
Nas últimas postagens fizemos uma rápida “excursão” pela Europa, Sibéria e pela América do Norte, onde mostramos os graves problemas ambientais decorrentes de fortes ondas de calor e dos inevitáveis incêndios florestais. Ao contrário do que muita gente imagina, grandes queimadas e incêndios florestais não ocorrem apenas na Amazônia – existem outros biomas pelo mundo a fora que também estão sendo muito ameaçados por esses eventos.
Para não sermos acusados de parcialidade, vamos fazer um rápido apanhado com as principais notícias sobre a quantas andam as queimadas aqui no Brasil. Aqui é preciso informar aos leitores que a temporada da seca ou do verão nas regiões do Cerrado e da Amazônia se estende entre os meses de maio e setembro. É nessa época em que ocorrem as grandes queimadas nessas regiões.
O fogo é uma das forças da natureza e sua fúria e energia vêm, há milhões de anos, ajudando a modelar as paisagens naturais de nosso planeta. Originalmente, os incêndios florestais eram provocados por erupções vulcânicas, que lançavam pedras incandescentes a quilômetros de distância em áreas cobertas por matas, onde o fogo poderia se iniciar e destruir grandes volumes de vegetação.
Esses incêndios também poderiam ter sua origem nos raios que atingiam árvores secas ou ainda pelos raios solares, que teriam o poder de iniciar o fogo incidindo sobre folhas secas. A participação dos seres humanos nos incêndios florestais é, falando em termos históricos/geológicos, bem recente – nossos ancestrais dominaram o fogo há “apenas” 500 mil anos.
De acordo com dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, referentes ao período compreendido entre os meses de janeiro e junho de 2021, foram identificados um total de 59.048 km² de áreas devastadas por incêndios nos seis biomas brasileiros.
Em uma ordem decrescente, o Cerrado foi o bioma mais afetado pelas queimadas – foram 34.478 km² destruídos. Na segunda posição vem a Amazônia, com 8.333 km² de queimadas; a Mata Atlântica com 7.746 km²; a Caatinga com 5.378 km²; o Pantanal Mato-Grossense com 2.095 km² e os Pampas com 1,018 km² de área devastada pelo fogo.
Antes de prosseguirmos, é importante fazer uma reflexão rápida sobre esses números: se considerarmos que o Brasil tem uma área total de 8,5 milhões de km², essa área destruída pelo fogo, apesar de ser muito grande, é relativamente pequena quando se analisa em termos percentuais.
Feitas as devidas contas, a área devastada pelo fogo corresponde a 0,7% do território brasileiro. Isso, é claro, não é nenhum motivo de comemoração – porém, se comparada percentualmente com as áreas devastadas por incêndios florestais na Itália e na Grécia nas últimas semanas, nossa situação é bem mais confortável.
Os números mostram que o Cerrado foi o bioma que teve a maior participação em áreas queimadas, algo que não é nenhuma novidade. O Cerrado vem sofrendo com grandes queimadas há, pelo menos, 25 milhões de anos. Aliás, foi justamente a frequência dessas queimadas que forçou as espécies vegetais e animais do bioma a evoluírem. Essa adaptação foi tão grande que a maioria das sementes de árvores do Cerrado dependem do fogo para germinar.
Em relação às áreas queimadas na região da Amazônia, gostaria de apresentar um outro número mostrado nos dados dos INPE. Entre 1° de janeiro e 23 de junho de 2021, foram identificados 33.668 focos de incêndio no bioma Amazônia. Fazendo um cálculo rápido, concluímos que o tamanho médio de cada um desses focos é de 0,25 km². Esse grande número de focos de incêndio e as áreas relativamente pequenas que foram queimadas parecem indicar que a grande maioria desses eventos foi resultado da ação de pequenos agricultores da região.
Na Amazônia, assim como acontece em outras regiões brasileiras, é muito usual a coivara, uma técnica agrícola herdada dos nossos indígenas. A coivara consiste na derrubada inicial da vegetação arbustiva e arbórea, que é deixada para secar ao sol por algum tempo. Depois de seca, essa vegetação é queimada, onde se faz ao mesmo tempo a limpeza do terreno e uma adubação elementar a partir das cinzas das madeiras queimadas.
Um dos grandes problemas das coivaras é falta de controle do fogo, que facilmente pode escapar para áreas de matas ou campos vizinhos, aumentando assim a área total queimada. Um detalhe importante e que não costuma aparecer nos dados do INPE é que essas queimadas das coivaras se repetem várias vezes (3 a 4 vezes) nos mesmos terrenos. Após esses ciclos, devido ao esgotamento da fertilidade do solo, essa área é abandonada e é feita a abertura de um novo campo agrícola nas proximidades. Essas áreas abandonadas podem se recuperar ao longo do tempo.
As queimadas na Amazônia exigem um outro esclarecimento: o bioma é formado por um verdadeiro mosaico de subsistemas florestais onde se incluem florestas de terra firme, florestas de várzea, florestas de igapó, manguezais, campos de várzea, campos de terra firme, restingas, vegetação serrana, entre muitos outros. Somente alguns desses subsistemas florestais, como é o caso dos campos amazônicos, ficam totalmente secos no verão e podem ser queimados.
Existem também muitas áreas onde existe uma vegetação de transição, que mistura espécies do Cerrado e da Amazônia, onde os solos tem características mais próximas daquelas encontradas no Cerrado e são mais propícios à pratica da agricultura. De acordo com dados da Universidade Federal do Pará, 92% dos solos da Região Amazônica apresentam uma baixa fertilidade natural, enquanto que apenas 8% são de elevada fertilidade.
Nos demais biomas brasileiros, as queimadas são decorrentes de todo um leque de problemas, que vão desde de práticas agrícolas a vandalismos. Um problema que gostaria de salientar são os incêndios iniciados em lixões e áreas clandestinas de descarte de resíduos, que acabam se propagando para matas e fragmentos florestais próximos, causando uma série de problemas ambientais.
A visão de uma grande área destruída por um incêndio florestal é muito triste, especialmente quando encontramos restos de animais mortos pelas chamas. Entretanto, nem sempre isso pode ser considerado o fim do mundo – áreas de Cerrado, citando um exemplo, se recuperam muito rapidamente após um grande incêndio. É preciso sempre avaliar corretamente os dados e focar os esforços de combate desses incêndios para as áreas realmente prioritárias.
Como foi citado, incêndios vem fazendo parte das paisagens de nosso planeta há milhões de anos. O que precisamos evitar a qualquer preço é que esses eventos dominem as paisagens, algo que está acontecendo hoje em muitas regiões de nosso mundo.