ALTAS TEMPERATURAS E INCÊNDIOS FLORESTAIS POR TODA A EUROPA 

As coisas andam bem “quentes” entre agricultores e Governos em vários países da Europa. O epicentro da crise é a Holanda, mas movimentos semelhantes estão ocorrendo na Polônia, Itália, Alemanha e Espanha. A causa de tamanha confusão é um conjunto de propostas para a redução das emissões de GEE – Gases de Efeito Estufa, pelos produtores rurais. 

O clima também está bastante quente e incêndios florestais estão ocorrendo por todos os cantos. Nesta última sexta-feira, dia 15 de julho, foram relatados incêndios em Portugal, Espanha, França e também na Croácia. Os serviços de meteorologia estão recordes de temperaturas em vários países. 

Desde a última terça-feira, dia 12, mais de mil bombeiros estão tentando controlar dois incêndios florestais no Sudoeste da França. As equipes estão sendo apoiadas, inclusive, por aviões que fazem o lançamento de água sobre o fogo. Além do forte calor, a região apresenta fortes ventos, o que realimenta constantemente o fogo. 

Em Gironde, departamento que fica no Sudoeste do país, mais de 750 hectares de matas já foram destruídos pelo fogo. Mais de 11 mil pessoas foram retiradas de suas casas pelas autoridades locais. Segundo essas autoridades, os incêndios ainda não foram controlados. 

Em Portugal, onde grandes e trágicos incêndios florestais têm se tornado frequentes nos últimos anos, há relatos de 13 incêndios simultâneos nesse momento. As temperaturas estão próximas dos 40° C e existem cinco distritos em alerta vermelho por causa dos riscos ambientais para a ocorrência de novos incêndios. 

Todos os trabalhos agrícolas envolvendo máquinas foram restritos na Espanha. Com as altas temperaturas e a vegetação seca, os riscos de novos incêndios são muito grandes. Segundo o Ministério do Meio Ambiente local existem 17 incêndios florestais no país nesse momento. 

Nas regiões da Galícia e na Estremadura as temperaturas podem chegar aos 45° C e as autoridades estão em alerta extremo. Na região da Catalunha, todas as atividades campestres e práticas esportivas ao ar livre em 275 cidades estão suspensas por causa dos riscos de incêndios. 

Na Croácia, país do Leste Europeu, há informações de três grandes incêndios florestais ocorrendo nesse momento. Na última quinta-feira, dia 14, aviões de combate a incêndios florestais precisaram ser usados numa tentativa de se controlar um grande incêndio. Tropas militares foram convocadas para irem ao auxílio dos bombeiros. 

Entre todos os países da Europa a situação mais crítica é a da Grã-Bretanha. Os meteorologistas estão prevendo temperaturas da ordem de 40° C, as mais altas já registradas na história, o que deverá desencadear alertas de emergência por todos os países da Grã-Bretanha. O Governo local, aliás, nunca precisou emitir um alerta vermelho de calor extremo. 

Além dos riscos materiais diretos envolvidos, existem os problemas de saúde ligados a baixa umidade e degradação da qualidade do ar. Portugal registrou 238 mortes associadas a essa forte onda de calor entre os dias 7 e 13 de julho. Um exemplo de como andam as coisas por lá pode ser visto no caso da cidade de Pinhão, no norte português, onde as temperaturas chegaram aos 47° C. 

Conforme já tratamos em outras postagens aqui do blog, essas ondas de calor estão se tornando cada vez mais frequentes na Europa, na América do Norte e também em países da Ásia, estando diretamente associadas às mudanças climáticas globais. Cada vez mais, países e populações vão precisar mudar seus hábitos de vida e de trabalho, se adaptando aos novos e complicados tempos que virão pela frente. 

Uma coisa é certa – nada mais será como antes… 

A CRISE NA AGRICULTURA DA EUROPA 

Há cerca de dois meses publicamos uma postagem aqui no blog falando da grave crise econômica e política no Sri Lanka, um pequeno país insular localizado no Oceano Índico ao Sul da Índia. Essa crise se agravou, e muito, dias atrás, o que resultou na fuga do Presidente ante gigantescos protestos populares. 

As raízes dessa crise estão ligadas diretamente à pandemia da Covid-19 – o turismo, uma das principais fontes de receitas externas do país, foi muito afetado pelas restrições de circulação de pessoas, o que precipitou numa grande crise econômica. 

Antevendo as dificuldades para a importação de insumos agrícolas, o Presidente do Sri Lanka anunciou que seu país estava proibindo o uso de fertilizantes e pesticidas na agricultura com o objetivo de tornar toda a produção orgânica. Muitos ambientalistas internacionais aplaudiram essa iniciativa demagógica.  

Entretanto, a realidade acabou falando mais alto – logo após o anúncio dessas medidas, cerca de 1/3 das culturas não foram plantadas pelos produtores rurais. A razão é muito simples – culturas orgânicas não costumam ser viáveis economicamente. A produção cai, os custos aumentam e o mercado não paga o valor real dos produtos. A produção de arroz, um dos alimentos básicos da população e onde já não havia autossuficiência, diminuiu 20%, o que obrigou o Governo a gastar cerca de US$ 450 milhões com a importação do cereal. 

A lembrança do Sri Lanka é essencial para entendermos o que está acontecendo em vários países europeus por causa da busca de uma agricultura mais sustentável. Falo aqui do European Green Deal, ou Pacto Ecológico Europeu, um plano para reduzir as emissões de GEE – Gases de Efeito Estufa, em 55% até 2030. 

Os Países Baixos, que entre nós brasileiros é mais conhecida como Holanda, está implementando várias medidas nessa direção, o que está enfurecendo os fazendeiros. Conforme apresentamos na última postagem, os fazendeiros estão fazendo muita pressão, inclusive com protestos violentos. 

Segundo associações de produtores rurais, essas medidas levarão cerca de 30% das fazendas ao fechamento em apenas 3 anos. Nas regiões próximas a áreas de preservação ambiental, os chamados “habitats vulneráveis, os produtores calculam que 95% das fazendas ficarão inviáveis. Muitos fazendeiros estão simplesmente mudando de profissão. 

A revolta dos fazendeiros holandeses tende a se espalhar por outros países da Europa. As mesmas medidas e metas de redução de emissões estão sendo implementadas em outros países do bloco europeu. Inclusive, segundo agências de notícias independentes, já foram registrados protestos semelhantes na Itália e na Polônia. 

A esse problema juntam-se muitos outros: falta de fertilizantes, aumento e escassez de combustíveis – especialmente o óleo diesel usado em tratores e outras máquinas agrícolas, necessidade de subsídios, falta de mão de obra, conflito na Ucrânia, entre outros. 

Com tantos problemas somados, não é de se estranhar que muitos produtores estejam abandonando os trabalhos no campo e buscando outras formas de ganhar a vida. A migração de grandes contingentes populacionais de áreas rurais para os centros urbanos é uma realidade na vida de países desenvolvidos e em desenvolvimento há muitas décadas. 

Na Inglaterra, citando um exemplo, mais de 90% da população vive nos centros urbanos. Na França, a situação não é muito diferente – cerca de 85% dos franceses vivem nas cidades, números muito semelhantes aos da Holanda. Como resultado dessa distorção populacional, os produtores rurais costumam ser altamente subsidiados pelos Governos – sem esses subsídios, muitas atividades rurais são inviáveis economicamente. 

A todas essas dificuldades agora se somam restrições ambientais impostas pelos Governos. Por melhores que sejam as intenções em “prol de um mundo melhor”, a dose do remédio que está aplicada poderá matar o doente. 

Prateleiras vazias nas gondolas das seções de frutas, legumes e hortaliças – como já está acontecendo nos supermercados da Holanda (vide foto), poderão em breve fazer parte do dia a dia de milhões de cidadãos da Europa. 

A REVOLTA DOS FAZENDEIROS NA HOLANDA 

Os Países Baixos, mais conhecido entre nós brasileiros como Holanda, são uma grande potência do agronegócio e um dos maiores exportadores mundiais de alimentos. O país tem pouco mais de 41 mil km2, pouco menor que o Estado do Rio de Janeiro, e uma população da ordem de 17 milhões de habitantes. 

Os números dos campos holandeses, porém, são de dar inveja. Citando apenas alguns: são 4 milhões de cabeças de gado, 12 milhões de porcos e 100 milhões de galinhas. Somente em exportações de flores e plantas, onde se incluem as famosas tulipas da Holanda, foram mais de 11 bilhões de unidades (dados de 2020), com um faturamento de 11,4 bilhões de Euros. 

Segundo números de 2017, Os Países Baixos só perdiam para os Estados Unidos como maior exportador de produtos agropecuários do mundo – foram US$ 112 bilhões em faturamento. O tão falado agronegócio brasileiro, nesse mesmo ano, somou cerca de US$ 88 bilhões em exportações. 

Pois bem – toda essa grande “máquina” agropecuária está sendo ameaçada por uma série de limitações impostas pelos Ministérios da Natureza e da Agricultura locais. Esses Ministérios pretendem reduzir em 12% as emissões de nitrogênio das fazendas até o ano de 2030. O óxido nitroso, um dos derivados do nitrogênio, é um dos mais importantes GEE – Gases de Efeito Estufa.

Segundo as associações de produtores rurais, essas medidas levarão cerca de 30% das fazendas ao fechamento em apenas 3 anos. Nas regiões próximas a áreas de preservação ambiental, os chamados “habitats vulneráveis”, os produtores calculam que 95% das fazendas ficarão inviáveis com a aplicação dessas medidas. 

Ao longo das últimas semanas o país vem assistindo violentos protestos de fazendeiros, movimentos que contam com o apoio da população. Esses movimentos estão sendo organizados pela Força de Defesa dos Fazendeiros. Inclusive, já foi criado um partido político pelos fazendeiros – Movimento Agricultor Cidadão. 

Essa agitação por parte dos fazendeiros holandeses vem se juntar a uma série de protestos similares feitos por agricultores do resto da Europa. As motivações envolvem os altos custos dos combustíveis, a falta e os preços crescentes dos fertilizantes, os subsídios ao setor, entre outras motivações. 

Lutar por melhores condições de trabalho ou simplesmente pelo direito de trabalhar é justo. Entretanto, esses movimentos acontecem num momento complicado onde o mundo inteiro está sofrendo as consequências do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, além de uma grave crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19. 

Conforme já comentamos em postagens anteriores, a Rússia e sua grande aliada Belarus (ou Bielorrússia) são grandes produtoras e exportadoras de fertilizantes. Com as sanções econômicas que foram impostas a esses países por causa do conflito na Ucrânia, o mundo perdeu uma grande fonte desses insumos agrícolas. 

Também houve um comprometimento da oferta de grãos e de outros produtos agrícolas. Rússia e Ucrânia são grandes produtores de trigo, cevada, milho, girassol, entre outros produtos. Somente no caso do trigo, esses dois países respondem por 1/3 da produção mundial

Além de todos esses problemas, ainda estamos vivendo uma grande crise no setor de energia. No caso da agricultura, os impactos se dão nos custos do óleo diesel, combustível essencial para tratores e outras máquinas agrícolas. Incluir restrições ambientais a esse verdadeiro “balaio de gatos”, como essas que estão se desenrolando nos Países Baixos, traz mais ameaças para a segurança alimentar de muitos países. 

A revolta dos fazendeiros em diversos países da Europa poderá levar a graves problemas ambientais pelo mundo. Países que já são grandes produtores e exportadores de alimentos – incluo com destaque o Brasil nessa lista, poderão ser “estimulados” a aumentar suas respectivas áreas plantadas com a clara intenção de se aproveitar dos altos preços das commodities agrícolas no mercado mundial. 

O que isso significa? 

Mais áreas de florestas e de campos poderão ser destruídas para a ampliação de campos agrícolas, usando-se a desculpa que o mundo precisa de mais alimentos. Ou seja – para se proteger pôlderes (terrenos orginalmente alagadiços e que foram dessecados para uso agrícola) e bosques na Holanda, fragmentos de florestas como a Amazônica poderão ser devastados. 

Será que essa “conta” não está errada? 

SÃO PAULO É A CAPITAL MAIS SUSTENTÁVEL DO BRASIL 

Uma postagem bem rápida: 

Ótima notícia: segundo dados divulgados pelo IDSC – Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades, uma ferramenta desenvolvida pelo Instituto Cidades Sustentáveis, São Paulo é a capital mais sustentável do Brasil. As capitais dos Estados que formam a Amazônia Legal, ao contrário, ficaram nas últimas posições desse ranking. 

A cidade mais sustentável do Brasil é São Caetano do Sul, pequena mancha urbana com 15 km2 e cerca de 160 mil habitantes vizinha a São Paulo. Aliás, cidades paulistas ocupam as dez primeiras posições no índice de sustentabilidade. São elas em ordem decrescente: São Caetano do Sul, Jundiaí, Valinhos, Saltinho, Taguaí, Vinhedo, Cerquilho, Sertãozinho, Limeira e Borá. 

O ranking com as cidades mais sustentáveis do Brasil foi elaborado a partir das recomendações do ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um conjunto de 17 compromissos firmados por 193 países em 2015, durante o encontro da Cúpula do Desenvolvimento Sustentável da ONU – Organização das Nações Unidas. 

Entre esses compromissos podemos citar dois exemplos: o abastecimento de água e a coleta seletiva de resíduos domiciliares. Na cidade de São Paulo, 99,3% da população é atendida com abastecimento de água e 79% dos resíduos sólidos são coletados de forma seletiva. A boa posição da capital paulista veio em função desses números. 

Como bom paulistano, é claro, fico bastante feliz pela excelente colocação da minha cidade nesse ranking. Por outro, paulistanos são famosos por terem um senso crítico aguçado e por serem muito exigentes. “Bando de gente chata”, como diriam muitos. Logo, preciso afirmar que ainda existe muita coisa a ser melhorada. 

A própria notícia que divulgou o ranking das cidades sustentáveis deixa isso muito claro, afirmando que os índices de educação precisam melhorar. Um exemplo é percentual de analfabetos na população – a meta é de 3% e em São Paulo está 3,18% (se os analfabetos funcionais forem incluídos aqui, a situação piora muito).  

Agora, se São Paulo com todos os seus problemas ainda conseguiu liderar o ranking das capitais mais sustentáveis, fico imaginando a situação das demais capitais brasileiras. 

Ainda vamos voltar a esse assunto…

RIO TIETÊ VOLTA A FICAR COBERTO POR UMA CAMADA DE ESPUMAS TÓXICAS 

Uma triste cena para os olhos e narizes dos moradores de Salto, cidade localizada a cerca de 76 km da capital paulista: o trecho local do rio Tietê amanheceu coberto por uma grossa camada de espuma tóxica neste domingo, dia 10 de julho (vide foto). Essa é uma cena que vem se repetindo com frequência na região. 

Essa espuma é formada por resíduos de detergentes e outros produtos químicos despejados pelos esgotos de centenas de milhares de residências na Região Metropolitana de São Paulo. Devido à falta de redes de coleta e/ou de estações de tratamento, esses esgotos são despejados em rios e córregos da bacia hidrográfica do rio Tietê in natura

Em períodos de poucas chuvas, como esse que estamos vivendo neste princípio de inverno, a concentração desses produtos aumenta muito nas águas. Como o trecho do rio que atravessa a cidade de Salto é bastante acidentado e com cachoeiras, as águas são agitadas e revoltas, o que forma uma espuma fétida. 

O Tietê é o maior e mais importante rio do Estado de São Paulo. Ele nasce nas encostas da Serra do Mar em Salesópolis e percorre 1.136 km rumo ao Oeste até alcançar sua foz no rio Paraná. Também é preciso citar que, ao longo de um trecho entre 150 e 300 km entre a Região Metropolitana de São Paulo, o Tietê é considerado o rio mais poluído do Brasil. 

A origem dessa poluição, conforme já citamos, são os esgotos gerados em centenas de milhares de residências em municípios da Região Metropolitana. Essa poluição começou a se tornar visível na década de 1860, época em que a cidade de São Paulo começou a crescer vertiginosamente com o Ciclo do Café no Estado

Seguindo a tradição colonial portuguesa, a cidade de São Paulo foi fundada no ponto de encontro de dois rios. O primeiro, o rio Tamanduateí, teria suas águas usadas para o abastecimento da população. As águas do segundo rio, o Anhangabaú, receberiam o lixo e os esgotos da pequena vila. Esses dois rios são afluentes do rio Tietê. 

O rio Tietê e todo a sua rede de afluentes também formava uma importante via de transporte na região do Planalto Paulista. Pessoas e cargas eram transportadas em barcos entre as vilas de São Paulo de Piratininga, Santo André, São Miguel Paulista, Pinheiros, Santo Amaro, Carapicuíba, Santana de Parnaíba, entre outras.  

Inúmeras expedições de bandeirantes e sertanistas também se valeram do rio Tietê, num incansável trabalho de prospecção de riquezas minerais sertões adentro. Navegando nas famosas canoas monçoeiras, as expedições partiam do porto de Araritaguaba, Freguesia de Itu, hoje Porto Feliz, em São Paulo e chegavam até o rio Paraná, de onde seguiam para o Mato Grosso, Goiás e outras regiões dos sertões. 

Com o crescimento desordenado de São Paulo e de outras cidades da Região Metropolitana a partir do final do século XIX, a poluição de rios e córregos aumentou exponencialmente. E não foram apenas esgotos domésticos – milhares de fábricas e oficinas de todos os tamanhos começaram a se instalar na região e todos os efluentes de seus processos industriais também eram lançados nas suas águas. 

Uma forma bastante didática para se entender a poluição no rio Tietê é analisar o crescimento da população da cidade de São Paulo, a maior da Região Metropolitana. Em 1850, a cidade tinha apenas 15 mil habitantes espalhados por inúmeras vilas dentro do município. Em 1872, a cidade já contava com 31 mil habitantes. Em 1900, a população atingiu a marca dos 239 mil habitantes, número chegou aos 529 mil habitantes em 1920, e a 1,3 milhão em 1940. Esse crescimento se repetiu na maioria das cidades da região. 

Durante a maior parte da história das cidades do Planalto de Piratininga (que é o nome antigo da região onde fica a cidade de São Paulo), as redes de coleta de esgotos se limitavam à instalação de manilhas entre as casas e os riachos e córregos mais próximos. A primeira estação de bombeamento de esgotos (não falamos de tratamento) – a Estação do Brás, data da década de 1890. 

Em 1925, o grande engenheiro sanitarista Saturnino de Brito já alertava sobre as péssimas condições de poluição das águas do rio Tietê. Segundo seu relato, a capital paulista atingiria dentro de poucos anos uma população de 1,2 milhão de habitantes, o que resultaria em um despejo de 200 mil metros cúbicos de esgotos por dia. “A descarga do rio, em estiagem, será então apenas quatro vezes a dos esgotos, o que será uma situação intolerável”. A história mostraria que suas previsões estavam corretas. 

Já no final da década de 1920, os grandes clubes da cidade passaram a construir piscinas em suas sedes e desestimulavam seus membros a se banhar nas águas do rio Tietê. Paulatinamente, os passeios de barco, as competições a remo e até mesmo a presença das lavadeiras de roupas nas margens do rio foram desaparecendo. Em 1944, a tradicional “Travessia a Nado de São Paulo”, que era realizada no rio Tietê, foi proibida por causa da poluição das águas. 

Ao longo de todo o século XX e começo desse século XXI, foram realizados esforços (nem sempre contínuos) para a universalização da coleta e do tratamento dos esgotos de toda a Região Metropolitana de São Paulo. Os números mais recentes do saneamento básico na Região indicam que cerca de 85% dos esgotos são coletados e que 70% recebem o tratamento adequado. Mesmo assim, é fácil de perceber que muito esgoto ainda acaba atingindo a calha do rio Tietê. 

Todo esse volume de poluição nas águas do rio Tietê cria uma mancha de poluição que se estendia por cerca de 300 km até poucos anos atrás. De acordo com estudos feitos em amostras de água coletadas ao longo da calha do rio pelo SOS Mata Atlântica, essa mancha tem atualmente cerca de 150 km de extensão. A situação melhorou bastante, as ainda falta muito para resolver o problema. 

Sempre que surgem essas espumas tóxicas sobre as águas do rio Tietê na altura da cidade de Salto, acende uma espécie de “luz de alerta” que nos lembra o quão importante é esse rio para todos nós paulistas e que ainda falta muito trabalho a ser feito. 

Por mais incrível que possa parecer, o Tietê em seu baixo curso é um rio de águas limpas, muito piscoso e usado para o lazer e abastecimento por milhares de paulistas do interior do Estado. Nós aqui das cidades grandes da Região Metropolitana sonhamos muito com o dia em que todas essas qualidades façam parte das paisagens do nosso trecho urbano do rio Tietê. 

Sonhar nunca é demais… 

A GERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DA QUEIMA DE RESÍDUOS SÓLIDOS, OU, TRANSFORMANDO LIXO EM CALOR E ELETRICIDADE

A Dinamarca é um pequeno país formado por terras continentais e insulares incrustadas entre a Alemanha e a Península Escandinava. O país conta com 5,5 milhões de habitantes, sendo que 650 mil vivem na capital, Copenhagen. Apesar de pequena, a Dinamarca possuiu um dos melhores IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, do Mundo. A população conta com excelentes serviços de saúde, educação, saneamento básico e segurança. 

Desde 2018, opera em Copenhagen uma das mais modernas usinas de incineração de resíduos sólidos do mundo, a CopenHill, com capacidade para tratar até 1.123 toneladas a cada dia. O calor gerado pela queima dos resíduos é usado para a geração de energia elétrica, que alimenta 50 mil residências, e para aquecimento de água, fornecida para 120 mil residências. 

Um exemplo da perfeita integração entre essa usina e a cidade é a sua sofisticada arquitetura – os projetistas usaram a estrutura da usina para criar uma montanha artificial dentro da cidade (que é muito plana) e ali instalaram uma pista de grama para a prática de esqui de montanha (vide foto). Nada mal para um lugar criado para se lidar com o lixo gerado pela cidade. 

Comecei essa postagem citando a Dinamarca para falarmos das grandes oportunidades que podem ser criadas para a geração de energia elétrica a partir da queima dos resíduos sólidos produzidos em nossas cidades. O ponto de partida de nossa conversa é: se é bom para os civilizados escandinavos por que não seria para nós brasileiros? 

Na postagem anterior já havíamos entrado nesse tema, onde falamos dos problemas que surgem ao longo da reciclagem de resíduos plásticos na Europa. Mais de 70% de todas as embalagens plásticas separadas pelos consumidores e encaminhadas para as centrais de reciclagem não podem ser reaproveitadas. Na maior parte dos casos, esses resíduos estão contaminados e acabam sendo encaminhados para incineração

Ocorrem também problemas ligados à “exportação de resíduos” para alguns países pobres, onde esses materiais serão, supostamente, reciclados e/ou reaproveitados. Foi citado o exemplo da Turquia, país que tem parte do seu território dentro do continente europeu – grupos de “empresários” aceitam receber os resíduos mediante o pagamento de uma generosa taxa por tonelada. Entretanto, ao invés de reciclarem os resíduos, encaminham os materiais para queima a céu aberto em aterros clandestinos. 

A queima de resíduos sólidos domiciliares de forma sustentável para a geração de energia em sistemas conhecidos como waste-to-energy já é uma realidade em diversos países do mundo. Existem atualmente mais de mil usinas destinadas a esse fim em todo o mundo, onde se destacam, além da Dinamarca, Alemanha, Noruega e Japão. Em 2007, durante um encontro oficial do Painel de Mudanças Climáticas da ONU – Organização das Nações Unidas, essa tecnologia foi referendada como mitigadora dos gases de efeito estufa. 

A geração de resíduos sólidos e de GEE – Gases de Efeito Estufa, são dois dos maiores problemas de nossas sociedades. De acordo com dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as cidades brasileiras geram aproximadamente 160 mil toneladas de resíduos sólidos a cada dia. Esse volume nos dá uma ideia do potencial para implantação de sistemas waste-ro-energy aqui no Brasil. 

Em média, os resíduos sólidos gerados nas residências possuem 70% de seu volume formado por resíduos plásticos, usados principalmente para embalar produtos alimentícios. Como a matéria prima do plástico é o petróleo, esses materiais são altamente combustíveis. Falando a grosso modo, 1 kg de resíduos plásticos pode gerar a mesma energia térmica que 1 litro de óleo diesel

Existem, é claro, enormes desafios técnicos e logísticos no caminho. Segundo dados do SINIR – Sistema Nacional de Informações sobre Gestão de Resíduos Sólidos, de 2018, cerca de 38,8% dos resíduos sólidos gerados em nosso país são descartados de forma inadequada, ou seja, vão para lixões, terrenos baldios ou calha de rios. 

Mas a coisa ainda fica pior – menos de 5% desses resíduos são reciclados (algumas fontes citam que esse número é da ordem de 2,1%). A maior parte de toda essa montanha de resíduos sólidos acaba sendo enviada para aterros sem gerar nenhum benefício para a nossa sociedade. É aqui que estrariam as usinas de incineração e geração de energia. 

De acordo com informações da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, a incineração dos resíduos é o processo de oxidação a altas temperaturas que destrói, reduz ou recupera os materiais e substancias. Esse processo permite a recuperação energética de combustíveis presentes nos resíduos como carbono, hidrogênio e enxofre. Ou seja – a queima desses materiais em temperaturas superiores a 800° C permite converter sua energia química em calor. 

Um dos processos mais utilizados é conhecido como pirólise, onde a decomposição térmica é feita por uma fonte externa de calor na ausência de oxigênio. Esse processo permite o fracionamento de diversas substâncias dos resíduos e a geração de gases compostos principalmente por nitrogênio e gases de síntese, também conhecidos como Syngas (synthesis gas).  

Outro processo bastante utilizado é a gaseificação termoquímica da matéria. Os resíduos sólidos ou líquidos são convertidos em Syngas por meio da oxidação parcial sob calor. Uma das técnicas mais comuns é a utilização de oxigênio, ar ou vapor quente como agente de gaseificação. 

O uso do plasma, um gás ionizado com boa condutividade e alta viscosidade, é outro processo muito utilizado na queima dos resíduos sólidos. O plasma é gerado pela dissociação de moléculas de gás a altas temperaturas e seu jato, formado em um dispositivo conhecido como “tocha de plasma”, pode gerar temperaturas entre 5.000 e 15.000° C. 

Em todos esses processos, o calor gerado pela queima dos resíduos e/ou dos gases liberados é usado para aquecer a água de uma caldeira e o vapor gerado é usado para movimentar uma turbina geradora de energia elétrica. As cinzas resultantes, que correspondem a menos de 10% do volume inicial dos resíduos, pode ser usada como agregado em materiais para a construção civil como blocos, tijolos, telhas e peças pré fabricadas de concreto. 

O pulo do gato dessas usinas de incineração e geração de energia elétrica são os sofisticados processos de controle da incineração e sistemas de filtragem dos gases resultantes da queima dos materiais. Esses sistemas praticamente eliminam a emissão de partículas e gases nocivos, apesar de não conseguirem evitar as emissões de dióxidos de carbono – CO2

Outro problema é a produção de dioxinas e furanos, moléculas muito pequenas que costumam escapar dos filtros. Essas moléculas se formam espontaneamente durante o processo de queima dos resíduos e podem causar problemas de saúde em populações que moram próximas das usinas. 

Entre eventuais problemas e benefícios, o balanço final das centrais de incineração de resíduos é muito mais positivo, especialmente em tempos de crise energética, quando a queima de carvão em centrais termelétricas voltou a crescer em todo o mundo. 

A adoção dessa tecnologia em grande escala aqui no Brasil precisa ser pensada com bastante carinho e seriedade. 

PS: 6° aniversário de Água, Vida & Cia!

EM TEMPOS DE CRISE ENERGÉTICA GLOBAL, A QUEIMA DE RESÍDUOS PLÁSTICOS PARA GERAÇÃO DE ENERGIA PODE SER UMA ALTERNATIVA 

A história da humanidade é, desde tempos imemoriais, cercada de mitos e lendas. Falo aqui de dogmas religiosos, de folclore e até de lendas urbanas como a loira do banheiro.  

Um dos mitos mais recentes de nossa história, criado há poucas décadas, nos diz que o plástico é 100% reciclável. Ou seja – você pode comprar tranquilamente um produto embalado em plástico ou feito de plástico num supermercado com a certeza que seus resíduos terão uma “nova vida” após a reciclagem. 

É sempre triste tocar nesse assunto, mas, lamento dizer, a maioria dos resíduos plásticos recolhidos em centrais de triagem não podem ser reciclados. Um dos problemas mais frequentes encontrados pelos recicladores é a contaminação dos resíduos, problema que impede a sua reutilização. Também é preciso citar que o plástico novo é muito barato e reciclar é sempre mais caro. 

Dias atrás eu assisti um excelente documentário da BBC que tratava justamente desse tema e lá ouvi uma notícia devastadora – perto de 70% de todos os resíduos plásticos de embalagens recicladas na Europa não podem ser reutilizados e grande parte acaba tendo como destino a queima em usinas termelétricas especialmente adaptadas para esse tipo de resíduo

Parte considerável desses resíduos, porém, acaba sendo “exportada” (usei aspas por que se tratam de operações ilegais) para alguns países. Um desses países era a Turquia, que tem parte do seu território dentro do território europeu e que até recentemente contava como uma legislação ambiental bastante “fraca”.  

Grupos “empresariais” (olhem as aspas aqui de novo) do país aceitavam receber esses resíduos a partir do pagamento de generosas quantias por tonelada. Felizmente, as coisas mudaram por lá e o Governo turco está fazendo um cerco a essas operações e impedindo a entrada desses resíduos no país. 

Aparentemente, esses “empresários” usariam esses resíduos como matéria prima para a produção de peças plásticas (tipo aqueles famosos vasos pretos para plantas). Porém, de acordo com as informações mostradas no documentário, a maior parte desses resíduos acabava em lixões pelo interior do país, onde o fogo é usado como principal ferramenta para a “reciclagem dos materiais”. 

Uma outra informação preocupante é que a Bulgária, o país mais pobre da Europa, é o destino final de grandes volumes de resíduos plásticos selecionados em usinas de reciclagem por todo o continente. Esses resíduos são encaminhados para fábricas de produção de cimento, onde são queimados sem maiores preocupações ambientais. 

O cimento, como todos devem saber, é uma das principais matérias primas da construção civil. O cimento Portland, o tipo mais popular do mercado, é o resultado de uma mistura de calcário, argila e pozolanas – materiais ricos em sílica como cinza vulcânica, cinza de casca de arroz, cinza de altos-fornos, entre outras. Esses materiais são moídos juntos e passam por um processo de cozimento em um forno. 

Tradicionalmente, esses fornos são alimentados com combustíveis fósseis como derivados de petróleo e carvão mineral. A fim de baratear os custos de produção, muitas empresas cimenteiras vêm utilizando a queima de resíduos como fonte de energia auxiliar. Um dos casos mais relevantes é a queima de pneus velhos. 

Se qualquer um dos leitores já viu um pneu pegando fogo sabe a quantidade de fumaça tóxica que é liberado no processo. Os fornos das fábricas de cimento que utilizam pneus e outros resíduos precisam ser especialmente adaptados. Um ponto chave é a instalação de sistemas de filtros nas chaminés para conter a fumaça e os resíduos durante a queima dos materiais, coisa que as empresas búlgaras citadas certamente não fazem. 

Apesar dessa ressalva, o uso dos resíduos – especialmente plásticos, para a geração de energia não é, nem de longe, uma má ideia. Aliás, mais de 30 países utilizam esse processo em larga escala para a produção de energia – é a famosa reciclagem energética. Existem cerca de 420 usinas do tipo na União Europeia, 98 nos Estados Unidos e 249 no Japão, citando apenas alguns exemplos. Na pequena Suíça já são 27 unidades. 

Todos os dias, essas usinas recebem milhares de toneladas de resíduos onde se encontram fardos de resíduos plásticos devidamente “reciclados” e separados por tipos (polietileno, estireno, poliestireno, etc), que não podem ser utilizados como matéria prima para a “produção de novos plásticos”. 

Como todo bom derivado de petróleo, os plásticos são altamente combustíveis. Cada quilograma desses resíduos pode gerar a mesma energia de um litro de óleo diesel. O volume de resíduos gerados pela queima equivale a cerca de 8% do volume inicial – essas cinzas podem ser utilizadas como agregados em materiais de construção como tijolos, blocos e telhas. 

Nos fornos, os resíduos são queimados em temperaturas próximas de 1.000° C. O calor gerado é usado para aquecer a água de uma caldeira e o vapor gerado movimenta uma turbina que gera energia elétrica, nada muito diferente do segundo estágio de uma usina nuclear (o primeiro estágio dessas usinas utiliza a fissão de materiais nucleares para gerar o calor). 

Todos os processos de queima de resíduos nessas usinas são minuciosamente controlados e a saída dos gases do forno passa por sistemas de filtragem especialmente projetados para esse fim. Falando a grosso modo, queimar esses resíduos é bastante razoável do ponto de vista ambiental. 

Como não existem processos ambientalmente neutros, essa queima de resíduos – especialmente os plásticos, gera alguns problemas, a começar pela emissão de dióxido de carbono, que é um dos principais gases causadores do efeito estufa e do aquecimento global. Outro problema é a produção de dioxinas e furanos, moléculas muito pequenas que costumam escapar dos filtros. 

Essas moléculas se formam espontaneamente durante o processo de queima dos resíduos. Elas são formadas pela combinação de compostos químicos em vários processos envolvendo o cloro ou substâncias e materiais que contenham cloro – muitos dos resíduos plásticos são embalagens de produtos de limpeza com cloro em sua formulação. 

Em vários estudos clínicos, com pessoas que foram expostas a ambientes com a presença de dioxinas e furanos, foi observado que houve um aumento da incidência de diferentes tipos de câncer. Esses estudos demonstraram que o sistema imunológico das vítimas é afetado, facilitando o desenvolvimento destas doenças. 

E quais as alternativas que temos para o descarte dos resíduos plásticos? 

A reciclagem, que como citamos não funciona na maior parte dos casos, o envio para os já saturados aterros sanitários ou para os lixões a céu aberto, onde provavelmente esses materiais serão queimados. Por fim, temos o descarte sem qualquer controle, o que resulta na poluição de solos, águas e mares. 

É bastante provável que a atual crise energética vivida pelo mundo incentive maiores investimentos em usinas termelétricas que usem esses resíduos e que se desenvolvam novas e melhores tecnologias para a filtragem da fumaça.  

Em um mundo onde o consumo de plástico não para de aumentar, esse talvez seja o menor de todos os males. 

MUNICÍPIOS DA REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL DECRETAM SITUAÇÃO DE CALAMIDADE PÚBLICA POR CAUSA DAS FORTES CHUVAS

Uma postagem rápida: 

Fortes chuvas estão castigando toda a faixa Leste da Região Nordeste do Brasil. Falamos disso na última postagem, onde mostramos que o fenômeno responsável por essa situação é o Distúrbio Ondulatório de Leste

Ontem, dia 04 de julho, seis municípios do Rio Grande do Norte decretaram situação de calamidade pública. A maioria desses municípios fica na Região Metropolitana de Natal: Natal, Parnamirim, Ceará Mirim, Extremoz e São Gonçalo do Amarante. Também entra nessa lista Touros, um município litorâneo que fica a 85 km ao Norte de Natal. 

Todos esses municípios estão recebendo volumes de chuvas muito acima da média nos últimos dias. Esse é o caso de Parnamirim que registrou um volume acumulado de 281 mm em um espaço de poucas horas do último domingo, dia 3 de julho (vide foto). Esse volume é maior do que a previsão para todo o mês de julho. 

De acordo com um levantamento feito pela EMPAM – Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte, o volume de chuvas médio na faixa Leste do Estado chegou a 245 mm no acumulado entre o sábado e o domingo. 

Além de Parnamirim, destacam-se as chuvas em Natal, com 191,7 mm, Arez, com 188 mm, Nísia Floresta, com 180 mm e Vila Flor com 175 mm. Municípios como Touros, Maxaranguape, Porto Velho, Passagem, Jundiá, Brejinho e Ielmo Marinho, registraram chuvas com volumes superiores a 100 mm no mesmo período. 

O INMET – Instituto Nacional de Meteorologia já vinha emitindo alertas de chuvas fortes nos últimos dias. Um dos últimos alertas, válido até as 11 horas da última segunda-feira, colocou 114 cidades do Rio Grande do Norte em alerta vermelho para chuvas, onde o grau de severidade é de “grande perigo”. 

Nesse estágio, os volumes acumulados de chuva ficam entre 60 e 100 mm ao dia, volumes considerados bastante altos. Esse volume de chuvas tem grande potencial para provocar desmoronamentos de encostas, alagamentos e transbordamentos de rios, especialmente nas áreas consideradas de alto risco. 

As cidades brasileiras, conforme já tratamos em inúmeras outras postagens, não estão preparadas para resistir a volumes tão grandes de chuvas em espaços de tempo tão curtos. A enorme quantidade de notícias sobre grandes tragédias provocadas pelas chuvas é só mais um dos sintomas dessas grandes deficiências em infraestrutura de controle de águas pluviais em nossas cidades. E, como sempre, é a população mais pobre quem mais sofre com as enchentes e os grandes alagamentos. 

Há notícias de muitos alagamentos de casas e perdas de bens materiais, mas, felizmente, não há notícias de vítimas fatais por causa das fortes chuvas no Rio Grande do Norte. Dos males, os menores. 

As chuvas mais fortes ainda devem prosseguir na faixa litorânea do Estado, mas as previsões falam de uma diminuição da intensidade no interior do Rio Grande do Norte. Isso não é muito, mas já representa um alívio na vida de muita gente. 

FORTES CHUVAS CONTINUAM CASTIGANDO CIDADES DA FAIXA LESTE DO NORDESTE BRASILEIRO

O Distúrbio Ondulatório do Leste continua causando estragos em toda a faixa Leste da Região Nordeste. Chuvas fortes e frequentes, que há vários dias vem caindo numa extensa região entre o Leste do Rio Grande do Norte e o Leste de Sergipe, vão continuar. O Leste e o Sul da Bahia vêm enfrentando chuvas menos intensas. 

São esperados grandes volumes acumulados de chuvas para os próximos dias em Natal, João Pessoa, Recife e Alagoas, eventos climáticos que sempre são seguidos de enchentes, alagamentos e deslizamentos de encostas. Duas pessoas já morreram em Alagoas por conta das fortes chuvas. 

O Distúrbio Ondulatório de Leste é um fenômeno climático que provoca uma perturbação nos ventos e na pressão que atuam na faixa tropical do globo terrestre que fica entre a África e o litoral do Brasil. Essa perturbação interfere no regime dos ventos alísios.  

Os ventos alísios sopram no sentido Leste-Oeste, formando nuvens de chuvas, que atravessam o Oceano Atlântico e chegam ao litoral Leste do Brasil. É esse distúrbio que está provocando as fortes chuvas nos Estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.  

Nessa segunda-feira, dia 4 de julho, o Governo Federal reconheceu a Situação de Emergência em 15 cidades dos Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, além de incluir cidades no Amazonas e em Santa Catarina que também estão sendo castigadas com fortes chuvas. 

As cidades brasileiras, em sua grande maioria, não estão preparadas para suportar fortes chuvas. Essa é uma triste realidade que assola especialmente as médias e grandes cidades, aglomerados humanos que cresceram sem maiores preocupações com a construção de sistemas adequados para a drenagem das águas pluviais

O drama é ainda maior quando se verificam as péssimas políticas para a construção de moradias populares. Sem opção, dezenas de milhares de famílias em todo o país se voltam para os terrenos baratos das áreas de várzea e das encostas de morros. Construções precárias, sem as mínimas condições de segurança, vão se amontoando nos morros – bastam alguns poucos dias de chuva mais forte para colocar muitas dessas construções em risco. 

Na faixa Leste da Região Nordeste a situação é agravada pela falta de vegetação nativa nas margens de rios e nas encostas dos morros. Conforme já comentamos em inúmeras postagens aqui do blog, o trecho local da Mata Atlântica foi literalmente arrasado por séculos de cultivo da cana de açúcar. 

A Mata Atlântica dominava uma área equivalente a 15% do território brasileiro há época da chegada dos primeiros europeus às costas brasileiras. O bioma era predominante ao longo do litoral da região Nordeste entre o Sul da Bahia e o Rio Grande do Norte. Essa mata ocupava uma faixa com largura entre 60 e 80 km, entre a região do Agreste e o Oceano Atlântico. Em pouco mais de trezentos anos de monocultura da cana-de-açúcar, a maior parte dessas matas simplesmente desapareceram.  

Sem a proteção das matas, os férteis solos de massapê passaram a sofrer com os processos de erosão e grandes volumes acabaram sendo arrastados para a calha dos rios e levados na direção do Oceano Atlântico. Conforme os solos iam empobrecendo, os agricultores avançavam contra os remanescentes florestais em busca de “terras virgens”. Assim, gradativamente, a Mata Atlântica “sumiu dos mapas”.  

Essa destruição ocorreu ao longo de toda a costa Leste da região Nordeste e, entre outras consequências, resultou na destruição de inúmeros rios. Como exemplo podemos citar os rios Ipojuca e o Capibaribe em Pernambuco. Não por acaso, esses dois aparecem no topo da lista dos rios mais poluídos do Brasil – o Ipojuca ocupa a 3° posição, ficando atrás apenas dos famosos rios Tietê, de São Paulo, e Iguaçu, no Paraná. O rio Capibaribe está na 7° posição no ranking da poluição dos rios brasileiros. 

Rios caudalosos, que antes só podiam ser atravessados de canoa, passaram a ser vencidos facilmente a pé graças ao contínuo assoreamento e entulhamento dos seus leitos. Águas límpidas e transparentes que permitiam os banhos de rio, as lavagens de roupas e louças transformaram-se em esgotos.  

Sobre essa destruição em larga escala dos rios nordestinos, o grande intelectual pernambucano Gilberto Freyre deixou o seguinte registro:  

O monocultor rico do Nordeste fez da água dos rios um mictório. Um mictório de caldas fedorentas de suas usinas. E as caldas fedorentas matam os peixes. Envenenam as pescadas. Emporcalham as margens. A calda que as usinas de açúcar lançam todas as safras nas águas dos rios sacrifica cada fim de ano parte considerável da produção de peixes no Nordeste.” 

Entre outros inúmeros serviços ambientais, rios são os canais naturais para a drenagem das águas pluviais. Se seus canais foram tomados por areia e outros resíduos sólidos carreados ao longo de muitas décadas, vai faltar espaço para receber as águas das chuvas. Resultado – enchentes e alagamentos generalizados vão tomar conta das partes mais baixas das cidades. 

A falta de vegetação ao longo das margens e, em especial, nas encostas de morros é outro ponto crítico. As raízes da vegetação têm papel ímpar para a infiltração de parte da água das chuvas nos solos. Além de ser fundamental para a recarga de lençóis subterrâneos e aquíferos, essa vegetação ajuda a reduzir o volume e a velocidade das águas pluviais rumo a calha dos rios. Essas raízes também evitam o desmoronamento das encostas. 

Esse delay ou retardo nos volumes de água que chegam aos rios permite que haja tempo para escoar os volumes excedentes, evitando que haja transbordamentos. Na falta desses mecanismos naturais, as cidades precisam criar sistemas artificiais para a retenção das águas excedentes. Falo aqui de bacias de detenção abertas, piscinões e represas, entre outros tipos de sistemas. A construção desses tipos de estruturas depende de grandes volumes financeiros, tempo e vontade política, coisas em falta nas nossas cidades. 

Como sempre comentamos aqui em nossas postagens, temporadas de chuvas são e sempre serão coisas normais em um país como o nosso, onde grande parte do território fica dentro de latitudes com climas tropical e equatorial. 

Fenômenos climáticos como Distúrbio Ondulatório do Leste vão continuar a acontecer, salvo alguma mudança que venha a ocorrer devido ao aquecimento global e as mudanças climáticas já perceptíveis em todo o mundo. Logo, notícias desse tipo vão continuar frequentes.  

Ou assumimos as inevitáveis temporadas de chuvas aqui em nossas terras, ou vamos ficar sempre lamentando as más notícias e as mortes de inocentes por contas das águas pluviais. 

SEGUNDO A ONU, PAÍSES INVESTEM POUCO EM CIÊNCIAS DO OCEANO

Entre os dias 27 de junho e 1 de julho aconteceu a Conferência dos Oceanos da ONU – Organização da Nações Unidas, em Lisboa, numa organização conjunta dos Governos de Portugal e do Quênia. O principal objetivo dessa Conferência foi criar as bases para que se atinjam os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável antes de 2030. 

Contrariando os discursos de muitos ambientalistas de “escritórios com ar condicionado”, de alguns líderes mundiais e de muitas celebridades, que repetem a exaustão que a Floresta Amazônica é o pulmão do mundo, essa é uma função que os mares e oceanos realizam com distinção – eles geram metade do oxigênio da nossa atmosfera

Além de ser uma fábrica viva de oxigênio, as águas salgadas absorvem ¼ de todas as emissões de dióxido de carbono, além de capturar cerca de 90% do calor adicional gerado por essas emissões. Oceanos e mares também formam um grande amortecedor global contra os impactos das mudanças climáticas. 

E as coisas não param por aí – oceanos e mares cobrem perto de 70% da superfície do Planeta Terra e são o lar de aproximadamente 80% de todos os seres vivos. Ou seja – eles formam o maior bioma de nosso planeta. Não é a toa que uma grande parte dos alimentos consumidos pela humanidade vem dos mares.

Apesar de toda a sua importância, oceanos e mares não recebem a atenção que lhes seria merecida por parte dos Governos. De acordo com documento publicado durante a Conferência dos Oceanos, os países gastam, em média, apenas 1,7% dos recursos nacionais de pesquisa com as áreas da ciência ligados aos oceanos. 

Quando analisamos o caso do Brasil, a situação é muito mais dramática: apenas 0,03% dos recursos destinados a pesquisas científicas em nosso país são usados em estudos sobre mares e oceanos. De acordo com uma declaração de um porta-voz da ONU, o “gasto médio é muito, muito pequeno”. Por minha conta e risco, digo que no caso do Brasil é “simplesmente ridículo“.  

O Brasil tem uma linha de costa com extensão total de aproximadamente 7.400 km. Quando se consideram as águas jurisdicionais do nosso país, falamos de um território com cerca de 3,5 milhões de km2, chamado tecnicamente de ZEE – Zona Econômica Exclusiva, ou como, como a nossa Marinha prefere chamar – Amazônia Azul

Desde 2004, o Brasil está reivindicando junto a CLCS – Comissão de Limites da Plataforma Continental, na sigla em inglês, uma organização da ONU, um aumento da área de direitos econômicos exclusivos. Caso o pleito brasileiro seja aceito, a nossa Amazônia Azul sofrerá um aumento de mais de 2,1 milhões de km2, passando para uma área total próxima dos 5,7 milhões de km2.  

Para que todos tenham uma vaga ideia da importância da Amazônia Azul: ela concentra 85% de nossas reservas de petróleo, 75% do gás natural e 45% de nossa produção de pescados. Mais de 95% do comércio exterior do Brasil é feito por via marítima. A ANM – Agência Nacional de Mineração, estima que sob essas águas existem grandes reservas de níquel, cobre, cobalto e manganês, mas faltam estudos técnicos mais profundos. 

Com todo potencial econômico já explorado e a explorar, é fundamental que se destinem verbas mais substanciais para pesquisas científicas em áreas como biologia marinha, oceanografia, mineralogia e geologia, meteorologia, engenharia naval, entre muitas outras áreas afins.  

Citando apenas um dos muitos problemas – a Marinha do Brasil, força nacional responsável pela defesa e patrulhamento de todo esse “mundo de águas”, está com uma frota envelhecida, com muitos navios sendo aposentados e com poucos recursos para se reequipar. Existem novos submarinos e fragatas em construção, porém, a quantidade está muito aquém das necessidades. 

Um exemplo da falta de uma força naval atuante foi o que vimos em 2019, quando um trecho não contínuo de mais de 2 mil km de praias nos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe foi tomado por grandes manchas de óleo. O país foi pego, literalmente, de “calças curtas” e demorou muito para entendermos o que aconteceu. 

Depois de mais de dois anos de investigação, a Polícia Federal concluiu que os vazamentos de óleo foram causados por um navio petroleiro de bandeira grega. A embarcação seguia da Venezuela para a África do Sul quando houve o vazamento de mais de 5 mil toneladas de petróleo em uma área a cerca de 700 km da costa do Nordeste. Nenhum suposto culpado ainda foi condenado. 

Os problemas dos oceanos e mares, desgraçadamente, não se limitam a problemas econômicos e de segurança. Um dos mais graves e urgentes são os problemas decorrentes da poluição das águas marinhas. Entram aqui os grandes vazamentos de petróleo, como o exemplo já citado, acidificação das águas e morte dos recifes de coral, problema esse ligado ao aquecimento global, e, principalmente, a poluição das águas por resíduos de plástico

De acordo com estimativas de especialistas, cerca de 10% das 100 milhões de toneladas de plásticos produzidas anualmente em nosso planeta acabem chegando aos oceanos, jogadas diretamente nas águas por cidades costeiras ou por despejo de navios ou arrastadas do interior dos continentes por chuvas e caudais de rios te doso os tamanhos. 

Estudos do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, indicam que existem atualmente 18 mil fragmentos visíveis de plásticos flutuando em cada quilômetro quadrado de mar – é indeterminada a quantidade de resíduos que está submersa nos oceanos. 

As inocentes sacolas plásticas como as de supermercados, tão presentes em nosso dia a dia, representam até 27% desse lixo flutuante dos oceanos, segundo algumas medições já feitas. Felizmente, muitas cidades e países já proibiram a distribuição dessas sacolas. 

Um exemplo dos danos ambientais provocados pelos resíduos plásticos nos oceanos é uma imensa ilha flutuante descoberta no Oceano Pacífico em 1997. Essa ilha está localizada a meio caminho das ilhas do Havaí e as costas do estado americano da Califórnia, numa região onde as diversas correntes oceânicas se encontram e formam uma espécie de redemoinho. Essa ilha se estende por cerca de 1.000 quilômetros e concentra aproximadamente 4 milhões de toneladas de todo o tipo de resíduos plásticos. 

Para entender como todo esse grande bioma funciona e como está sendo impactado por agressões ambientais, sobre pesca e mudanças climáticas, não existe outro caminho senão investir pesado em todos os tipos de pesquisas científicas. 

Oceanos e mares são importantes demais para todos nós, mesmo para aqueles povos que vivem a milhares de quilômetros de uma praia. É preciso multiplicar, no mínimo, por dez os recursos financeiros destinados às pesquisas. No caso brasileiro, será necessário multiplicar por cem…