
Nós paulistanos estamos mais do que acostumados a ouvir “citações” de terceiros referentes à nossa cidade: caótica, poluída, engarrafada, cinza, impessoal, complicada, entre inúmeros outros comentários. Também ouvimos frequentemente coisa do tipo “selva de pedra”, “túmulo do samba” (essa expressão foi cunhada por Tom Jobim), “terra da solidão em massa”, e por aí vai.
A maioria aceita com naturalidade esses “pequenos” defeitos da sua cidade e até costuma acrescentar muitos outros à lista. Entretanto, para espanto de muita gente, paulistanos conseguem enxergar muita beleza em meio a todo o caos urbano que os cerca.
Nesses últimos dias, um desses raros e impressionantes momentos de pura beleza vem tomando conta de ruas, avenidas, praças e parques aqui da cidade. Em um sincronismo invejável, todos os ipês-amarelos da cidade de São Paulos se cobriram de flores, para deleite de todos. Isso não é uma exclusividade da “Pauliceia Desvairada” – inúmeras cidades em todo o país estão assistindo ao mesmo espetáculo da natureza.
Existem várias espécies de ipês-amarelos. Uma delas é o ipê-amarelo-flor-de-algodão (Handroanthus serratifolius), também conhecido como ipê-amarelo-da-mata, ipê-ovo-de-macuco, ipê-pardo, ipê-tabaco, pau-d`arco-amarelo, piúva-amarela e tamurá-tuíra. É uma árvore de médio a grande porte típica da Mata Atlântica, que pode atingir de 15 a 30 metros de altura.
Outra espécie bastante difundida é o ipê-do-cerrado (Handroanthus ochraceus), que como o nome já indica é encontrado em regiões do Cerrado Brasileiro, no Pantanal Mato-grossense e também na Amazônia. Essa espécie é menor que a encontrada em regiões de Mata Atlântica, com altura entre 6 e 14 metros, mas a sua beleza também é impressionante.
Eu tenho uma ótima lembrança dessas árvores na Floresta Amazônica – em 2010, quando fazia uma viagem entre a cidade de Porto Velho, capital de Rondônia, e Humaitá, no Sul do Estado do Amazonas, atravessei um trecho de mais de 200 km no meio de uma floresta absurdamente verde, que naqueles dias estava salpicada de amarelo por causa de inúmeros ipês em plena floração.
E por que falar da floração dos ipês-amarelos?
Na cultura popular, a floração dos ipês ocorre no auge da seca, um evento que anuncia que as chuvas estão se aproximando. Setembro é o mês que marca o início da temporada das chuvas no Cerrado e também na região Centro-Sul do país. Neste ano em que o país está vivendo a sua pior temporada de seca dos últimos 91 anos, a chegada das chuvas nunca foi tão esperada.
Como muitos devem se recordar, O SNM – Sistema Nacional de Meteorologia, emitiu no último dia 27 de maio um alerta conjunto de emergência hídrica para a área da bacia hidrográfica do rio Paraná, na região que abrange os Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. O comunicado informava que a região teria chuvas abaixo da média entre os meses de junho e setembro de 2021, uma previsão que infelizmente se confirmou.
Esse órgão foi criado oficialmente no dia 3 de maio de 2021 e reúne serviços do INMET – Instituto Nacional de Meteorologia, INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e CENSIPAM – Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, tendo como objetivo o fortalecimento das competências centrais de cada uma das instituições.
Esses órgãos federais são vinculados MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e MD – Ministério da Defesa. Entre outros objetivos, o SNM tem a missão de eliminar a sobreposição de atividades e gerar uma cadeia de processos, produtos e dados interligados e complementares.
Entre outros desdobramentos, a forte seca que está assolando a bacia hidrográfica do alto rio Paraná ameaça importantes usinas hidrelétricas do país como Jupiá, Porto Primavera, Ilha Solteira, Três Irmãos, Furnas e Mascarenhas de Moraes, entre muitas outras. É importante lembrar que a geração hidrelétrica responde por 63,8% de toda a eletricidade usada aqui no Brasil.
Depois de vários meses de desconversa, o Governo Federal finalmente reconheceu a gravidade da situação. No último dia 31 de agosto, o Ministro da Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez um pronunciamento em rede de rádio e televisão, onde afirmou que a “crise hídrica no país é grave e pediu que a população colabore na redução do consumo de energia elétrica”.
Entre as novas medidas que passaram a ser tomadas para “estimular” a redução do consumo de energia elétrica está a criação de uma nova bandeira tarifária para as contas de energia elétrica – a de “Escassez Hídrica”. Até agora existiam as bandeiras amarela e vermelha.
A decretação da bandeira amarela sinaliza um acréscimo de R$ 1,874 na conta do consumidor a cada 100 kW/hora consumido. A bandeira vermelha é dividida em dois níveis – no primeiro, o acréscimo é de R$ 3,971 a cada 100 kW/hora consumido; no segundo patamar, esse acréscimo é de R$ 9,492. Na nova bandeira de “Escassez Hídrica”, o valor da tarifa extra será de R$ 14,20 para cada 100 kW/hora consumido, uma verdadeira paulada no valor da conta de luz.
Quem é um pouco mais velho deve se lembrar dos tempos complicados do “Apagão” de 2001. Uma combinação de chuvas abaixo da média, falta de investimentos em sistemas de geração e distribuição de energia elétrica, além de muita incompetência por parte dos nossos governantes, levou o Brasil a viver um período de racionamento forçado de energia elétrica.
Felizmente, ocorreram grandes investimentos para a construção de centrais termelétricas após essa crise de energia. Essas unidades são mantidas em stand by (espera) e só são acionadas em momentos de crise na geração de energia elétrica. De acordo com dados da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, de outubro de 2020, eram 3.168 centrais termelétricas no país, com uma potência outorgada de 51.797.907,79 kW. Cerca de 65% dessas centrais termelétricas são movidas a partir da queima de combustíveis fósseis e 35% por queima de biomassa.
A geração de energia em centrais termelétricas é bem mais cara do que a geração em usinas hidrelétricas, por isso a cobrança das tarifas extras nas diferentes bandeiras. Ou seja – enquanto essa situação de seca e de reservatórios de usinas hidrelétricas com baixos níveis persistirem, todos precisamos preparar nossos bolsos para os custos mais altos nas contas de energia elétrica.
A floração dos ipês-amarelos aqui em São Paulo, e também em outras cidades e estados por todo país, simboliza a esperança da chegada de uma boa temporada de chuvas e de reversão dessa violenta crise hídrica que estamos vivendo.
Então, vida longa os ipês-amarelos e que venham as chuvas!
[…] Apesar da relativa segurança oferecida por esse sistema, o custo dessa geração é bem maior do que nas centrais hidrelétricas e as contas dos consumidores passam a pagar uma taxa adicional, as chamadas bandeiras. Até o momento existem a bandeira amarela e a vermelha. […]
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