A paisagem na região desértica do Imperial Valley mudou radicalmente, já nos primeiros anos do século XX, após a chegada das águas transpostas a partir do Rio Colorado e o início da irrigação das terras em larga escala – o deserto floresceu. Os infinitos tons terra foram substituídos por toda uma paleta de tons verdes, salpicados por pontos em cores quentes das flores e das frutas. Completando a paisagem surreal do deserto, as águas excedentes da irrigação escorreram para uma depressão ao Norte, perenizando o Lago Salton. Vamos entender isso:
A história do Imperial Valley se inicia oficialmente em 1859, quando um grupo de empreendedores percebeu o potencial agrícola da região e iniciou estudos para a construção de um canal que permitisse a transposição de águas do Rio Colorado. Fazia pouco mais de 10 anos que a Califórnia havia passado ao controle dos Estados Unidos, vencedor da Guerra Mexicano-Americana (1846-1848), e a corrida do ouro atraía milhares de novos colonos para o Território, que crescia sem parar: para se ter uma ideia deste crescimento, a população saltou de 15 mil habitantes em 1848 para 100 mil habitantes em 1849. Essa população crescente criava um mercado descomunal para os produtores de alimentos – o Imperial Valley foi concebido para ser o grande celeiro deste mercado. A explosão da Guerra Civil Americana (1861-1865) adiou o projeto, que só seria retomado nos últimos anos do século XIX.
A partir de 1900, podia se encontrar uns poucos homens trabalhando em meio as terras escaldantes do deserto, a grande maioria engenheiros e topógrafos realizando a demarcação dos trechos dos futuros canais de irrigação – em 1905 a população local já era de 12 mil habitantes, trabalhando uma área irrigada de 67 mil acres, contando com os trilhos da ferrovia South Pacific para escoar a sua produção até a cidade de Los Angeles.
A primeira fonte de águas para irrigação do Imperial Valley foi o Rio Álamo, um antigo leito de rio seco utilizado para transportar as águas captadas no Rio Colorado. Entre a cabeceira desse antigo leito e a margem do Rio Colorado foi construído um canal com 23 km de extensão, o Canal Álamo, e um sistema de bombeamento para vencer um desnível de 38 metros. O sistema começou a operar em 1901 e funcionou continuamente até 1942 quando foi inaugurado o canal All-American, que aumentou substancialmente o volume de águas que chegava até o Imperial Valley, além de fornecer água para 6 cidades da Califórnia. A desativação do sistema do Rio Álamo gerou inúmeros protestos da parte do Governo do México – como parte do rio atravessava o território mexicano, agricultores locais utilizavam suas águas em sistemas de irrigação – o novo canal, All-American, corre exclusivamente por território dos Estados Unidos.
Até a chegada da irrigação nas terras do Imperial Valley, o Salton era um lago temporário que enchia apenas em anos de cheias anormais do Rio Colorado, quando as águas avançavam pelo deserto e se acumulavam numa depressão. Com a irrigação sistemática das lavouras, toda a água excedente escorria para a depressão, passando a manter o nível da lâmina d’água estabilizada. A chegada dessas águas, porém, passou a carrear todo o tipo de resíduos agrícolas, de fertilizantes a pesticidas, produtos químicos que passaram a se acumular no fundo arenoso do Lago. Durante décadas a fio, com os níveis constantes de água da irrigação alimentando o Salton, estes sedimentos tóxicos nunca foram um problema.
Com a grande seca dos últimos anos na bacia hidrográfica do Rio Colorado e após o acordo de quantificação para aumentar os volumes de águas destinados às grandes cidades do Sul da Califórnia, houve uma redução expressiva no volume de água utilizado para a irrigação das lavouras e, consequentemente, a quantidade de água que escorria para o Lago Salton diminuiu. Sem a reposição do volume de água perdido por evaporação, o Lago começou a secar, expondo a areia contaminada por agrotóxicos e fertilizantes aos fortes ventos, que passaram a espalhar uma nuvem tóxica pela região, lembrando em muito os efeitos nocivos dos ventos salgados do Aralkum na Ásia Central. Como resultado dessa nuvem tóxica, a região do Imperial Valley passou a conviver com uma baixa qualidade do ar ao longo de 200 dias no ano e agora detém o triste recorde americano de casos de asma, com um índice três vezes superior à média dos Estados Unidos.
A situação criou um grande dilema – aumentar o volume de água para as áreas irrigadas e assim voltar a encher o lago, controlando a quantidade de areia tóxica espalhada pelos ventos, ou manter o controle da escassa água e sofrer as consequências da poeira tóxica?
Mudam os lagos, mudam os continentes e os países, mas os problemas são exatamente os mesmos, sem respostas fáceis ou soluções mágicas.
[…] OS VENTOS E AS AREIAS VENENOSAS DO LAGO SALTON […]
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[…] o que acontece quando as autoridades reduzem à força o consumo de água pelos produtores, as areias tóxicas do fundo do lago são espalhadas pelos fortes ventos e causam inúmeros problemas para a saúde das populações que […]
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[…] Apesar de toda a beleza cênica, a água formadora do Lago Salton sempre apresentou altos níveis de contaminação por agrotóxicos e fertilizantes utilizados nas plantações, formando uma grossa camada tóxica no fundo de areia. Durante décadas, a lâmina de água do lago manteve estes resíduos tóxicos longe da população. Com a redução do consumo de água na agricultura, esse lago teve seu volume reduzido e essas areias tóxicas passaram a prejudicar a saúde da população local. […]
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