de milho, que sustentavam milhões de índios naqueles tempos. 

Essa queima das matas, que aqui no Brasil é conhecida como coivara, permite tanto a limpeza do terreno quanto uma adubação rudimentar pelas cinzas. Com o passar do tempo, esses solos perdem a fertilidade e outras áreas precisam ser queimadas para a formação de novos campos agrícolas. De acordo com vários estudos científicos, foi essa destruição de grandes áreas florestais a principal responsável pelo fim de algumas dessas civilizações indígenas, principalmente a maia. 

As dificuldades para a manutenção da fertilidade dos solos agrícolas ao longo de grandes períodos de tempo sempre foi um fantasma que acompanhou a humanidade desde o início da agricultura, surgida entre 10 e 12 mil anos atrás. Povos que viviam ao lado de grandes rios como o Tigre e o Eufrates na Mesopotâmia; o Nilo no Egito; o Ganges e o Indus no Subcontinente Indiano, ou ainda nas várzeas de grandes rios do Sudeste Asiático e Extremo Oriente, sempre podiam contar com o período das enchentes, quando uma grossa camada de nutrientes era trazida todos os anos pelas águas e recobria esses solos. 

Povos que não contavam com essa dadiva da natureza eram obrigados a se valer de uma série de artimanhas para garantir uma produção agrícola adequada. Uma dessas técnicas, que se manteve por vários milênios, era a rotação de terras. Enquanto um pedaço de uma área de terras estava sendo usado para a agricultura, outros trechos ficavam “descansando” por alguns anos, o que permitia que os solos recuperassem a sua fertilidade. 

As coisas, porém, nem sempre saíam do jeito que se esperava. Safras com baixa produtividade, secas, pragas agrícolas e ataques de gafanhotos, guerras, entre outros males, frequentemente assolavam povos inteiros e grandes contingentes populacionais sofriam com a fome e a desnutrição. Esse fantasma da insegurança alimentar ligada à produção agrícola (contra as guerras nunca houve muito o que se fazer) só passou a ser razoavelmente controlada há bem poucas décadas atrás. 

Um marco no aumento da produtividade agrícola data da década de 1930, quando o agrônomo norte-americano Norman Borlaug passou a realizar melhoramentos e a seleção de diferentes variedades de trigo, onde buscava plantas com maior produtividade, resistência a doenças e pragas. Plantações experimentais feitas anos depois no México resultaram em uma produtividade até sete vezes maior. O trabalho de Norman Borlaug para o aumento da produtividade na agricultura lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz de 1970. 

Outra fonte importante de inovações surgiu, surpreendentemente, de estudos feitos para a fabricação de gases venenosos para uso militar durante a Segunda Guerra Mundial. Muitas das moléculas que foram desenvolvidas viriam a ter um uso mais nobre como defensivos agrícolas para o controle de pragas, como fungicidas e também herbicidas. 

O desenvolvimento da indústria também resultou na criação de fertilizantes químicos baratos e de fácil produção, que revolucionariam para sempre a agricultura, inclusive em países pobres e que já tinham uma longa história de baixa produtividade agrícola e ciclos de fome. A mecanização da agricultura também foi um fator fundamental para o aumento da produtividade no campo. 

Em 1966, durante uma convenção das Nações Unidas sobre agricultura realizada na cidade de Washington, capital dos Estados Unidos, o pesquisador William Gown cunhou uma expressão que resumiria todas essas mudanças na agricultura – Revolução Verde

Um exemplo dessa Revolução Verde foi o que se passou aqui no Brasil na região do Cerrado. Conforme já comentamos em diversas postagens anteriores, essa grande região brasileira sempre foi considerada “inútil” para fins de agricultura. Os solos são extremamente ácidos e de baixíssima fertilidade. 

Com a criação da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, ainda na década de 1960, passaram a ser realizadas pesquisas para o desenvolvimento de grãos adaptados aos solos e ao clima do Cerrado brasileiro. Em 1975, a EMBRAPA apresentou as primeiras variedades de soja e de milho adaptadas para o plantio no Cerrado. 

Com o tratamento dos solos da região com calcário, processo conhecido como calagem, com as sementes adaptadas e com o uso intensivo de fertilizantes e defensivos químicos, o Cerrado se transformou no grande celeiro de grãos do Brasil. Processos semelhantes de grande aumento da produtividade agrícola ocorreram nessa mesma época na Índia, Paquistão e China, entre muitos outros países. 

Com todas as reservas que precisamos fazer sobre os impactos ambientais dos excessos praticados, é simplesmente impossível desenvolver uma agricultura moderna de grande produtividade sem o uso de fertilizantes e de defensivos químicos, especialmente em um mundo que tem 7,7 bilhões de bocas para alimentar. 

A CRISE ENERGÉTICA PODERÁ SE TRANSFORMAR EM UMA CRISE DE PRODUCÃO DE ALIMENTOS 

O mundo está vivendo uma grave crise enérgica nesses tempos em que a pandemia da Covid-19 parece estar se encaminhando para um sensível declínio. Aqui no Brasil assistimos a aumentos sucessivos nos preços da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha.  

Em países da Europa, na China e no Japão, o que tem tirado o sono dos Governantes são os aumentos explosivos nos preços do gás natural e do carvão, combustíveis essenciais para a produção de energia elétrica. O drama cresce a medida que o inverno do Hemisfério Norte se aproxima, época em que os países enfrentam uma demanda maior de energia para uso no aquecimento das casas. 

Na esteira dos problemas energéticos, o mundo poderá viver uma outra crise – a produção de alimentos poderá ficar comprometida devido à falta de fertilizantes. Vamos entender um pouco melhor essa situação. 

Fertilizantes são produtos e compostos químicos, de origem orgânica e inorgânica, que são utilizados na agricultura convencional para aumentar artificialmente a quantidade de nutrientes no solo e assim se conseguir uma maior produtividade. Entre os fertilizantes orgânicos podemos citar os estercos de animais, a farinha de osso, o húmus de minhoca, a farinha de mamona, entre outros. Entre os fertilizantes inorgânicos os mais usados são o nitrogênio, o fósforo e o potássio, mais conhecidos pela sigla NPK, entre muitos outros.  

Quem tem uma horta no fundo do quintal ou alguns vasos com plantas ornamentais em sua casa normalmente costuma se valer de adubos orgânicos, que garantem uma produção mais natural. Em grandes plantações comerciais, ao contrário, fertilizantes químicos são essenciais para uma alta produção. É justamente aqui onde o “perigo mora”. 

Nas últimas décadas, o Brasil se transformou em um dos maiores produtores agrícolas do mundo, notadamente nas culturas de grãos como a soja e o milho. No encalço da agricultura existem as atividades pecuárias, que dependem dos grãos para a produção das rações servidas aos animais. A agropecuária já responde por mais de 20% do PIB – Produto Interno Bruto, do país e alguns analistas acreditam que essa participação chegará a 30% em bem pouco tempo. 

De acordo com dados do Governo Federal, um em cada cinco pratos de comida servidos no mundo foi feito usando alimentos produzidos aqui no Brasil. Esse dado demonstra a importância dessas atividades econômicas para o Brasil e também para a segurança alimentar de boa parte da população mundial. 

Apesar de toda essa pujança no campo, a agricultura e, de quebra, a pecuária, tem um calcanhar de Aquiles – 85% de todos os elementos químicos usados na produção dos fertilizantes usados em nosso país são importados, especialmente os do grupo NPK. Aumentos nos custos desses insumos ou a falta deles, resultarão em sérios problemas para a agropecuária do Brasil e de muitos outros países pelo mundo afora. 

Entre os principais fornecedores de elementos químicos usados na produção de fertilizantes como potássio, enxofre, ureia, amônia anidra, ácido fosfórico, rocha fosfática e o NPK figuram países como Estados Unidos, Rússia, China, Canadá e Alemanha, entre outros. Muitos desses países estão passando por sérios problemas internos, o que tem reflexos diretos na produção e no preço dos insumos. 

A China, citando um exemplo, responde por 25% de todas as exportações mundiais de fósforo. Conforme comentamos em uma postagem anterior, o país está passando por uma grande crise de geração de energia elétrica por causa dos fortes aumentos nos preços do gás natural e do carvão. Sem contar com volumes adequados de energia elétrica, que em algumas regiões do país sofreu uma redução na oferta da ordem de 80%, muitas fábricas tem reduzido ou simplesmente parado a produção. 

Com o forte aumento na demanda por alimentos e as sucessivas altas nos preços de várias commodities agrícolas, muitos contratos para o fornecimento de fósforo tiveram seus preços duplicados, algo que vem criando um clima de muita especulação nos mercados. 

Outro elemento químico essencial para a agricultura é o potássio – o Brasil consome 18% de toda a produção de potássio do mundo. As maiores reservas desse elemento se encontram no Canadá, na Rússia e na Bielorrússia, país que está vivendo uma crise política grave e que poderá resultar em sérias dificuldades no mercado mundial. A Bielorrússia produz 20% do potássio consumido no mundo. O potássio já acumulou uma alta de preço de 200% apenas nesse último ano. 

O nitrogênio é outro elemento químico que está apresentando uma grande alta nos seus preços. O responsável aqui é o gás natural, combustível de onde se extrai o nitrogênio. O gás natural subiu muito nos últimos meses – na Inglaterra, o combustível aumentou cerca de 280%; na Alemanha esse aumento foi de 119% e na Franca de 149%. 

Além desses problemas específicos existem outros mais difusos – o custo dos transportes marítimos, por exemplo, aumentou muito nos últimos meses, o que tem se refletido em aumento dos preços de outros elementos químicos. Outro fator importante é a especulação de mercado – muitos empresários tem se aproveitado da situação para aumentar suas margens de lucro. 

O somatório de todos esses problemas poderá resultar em um aumento generalizado no preço de alimentos e de outras commodities agrícolas – ou seja, vai doer no bolso de todo mundo. Quem frequenta os supermercados com regularidade tem acompanhado com muita apreensão a disparada nos preços de produtos básicos do nosso dia a dia como o arroz, o feijão e as carnes. A simples possibilidade de aumentos de preços ainda maiores assusta muita gente. 

Nos últimos dias, o Governo Federal passou a anunciar o desenvolvimento de vários estudos para a ampliação da produção de elementos químicos para uso na produção de fertilizantes aqui no país. O Brasil possui diversas reservas desses minerais já em exploração e muitas outras já prospectadas e com grande potencial de produção. 

Aqui eu gostaria de destacar uma preocupação pessoal – foram citadas por algumas autoridades brasileiras a existência de reservas de fosfato na região da foz do rio Madeira e também na Ilha de Marajó, ambas na Amazônia. Atividades mineradoras sempre são problemáticas para o meio ambiente e não seria diferente na Amazônia. A urgência na obtenção desses elementos químicos poderá aumentar, e muito, os danos ambientais desencadeados pela mineração.

Vamos todos torcer para que os males que poderão ser desencadeados por essa crise na produção de alimentos sejam os menores possíveis, uma vez que os estragos serão inevitáveis. 

O JAPÃO E SUA DEPENDÊNCIA DOS COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS

Na tarde do dia 11 de marco de 2011, um forte terremoto com intensidade 8,9 graus na escala Richter sacudiu o leito marinho do Oceano Pacífico ao largo da Ilha Honshu, a maior do arquipélago do Japão. Diferente de outros fortes terremotos que atingem a região com relativa frequência, esse abalo sísmico resultou na formação de um grande tsunami, uma grande onda com altura entre 13 e 15 metros. 

Cerca de 50 minutos depois, essa grande onda chegou na região de Fukushima, atingindo em cheio a usina nuclear ali instalada. O avanço das águas do oceano encobriu o paredão de 5,7 metros da usina e inundou as instalações da unidade. Entre as áreas atingidas estava o prédio dos geradores, onde a água provocou o desligamento dos geradores de emergência. 

Entre outros problemas, a falta de energia elétrica provocou a interrupção do bombeamento da água usada no resfriamento dos reatores nucleares da usina e resultou num superaquecimento e fusão parcial dos núcleos dos reatores 1, 2 e 3. Se seguiram explosões de hidrogênio, o que danificou a estrutura de confinamento dos reatores (vide foto). Começava assim a saga de um dos maiores acidentes nucleares da história. 

Entre outros graves desdobramentos, o acidente nuclear na usina de Fukushima obrigou o Governo do Japão a interromper temporariamente toda a geração elétrica em seu parque nuclear e decretar uma revisão geral de todas as normas de segurança. Essa geração respondia por aproximadamente 25% de toda a energia elétrica do país. Centrais termelétricas a carvão e a gás natural, que há época respondiam por mais de 70% da geração elétrica no país, foram levadas à potência máxima para tentar garantir o abastecimento da população. 

Ao longo dos últimos dez anos, as fontes de energia renováveis cresceram bastante e já respondem por cerca de 17% da matriz energética do país – a geração por centrais nucleares representa cerca de 9% de toda a geração elétrica. A maior parte de toda a energia elétrica consumida no Japão, entretanto, continua dependendo de centrais termelétricas, o que é um grande problema num momento de forte alta nos preços dos combustíveis. 

No total, o Japão possui atualmente 140 usinas termelétricas a carvão em operação e existem outras 10 em fase de projeto. Juntas, essas unidades respondem por cerca de 1/3 de toda a energia elétrica consumida no país. A geração em centrais térmicas a gás são responsáveis por 38% de toda a geração elétrica. Juntas, essas usinas geram mais de 70% de toda a energia elétrica consumida no Japão. 

Essa forte dependência de combustíveis fósseis para a geração de energia elétrica torna o Japão alvo de fortes críticas entre os ambientalistas. Porém, não custa lembrar que o país é um arquipélago formado por quatro grandes ilhas, seiscentas ilhas menores e perto de oitocentas ilhotas, uma geografia que exige um sem número de unidades de geração elétrica independentes. Centrais térmicas a gás e a carvão ainda são as melhores opções técnicas para o país. 

De acordo com informações divulgadas pela imprensa local, o Governo japonês tem planos para desativar 100 das 114 usinas térmicas a carvão mais antigas até o ano de 2030. As demais 26 usinas desse tipo em operação utilizam uma tecnologia mais moderna, sendo bem mais eficientes em termos de produção de energia e também bem menos poluentes que as antigas termelétricas, apesar de poluírem o dobro quando comparadas a uma central térmica a gás. 

Nesse mesmo prazo, os japoneses pretendem aumentar a participação de fontes de geração renováveis como a fotovoltaica, eólica e de queima de biomassa a valores próximos de ¼ da matriz energética do país. Também esperam aumentar a participação da geração nuclear a valores entre 20 e 22% da matriz energética, um percentual que ainda continuaria abaixo do que era gerado antes do acidente nuclear de Fukushima

Falar de energia atômica no país é um tema delicado. O Japão foi o único país do mundo a ser atacado por armamentos nucleares na história – falo aqui das bombas atômicas lançadas sobre as cidades de Hiroshima Nagasaki, eventos que culminaram com a rendição incondicional do país e marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.  

Além das centenas de milhares de mortes provocadas logo após esses ataques, outras centenas de milhares de pessoas sofreram ao longo das décadas seguintes por causa dos efeitos da radiação. Energia nuclear é um tema que divide opiniões no país até hoje. O acidente com a usina nuclear de Fukushima reacendeu antigos medos e trouxe à tona trágicas lembranças. 

Para muitos japoneses, especialmente para os mais idosos, qualquer outra forma de geração de energia – mesmo em se tratando de fontes fósseis poluentes, é melhor do que um aumento do uso de fontes nucleares. Apesar das limitações que isso pode causar para a terceira maior economia do mundo, isso abre a possibilidade de uma busca cada vez maior por fontes renováveis como as eólicas, fotovoltaicas, queima de biomassa, entre outras. 

Apesar dos enormes impactos econômicos da forte alta nos custos da energia elétrica nos últimos meses, os japoneses tem um trunfo a seu favor – o setsuden, um movimento civil de estímulo a conservação e economia de energia elétrica. Esse movimento surgiu imediatamente após o acidente com a usina nuclear de Fukushima, quando a população ficou preocupada com possíveis blecautes. 

Além de todo o esforço da população civil, o Governo japonês tomou uma série de medidas para estimular as empresas a buscar alternativas para a redução do consumo de energia. A combinação de todos os esforços resultou numa redução do consumo de energia elétrica de 8% no Japão entre 2011 e 2018. Essa mesma consciência social poderá fazer toda a diferença nesse momento de crise energética. 

Da mesma forma que vem acontecendo em outros países, a atual crise energética no Japão vai levar a um aumento das emissões de gases de efeito estufa nos próximos meses – muito carvão será queimado ao longo desse inverno. 

A esperança é que isso resulte em um aumento cada vez maior da consciência ambiental entre os governantes e que resulte em ações e buscas por fontes cada vez mais sustentáveis de geração de energia elétrica num futuro bem próximo. Como é corrente na cultura do Extremo Oriente, toda crise gera novas oportunidades! 

A CRISE ENERGÉTICA NO REINO UNIDO

Nas postagens anteriores falamos dos problemas energéticos que estão tirando o sono de muitos governantes pelo mundo afora. Aqui no Brasil, como é do conhecimento de todos, estamos convivendo com sucessivas altas nos preços dos derivados de petróleo – especialmente o diesel e o gás de cozinha. 

Nossos problemas ganham maior corpo quando incluímos na equação a grave crise hídrica que está assolando grande parte do Brasil Central. Sem poder contar apenas com a geração hidrelétrica, uma infinidade de usinas termelétricas foram acionadas, lembrando que os combustíveis usados por essas unidades são o carvão, o gás natural e o óleo diesel, insumos que encareceram bastante nos últimos meses. 

Na China e na Europa os problemas estão concentrados em torno do gás natural e do carvão. Após uma brusca redução do consumo por cerca de um ano e meio devido a pandemia da Covid-19, as economias desses países começaram a crescer mais rápido do que se esperava – quanto mais forte o crescimento econômico maior é a demanda por combustíveis. Como todas as cadeias de produção e de distribuição estavam em marcha lenta, começou a faltar combustíveis e os preços subiram muito. 

Um dos países europeus que mais tem enfrentado problemas nessa área é a Inglaterra. Além da alta no preço do gás natural no país – que já chegou próximo dos 280%, e que tem reflexos diretos no custo da geração de energia elétrica e em diversos processos industriais, os ingleses estão sofrendo com a falta de combustíveis nos postos de gasolina. Esse último problema é resultado do Brexit

Relembrando, a população do Reino Unido decidiu em um polemico plebiscito pela saída da União Europeia em 2016. A União Europeia é um grupo formado por 28 países, onde o transito de pessoas e de mercadorias é livre. O Reino Unido entrou no bloco em 1973. A saída oficial dos britânicos da União Europeia se deu em 31 de janeiro de 2020. 

Além de todos o problemas práticos criados pelas novas regras alfandegárias para a importação e exportação de produtos, a saída do bloco europeu implicou em inúmeros problemas de mão de obra. Centenas de milhares de trabalhadores da Europa continental estavam trabalhando nas Ilhas Britânicas e, com a mudança nas regras de trabalho e imigração, grande parte dessa mão de obra se viu obrigada a sair do Reino Unido. 

O êxodo de mão de obra foi agravado com a chegada da pandemia da Covid-19 – com a restrição de circulação de pessoas e o fechamento de empresas, muitos estrangeiros que ainda permaneciam trabalhando no Reino Unido se viram obrigados a retornar aos seus países de origem. Conclusão – está faltando mão de obra em diversas áreas. Somente no setor de transporte de cargas, as estimativas falam que faltam 200 mil caminhoneiros. 

Com as rede de transporte e de distribuição com grandes problemas, lojas, supermercados e postos de combustíveis estão deixando de ser abastecidos e a população está sofrendo as consequências. Uma imagem que se tornou comum são as grandes filas de carros nos postos de gasolina, com motoristas desesperados para encher o tanque (vide foto). Disputas acirradas, inclusive com agressões físicas, também se tornaram comuns. 

Além da falta de combustíveis no varejo, que é a parte mais visível da crise energética, os problemas também são enormes no atacado, principalmente para o setor de geração de energia elétrica. Existem perto de 50 empresas de geração e de distribuição de energia elétrica no Reino Unido, grande parte delas usuárias de gás natural para geração termelétrica.  

O custo do gás representa a maior parte do custo operacional dessas empresas e, como não seria diferente, os aumentos do combustível foram repassados para os consumidores. A conta de energia elétrica dos consumidores já subiu 250% apenas neste ano

O Reino Unido, a exemplo da maioria dos países europeus, vinha investindo pesado em fontes renováveis para a geracão de energia elétrica, especialmente a partir de fontes eólicas. Neste último ano, as fontes eólicas responderam por 25% de toda a geração de energia elétrica nesses países (o Reino Unido é formado pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). 

A geração eólica offshore, ou seja, em alto-mar, merece destaque e representa cerca de 8% de toda a energia elétrica produzida. A meta do Reino Unido é garantir que 1/3 de toda a sua produção de energia venha de fontes eólicas até 2030. É possível, inclusive, se atingir uma geração eólica correspondente até 80% da matriz energética até 2050. Porém, conforme já comentamos em postagem anterior, essa geração de energia é intermitente. 

No último verão, citando um exemplo, a redução da velocidade média dos ventos provocou uma redução de 7% na geração eólica no Reino Unido. Ao longo do dia e da noite a geração eólica também sofre oscilações, sendo necessário o acionamento constante da geração térmica a gás ou a carvão para compensar os volumes de energia demandados pela população. 

No total, as fontes de geração de energia renovável no Reino Unido somam 42 GW de acordo com relatórios do final de 2018. Desse total, a geração eólica responde por 20 GW e a geração fotovoltaica por 13 GW. A geração em centrais hidrelétricas e por queima de biomamassa somam 9 GW. Já a geração termelétrica a gás natural e a carvão responde por 20,6 GW. Essa geração a partir de combustíveis fósseis caiu em um terço desde 2013

O brusco aumento da demanda de energia elétrica no Reino Unido e a alta expressiva nos custos do gás natural abriram as portas para o aumento da queima do carvão nas centrais termelétricas. O Reino Unido possui grandes reservas desse combustível, o que facilita, e muito, a ampliação do seu uso para a geração de energia. Porém, não custa lembrar, a queima do carvão é uma das principais fontes de gases de efeito estufa. 

Esse problema atual ( a médio e longo prazo, as cadeias de produção e de abastecimento de combustíveis, e os preços devem se normalizar) poderá se consolidar num grande problema. Desligado da União Europeia, o Reino Unido está legalmente livre de cumprir uma série de acordos ambientais assinados com o bloco, com destaque aqui para a ampliação do uso de energias renováveis. 

Sem uma forte pressão dos cidadãos, especialmente os britânicos, o Governo local poderá se sentir tentado a estimular um uso cada vez maior do carvão “nacional” para geração de energia elétrica, algo que seria bastante benéfico para a economia local nesse momento de transição econômica pós-Brexit, e lamentável para o meio ambiente. 

Como todos sabem, o dinheiro sempre acaba falando mais alto e a tentação será grande… 

O USO DO CARVÃO EM UMA EUROPA “ECOLOGICAMENTE CORRETA” 

Nos últimos anos, países da Europa têm feito enormes esforços para tornar as suas respectivas matrizes energéticas cada mais sustentáveis. Fontes renováveis como a eólica, solar, hidráulica e biomassa cresceram muito e já representam mais de 38% de toda a energia elétrica gerada no continente. Entre os anos de 2019 e 2020, essa geração cresceu 3,4%. 

Combustíveis fósseis – especialmente o poluente carvão e os derivados de petróleo, ao contrário, tiveram seu consumo substancialmente reduzido. No mesmo período entre 2019 e 2020, o uso desses combustíveis sofreu uma redução de 37%. O gás natural vem aumentando sua participação na matriz energética e viu seu consumo crescer 15% desde 2015. Apesar de também ser um combustível de origem fóssil, o gás é bem menos nocivo ao meio ambiente.

Plantas de geração de eletricidade através de painéis solares e geradores eólicos (a foto que ilustra esta postagem mostra aerogeradores no Mar do Norte) foram as que mais cresceram, especialmente em países como a Holanda, a Bélgica e a Suécia. Apesar do enorme sucesso dessas fontes de energia renovável, elas são intermitentes – sistemas solares não geram energia a noite e os ventos não são constantes. A geração térmica a gás e a carvão, e também as centrais hidrelétricas e as nucleares são essenciais para complementar o fornecimento de energia elétrica dessas fontes renováveis 

Um país que vem se destacando nos últimos anos pela descarbonização da sua matriz energética é a Espanha. Em 2020, o país anunciou o fechamento de 7 de suas 15 centrais termelétricas a carvão, empreendimentos que chegaram a produzir cerca de 5 GW. Os espanhóis planejavam fechar outras 4 termelétricas agora em 2021, planos que atrasaram por causa da pandemia da Covid-19. A ambiciosa meta da Espanha é atingir 75% de geração elétrica a partir de fontes renováveis até 2030. 

Outro país que vem pensando “grande” nessa área é a Alemanha, o maior consumidor de carvão da Europa. A meto do país é se livrar totalmente da geração de energia elétrica em centrais termelétricas a carvão até 2038. Esse processo está sendo implementado de forma progressiva e o programa prevê um pacote de 40 bilhões de Euros para a transição econômica das regiões carvoeiras. 

Já na Franca, a situação é um pouco diferente – mais de 75% da energia elétrica consumida no país é gerada em usinas nucleares. São 19 empreendimentos com 59 reatores nucleares instalados. Apesar de ser uma das formas de geração de eletricidade mais eficientes e de baixo impacto ambiental existentes, essas instalações causam enormes preocupações em grande parte da população francesa. 

Depois do acidente com a usina nuclear de Fukushima no Japão, que foi atingida primeiro por um terremoto e depois por um tsunami em 2011, muitos ambientalistas passaram a pressionar o Governo francês na busca de fontes de geração elétrica mais seguras e sustentáveis como as usinas hidrelétricas, solares e eólicas. Em 2020, inclusive, a usina nuclear de Fessenheim, a mais antiga da França e que estava em operação desde 1977, começou a ser desativada, um processo que será concluído até 2023. A usina deverá estar totalmente desmontada até o ano de 2040. 

Outros países europeus como Inglaterra, Polônia e Grécia também vem trabalhando intensamente para adequar suas respectivas matrizes energéticas aos termos do Acordo de Paris, assinado por mais de 195 países em 2015. Esse acordo tem como principal objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aumento médio de temperatura global a 2ºC, quando comparado a níveis pré-industriais. 

Uma das grandes apostas desses países europeus para atingir as metas ambientais pactuadas no Acordo de Paris foi estimular o uso do gás natural como substituto do carvão mineral. O gás polui menos, é mais eficiente e mais fácil de transportar que o carvão, sendo também mais vantajoso do ponto de vista econômico. 

Tudo ia bem até que, no final de 2019, surgiu na China a epidemia da Covid-19, que em poucos meses foi elevada à categoria de pandemia pela OMS – Organização Mundial da Saúde. A grande velocidade de propagação da doença e a falta de tratamentos adequados assustou o mundo e Governos passaram a defender a restrição da circulação de pessoas como forma de conter o avanço da doença. 

Com o “fique em casa”, os países entraram em forte contração econômica, reduzindo substancialmente o consumo de combustíveis derivados do petróleo, do gás natural e também do carvão. Com a queda no consumo, os produtores e distribuidores desses combustíveis reduziram a suas respectivas produções. Esse ritmo em “marcha lenta” se manteve por cerca de um ano e meio. 

Nos últimos meses, felizmente, a pandemia da Covid-19 passou a dar sinais claros de que está se aproximando de um final. Essa maravilhosa notícia, entretanto, passou a cobrar um preço alto dos países – a atividade econômica começou a crescer num ritmo maior do que se previa, gerando uma enorme demanda por produtos, matérias primas, transportes e combustíveis, pressão essa que gerou grandes aumentos de preços. 

Entre os campeões nos aumentos de preços se destaca o gás natural, que teve seu preço majorado em 280% na Europa e em 100% nos Estados Unidos. Mais de 65% do gás natural utilizado na Europa vem da Rússia, país que também fornece grandes volumes do produto para a China. Conforme comentamos na postagem anterior, a China está tendo sérios problemas com a geração de eletricidade e tem pressionado a Rússia para aumentar suas exportações de gás e carvão para o país. 

De acordo com a famosa “lei da oferta e da procura”, um dos fundamentos mais elementares da economia, sempre que um produto ou uma matéria prima fica escasso (a), seu preço sobe. A intensa disputa entre europeus e chineses conta com um agravante – o inverno está chegando e os países vão precisar aumentar a geração de energia elétrica para garantir o funcionando dos sistemas de aquecimento nas residências dos seus cidadãos. 

Segundo as informações divulgadas, os estoques de gás na Europa estão na casa dos 75% e há riscos de faltar combustível para atender a demanda de energia elétrica no continente ao longo do inverno. Muitos países estão tentando comprar volumes maiores de carvão de forma a utilizar (em muitos casos reativar) emergencialmente suas boas e velhas usinas termelétricas a carvão. 

Esse movimento pode soar como uma tremenda hipocrisia num continente que se esforça para descarbonizar as suas economias. Porém, como eu comentei numa postagem anterior, entre ser ecologicamente correto e morrer de frio ou poluir a atmosfera com gases de efeito estufa em uma casa bem quentinha, melhor ficar com a última opção. 

Logo depois que o inverno passar, essa turma vai voltar a falar das queimadas na Amazônia… 

CHINA: UM GIGANTE ECONÔMICO “ALIMENTADO” A CARVÃO

A China possui enormes reservas minerais, onde se destacam os grandes volumes de carvão. As maiores reservas desse combustível fóssil são encontradas no Norte do país – as estimativas indicam que a província de Shanxi possui metade das reservas de carvão do país. Também se destacam com importantes reservas as províncias de Heilongjiang, Liaoning, Jilin, Hebei e Shandong

De acordo com dados de 2018, a China ocupava a primeira posição mundial na produção de carvão com um volume total de 3,5 bilhões de toneladas. Mesmo com essa produção fabulosa, o país também ocupava a posição de maior importador mundial desse combustível com um volume de 285 milhões de toneladas. Os principais fornecedores há época eram a Indonésia e a Austrália. 

Todo esse imenso volume de carvão alimenta uma parte considerável da economia chinesa – aliás, não é exagero afirmar que o dragão gigante da Ásia é alimentado a carvão. A queima do combustível gera a energia necessária para impulsionar siderúrgicas, indústrias, centrais termelétricas para a geração de energia elétrica, além de prover aquecimento para centenas de milhões de residências no rigoroso inverno local. 

Até o ano de 2014, cerca de 80% de toda a energia elétrica gerada na China provinha de centrais termelétricas a carvão, 17% de centrais hidrelétricas e o restante de outras fontes como usinas nucleares. Nesse ano foi estabelecido um plano de ação emergencial para a redução da poluição atmosférica no país.  

Foram estabelecidas reduções de 15% nas emissões de dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio em relação aos níveis de 2015 e estabelecido que as 80 maiores cidades do país tenham 80% dos dias com bons níveis de qualidade do ar. Um dos mecanismos para se conseguir essa redução nas emissões passou a ser a substituição do carvão pelo gás natural. Apesar dessa redução, o carvão ainda continuou reinando como a principal fonte energética da China. 

O “ponto fora da curva” para a economia da China e do mundo como um todo começou no final de 2019, época em que começaram a surgir as primeiras notícias da pandemia da Covid-19. A cidade de Wuhan na província de Hubei na China é considerada como o berço da pandemia que paralisou o mundo a partir do início de 2020. 

Sem maiores conhecimentos sobre a doença e seus mecanismos de disseminação, dos tipos de tratamentos e também dos medicamentos que poderiam ser usados no tratamento das vítimas, Governos de grande parte do mundo passaram a adotar políticas de restrição da circulação de pessoas e de produtos – o famoso “fique em casa – a economia a gente vê depois”. 

Sem nos atermos muito a detalhes desse verdadeiro “samba do crioulo doido” que a maioria dos leitores conhece muito bem, as economias dos países entraram num ciclo contínuo de “desligamento” – sem produção e com a redução drástica do comércio mundial, a demanda por combustíveis caiu bastante, o que resultou numa importante redução da produção de petróleo, gás e carvão

Nesses últimos meses, com o arrefecimento da pandemia da Covid-19, a economia mundial passou a apresentar sinais de rápido aquecimento, com um aumento brusco do consumo de combustíveis. Com a produção e a distribuição totalmente desorganizadas, os preços do petróleo, do gás natural e do carvão dispararam no mercado internacional. A economia chinesa está sofrendo como nenhuma outra com a falta de combustíveis, principalmente para a geração de energia elétrica. 

A China caminha a passos rápidos para se tornar a maior economia do mundo. Porém, ao contrário do que todos nós estamos acostumados aqui em nosso país e em países do Ocidente, a economia chinesa possui um planejamento central. Todas as necessidades de produção da economia – matérias primas, recursos energéticos, obras de infraestrutura, sistemas de transporte, entre outros, dependem do trabalho de planejadores do Governo Central. 

Para se calcular a necessidade de combustíveis em um determinado período, esses planejadores avaliam toda a demanda pelas indústrias, usinas termelétricas, sistemas de transporte, entre outras necessidades. Uma vez determinado volume necessário, é dada uma ordem de produção para as empresas de mineração e para os sistemas de importação, transporte e distribuição dos combustíveis por todo o país. Todo o processo demanda vários meses para seu planejamento e execução. 

A paralização da economia mundial por quase dois anos comprometeu todo esse planejamento estatal e agora, com o brusco reaquecimento da economia mundial, a máquina chinesa está com dificuldades para retomar o ritmo normal. Está faltando gás natural, petróleo e, principalmente, carvão para saciar o apetite energético do dragão chinês, produtos que além de raros estão caros. Serão necessários vários meses, talvez anos, para o mercado mundial se normalizar. 

A poluição criada em toda a China por essa fabulosa queima de carvão e de outros combustíveis fósseis gera inúmeros problemas de saúde nas populações, especialmente das grandes cidades (que no país são muitas). Em grandes regiões metropolitanas como Pequim, Hebei e Tianjin já foram detectados níveis de poluição do ar por partículas resultantes da queima de combustíveis fósseis em níveis até 40 vezes acima do máximo recomendado pela OMS – Organização Mundial da Saúde. 

De acordo com a OMS, a quantidade de partículas microscópicas de poluentes com tamanho até 2,5 micrômetros – conhecidas como PM2.5, deve ser no máximo da ordem de 25 microgramas por metro cúbico de ar. Estudos conjuntos feitos por universidades americanas e chinesas indicam que a intensa poluição do ar nas grandes cidades da China resulta em 177 mil mortes prematuras a cada ano

A redução forçada das emissões de poluentes na China durante esse período da pandemia da Covid-19 salvou milhares de vidas. De acordo com algumas projeções, cerca de 4 mil crianças e 73 mil adultos com idade acima de 70 anos tiveram suas vidas poupadas devido a redução da poluição do ar em grandes cidades chinesas nos primeiros meses da pandemia. Esses números deverão ser bem maiores quando todo o período for devidamente avaliado

Será uma questão de uns poucos meses até que o fornecimento carvão e de outros combustíveis fósseis seja normalizado em toda a China. Muitas das usinas termelétricas movidas a carvão que até hoje estavam sendo mantidas desativadas provavelmente voltarão a operar, dando um folego extra nessa reativação da economia da China. O poderoso dragão chinês voltará a esbanjar saúde em breve. 

Já o povo, esse voltará a sofrer com os dramáticos efeitos da gravíssima poluição do ar nas grandes cidades chinesas. Lamentável! 

UMA CRISE ENERGÉTICA MUNDIAL

Quem tem acompanhado os noticiários dos últimos dias com alguma atenção deve ter percebido a grande quantidade de notícias que tratam dos grandes aumentos nos preços da gasolina e do óleo diesel. Mesmo quem não um veículo que use esses combustíveis sabe que esses aumentos serão repassados aos preços do transporte público, dos alimentos e de outras mercadorias transportadas por via rodoviária. 

Outro insumo essencial para grande parte das famílias é o gás de cozinha, produto que está com um preço demasiadamente alto para os padrões salariais de grande parte da população. Por trás dessa elevação dos preços desses produtos está uma forte alta no preço do petróleo nos mercados internacionais. Na última semana, o preço do barril do petróleo Brent, que é usado como uma referência no mercado internacional, superou a marca dos US$ 80.00. 

Como se não bastasse esse grande aumento nos custos dos derivados de petróleo, vivemos uma outra crise enérgica – a de geração de energia elétrica. Toda a região Central do Brasil está enfrentando uma forte seca, o que tem reflexos em grandes reservatórios de importantes centrais hidrelétricas que estão com baixíssimos níveis de água.  

Sem essa fonte de geração hidráulica, nosso país teve de acionar as centrais de geração termelétrica emergenciais movidas a carvão e a óleo diesel, insumos que estão com preços nas nuvens devido ao aumento dos custos do petróleo no mercado internacional. 

Aqui vale um lembrete – sempre que as centrais de geração termelétrica são acionadas, os valores das contas de energia elétrica dos consumidores são acrescidos de uma taxa extra, que no momento é chamada bandeira vermelha patamar 2. Segundo dados da ANEEL – Agencia Nacional de Energia Elétrica, o valor dessa taxa é de R$ 9,49 para cada 100 kW/hora consumido. Há estudos com o objetivo de aumentar o valor dessa taxa nesse momento de crise hídrica

Apesar do forte uso político desses aumentos nos preços dos combustíveis e da energia elétrica contra o atual Governo do país – lembrando que ano que vem teremos eleições presidenciais, essa é uma crise mundial que tem afetado países de forma diferente. A Europa e a China são as regiões onde a situação é mais grave. 

Vamos começar falando da China, a economia que mais cresceu nas últimas décadas e que, dentro da nossa área de interesse, é a que mais polui o planeta. Apesar da forte pressão internacional para a redução do carvão como uma das principais fontes de geração de energia elétrica no país, a economia chinesa ainda é fortemente dependente desse insumo.  

Num esforço para tentar tornar a economia da China “mais verde e ecologicamente correta”, o Governo local tem tomado medidas para reduzir a mineração e o consumo do carvão ao mesmo tempo em que vem estimulando o uso cada vez mais intensivo do gás natural, um combustível também de origem fóssil, mas muito menos poluente

Foi aqui que apareceu um enorme problema – depois de quase dois anos de forte retração por causa da pandemia da Covid-19, a economia mundial começou a retomar o crescimento num ritmo muito mais forte do que se esperava. Importantes combustíveis como o petróleo, o gás natural e o carvão passaram a sofrer fortes aumentos nos seus preços, o que está criando problemas no mundo inteiro. 

Vamos citar como exemplo o Brasil, onde apesar de todos os problemas que estamos vivendo, há uma perspectiva de crescimento da ordem de 5% este ano. Esse crescimento gera o aumento do consumo de energia – principalmente elétrica, de matérias primas, de mão de obra, de transportes e tudo mais. 

Transformada já há muitos anos na “fábrica do mundo”, a economia chinesa vem sendo cada vez mais pressionada a fornecer produtos e componentes para inúmeras empresas ao redor do mundo. Para atender essa demanda as fábricas chinesas precisaram aumentar o seu próprio consumo de energia e de matérias primas. Conclusão – está faltando gás natural para a geração de energia elétrica e também falta carvão para acionar todas as antigas unidades de geração de energia elétrica do país

O Governo chinês já está racionando o fornecimento de energia elétrica. Estão ocorrendo cortes de luz programados e até mesmo apagões em fábricas e residências por todo o país. A situação é particularmente grave em três províncias no Norte onde vivem 100 milhões de pessoas. Essa pressão chinesa pelo aumento do consumo de gás natural e de carvão está criando graves problema para a Europa. 

Sempre que a oferta de um determinado produto é reduzida, seu preço acaba subindo. Essa é a boa e velha “Lei da Oferta e da Procura” da economia, que países da Europa estão sentindo na própria pele. O custo do gás natural aumentou quase 300% em alguns países como a Alemanha e a Inglaterra. A razão é simples – a Rússia, país que fornece grande parte do gás natural consumido na Europa, aumentou suas vendas para a China e tem pouco produto extra para fornecer para os europeus. Também alegam dificuldades no transporte de maiores volumes de gás pelos gasodutos já existentes. 

A situação da Europa está ficando tão complicada que muitos Governos tem solicitado à Rússia aumentos nos volumes de carvão comprados do país. Com políticas ambientais extremamente vigorosas, os países europeus vinham reduzindo significativamente os volumes de energia elétrica produzidos através da queima do carvão em usinas termelétricas e migrando essa geração para centrais térmicas a gás. 

Com o inverno se aproximando, época do ano em que há um aumento expressivo do consumo de eletricidade por causa dos sistemas de aquecimento das casas, muitos países europeus pretendem “esquecer” temporariamente seus compromissos ambientais e gerar o máximo possível de energia elétrica com base no carvão. Entre ser ecologicamente correto e morrer de frio ou poluir a atmosfera com gases de efeito estufa em uma casa bem quentinha, melhor ficar com a última opção. 

Essa demanda dos países da Europa por mais carvão da Rússia esbarra num grande problema – a China também tem um clima temperado em grande parte do seu território e também precisa aumentar a sua geração de energia elétrica no período do inverno. Os russos alegam que já comprometeram toda a sua produção excedente com os chineses, inclusive a infraestrutura de transporte. 

Os norte-americanos, por enquanto, ainda estão numa posição confortável. O país atingiu um grau de auto suficiência na produção de petróleo e gás, além de produzir grandes volumes de energia elétrica em centrais nucleares, algo que muitos países da Europa sempre abominaram. O Brasil, inclusive, fechou um grande contrato para a compra de gás natural dos Estados Unidos – segundo alguns analistas, essa compra ajudou a desestabilizar ainda mais o mercado mundial do gás. 

Os próximos meses serão bastante complicados, tanto aqui no Brasil quanto em grande parte do mundo. Essa é aquela parte do mantra que ouvimos à exaustão nos últimos meses – “a economia a gente vê depois“. 

O tal do “depois” chegou…