A CRISE DA MÃO DE OBRA AGRÍCOLA NA UNIÃO EUROPEIA EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19

A ideia para a formação da União Europeia começou a se consolidar logo após o final da Segunda Guerra Mundial. Países com suas economias em frangalhos e com imensas dificuldades passaram a se reunir em busca de cooperação mútua para superar as dificuldades. Em 1952, Alemanha, Itália, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo formaram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço buscando resolver problemas específicos dessas áreas. 

Em 1957 foi assinado o Tratado de Roma, onde 12 países passavam a formar o Mercado Comum Europeu. Esse bloco econômico marcou o início da livre circulação de pessoas, mercadorias, bens e serviços entre os países membros, principalmente produtos agrícolas, lançando as bases para a formação da União Europeia em 1992. Esse é o maior e mais antigo bloco econômico do mundo, formado por 28 países-membros e com uma população total de mais de 500 milhões de cidadãos. A União Europeia possui três cidades sede: Luxemburgo, Estrasburgo e Bruxelas, sendo essa última a sua capital

Sem entrarmos em maiores detalhes sobre as características econômicas do bloco, essa possibilidade de livre circulação de cidadãos entre os países-membros criou uma grande massa de trabalhadores nômades originários dos países mais pobres da União Europeia. Como exemplo, podemos citar o caso da a Bulgária, país do Leste Europeu que fazia parte da antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. 

A Bulgária paga os salários mínimos mais baixos de toda a União Europeia – 285,00 Euros. O país é famoso por sediar indústrias que demandam mão de obra barata como as confecções. Grandes grifes como a alemã Hugo Boss fabrica suas roupas no país em troca do pagamento de salários miseráveis aos trabalhadores. Outras grifes buscam lugares ainda mais miseráveis e contratam fábricas em Bangladesh, Malásia e Vietnã. 

Uma das consequências dessa distorção econômica é a grande migração de búlgaros para os países da Europa Ocidental em busca de melhores condições de trabalho. Estatísticas indicam que perto de 1,5 milhão de búlgaros abandonou o país desde 1990 – a população total da Bulgária é de 7 milhões de habitantes. À essa grande massa de búlgaros se juntam imigrantes de outros países com as economias mais fracas da União europeia como Romênia, República Tcheca, Sérvia e Croácia, além de muitos imigrantes temporários vindos da Ucrânia, Bielo-Rússia, Armênia, Geórgia e Moldávia, entre muitos outros países. 

O principal mercado de trabalho para esses trabalhadores são os serviços braçais e pesados, especialmente na construção civil, limpeza, lavagem de pratos e panelas em restaurantes, lavanderias e na agropecuária, atividades essa que concentra a força de trabalho desses “estrangeiros”. Um exemplo é a Inglaterra, onde cerca de 98% das atividades de colheita ficavam por conta desses imigrantes

Essencialmente nômades, esses trabalhadores são recrutados por uma complexa rede de “empresários” do ramo da mão de obra temporária. Assim que toda a colheita de uma determinada região ou país é concluída, os trabalhadores seguiam para outras plantações logo em seguida. Essa migração constante se segue normalmente durante todos os meses entre a primavera e o outono – com a chegada do inverno, esses trabalhadores voltam para seus países de origem. 

No ano de 2020, com a chegada da epidemia da Covid-19, as coisas mudaram bastante. Com as sucessivas restrições para a circulação de pessoas, muitos desses imigrantes ficaram impedidos de trabalhar e acabaram optando para voltar aos seus países de origem mais cedo. A lógica deles é muito simples – por que ficar num determinado país sem poder trabalhar e ainda tendo despesas com alimentação e aluguel? 

Com as sucessivas ordens para o fechamento das fronteiras entre os países da União Europeia, houve o cancelamento de centenas de voos e de transportes ferroviários e rodoviários entre os países, deixando milhões desses imigrantes presos numa espécie de “limbo”. Muitos deles ficou “vivendo” em aeroportos e terminais ferroviários por várias semanas, aguardando a chegada de algum tipo de transporte. Muitos se viram obrigados a procurar suas embaixadas para solicitar ações de repatriamento dos seus respectivos Governos e/ou ajuda financeira.

Enquanto milhões desses trabalhadores ou estavam impedidos de trabalhar ou tentavam desesperadamente voltar par suas casas, os campos passaram a sofrer com a falta de mão de obra para realizar as colheitas. Grandes quantidades de alimentos perecíveis como frutas, legumes e verduras acabaram estragando nas plantações sem serem colhidos. Muitos governos chegaram a convocar aposentados e desempregados para ajudar nesses trabalhos.

Citando como exemplo a Itália, o país que mais sofreu com a primeira onda da Covid-19: houve uma verdadeira corrida aos supermercados, com cidadãos comprando tudo o que podiam a fim de formar estoques. E sem os trabalhadores estrangeiros para fazer as colheitas, muitos dos estoques de alimentos não foram repostos. 

Na França, uma das áreas onde houve um forte impacto devido à escassez de mão de obra foi a vinicultura. Já há muitos anos dependente da mão de obra estrangeira para a realização da colheita das uvas e dos trabalhos de produção do vinho, os produtores franceses tiveram grandes perdas em 2020.  A uva tem uma época certa para ser colhida e processada, sob risco do comprometimento da qualidade final do vinho. Os búlgaros já vinham se destacando há vários anos nesses trabalhos. 

Os produtores de vinho da França não conseguem mais recrutar mão de obra local para os trabalhos nos vinhedos. Os jovens franceses migram cada vez mais para as áreas urbanas e quem fica no campo já não tem mais idade e/ou saúde para fazer os trabalhos pesados nas colheitas. A salvação da indústria vinícola veio dos imigrantes temporários, especialmente do Leste Europeu. 

Trabalhando apenas nos meses da colheita da uva na França, um trabalhador da Bulgária tem um rendimento mensal até 6 vezes maior do que o teria se estivesse trabalhando em seu país. Ou seja, em apenas dois meses esse trabalhador já terá garantido o seu sustento por ano em seu país. Tudo o mais que conseguir realizar nos demais meses de trabalho será um ganho extra. 

Esse rendimento financeiro até poderia ser maior se não existisse toda uma imensa cadeia de intermediários de mão de obra. Nela entram os recrutadores na Bulgária, os agentes de contratação nos diferentes países, os locadores dos imóveis onde os trabalhadores ficam hospedados, entre muitos outros. Também não faltam denúncias de trabalhadores estrangeiros sendo tratados como escravos. Enquanto dispunham de grandes contingentes desses trabalhadores baratos, os legisladores europeus faziam vista grossa para todos esses problemas. 

A conveniência dessa mão de obra prestativa e barata acabou se transformando na base da produção agropecuária de muitos dos maiores países da União Europeia. A repentina epidemia da Covid-19 desestabilizou completamente o sistema de produção e tirou dos campos europeus milhões desses trabalhadores temporários. 

A questão que fica em aberto: a primavera no Hemisfério Norte está chegando, ao mesmo tempo em que os países estão enfrentando uma segunda onda da Covid-19. Com fronteiras fechadas e circulação restrita, será muito difícil contar com os imigrantes temporários ao longo da safra 2021.  

Quem irá pisotear a lama e vai sujar as mãos com terra este ano? Quem vai arar os solos, semear as culturas e cuidar das plantas até a hora da colheita? 

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