
Uma triste cena para os olhos e narizes dos moradores de Salto, cidade localizada a cerca de 76 km da capital paulista: o trecho local do rio Tietê amanheceu coberto por uma grossa camada de espuma tóxica neste domingo, dia 10 de julho (vide foto). Essa é uma cena que vem se repetindo com frequência na região.
Essa espuma é formada por resíduos de detergentes e outros produtos químicos despejados pelos esgotos de centenas de milhares de residências na Região Metropolitana de São Paulo. Devido à falta de redes de coleta e/ou de estações de tratamento, esses esgotos são despejados em rios e córregos da bacia hidrográfica do rio Tietê in natura.
Em períodos de poucas chuvas, como esse que estamos vivendo neste princípio de inverno, a concentração desses produtos aumenta muito nas águas. Como o trecho do rio que atravessa a cidade de Salto é bastante acidentado e com cachoeiras, as águas são agitadas e revoltas, o que forma uma espuma fétida.
O Tietê é o maior e mais importante rio do Estado de São Paulo. Ele nasce nas encostas da Serra do Mar em Salesópolis e percorre 1.136 km rumo ao Oeste até alcançar sua foz no rio Paraná. Também é preciso citar que, ao longo de um trecho entre 150 e 300 km entre a Região Metropolitana de São Paulo, o Tietê é considerado o rio mais poluído do Brasil.
A origem dessa poluição, conforme já citamos, são os esgotos gerados em centenas de milhares de residências em municípios da Região Metropolitana. Essa poluição começou a se tornar visível na década de 1860, época em que a cidade de São Paulo começou a crescer vertiginosamente com o Ciclo do Café no Estado.
Seguindo a tradição colonial portuguesa, a cidade de São Paulo foi fundada no ponto de encontro de dois rios. O primeiro, o rio Tamanduateí, teria suas águas usadas para o abastecimento da população. As águas do segundo rio, o Anhangabaú, receberiam o lixo e os esgotos da pequena vila. Esses dois rios são afluentes do rio Tietê.
O rio Tietê e todo a sua rede de afluentes também formava uma importante via de transporte na região do Planalto Paulista. Pessoas e cargas eram transportadas em barcos entre as vilas de São Paulo de Piratininga, Santo André, São Miguel Paulista, Pinheiros, Santo Amaro, Carapicuíba, Santana de Parnaíba, entre outras.
Inúmeras expedições de bandeirantes e sertanistas também se valeram do rio Tietê, num incansável trabalho de prospecção de riquezas minerais sertões adentro. Navegando nas famosas canoas monçoeiras, as expedições partiam do porto de Araritaguaba, Freguesia de Itu, hoje Porto Feliz, em São Paulo e chegavam até o rio Paraná, de onde seguiam para o Mato Grosso, Goiás e outras regiões dos sertões.
Com o crescimento desordenado de São Paulo e de outras cidades da Região Metropolitana a partir do final do século XIX, a poluição de rios e córregos aumentou exponencialmente. E não foram apenas esgotos domésticos – milhares de fábricas e oficinas de todos os tamanhos começaram a se instalar na região e todos os efluentes de seus processos industriais também eram lançados nas suas águas.
Uma forma bastante didática para se entender a poluição no rio Tietê é analisar o crescimento da população da cidade de São Paulo, a maior da Região Metropolitana. Em 1850, a cidade tinha apenas 15 mil habitantes espalhados por inúmeras vilas dentro do município. Em 1872, a cidade já contava com 31 mil habitantes. Em 1900, a população atingiu a marca dos 239 mil habitantes, número chegou aos 529 mil habitantes em 1920, e a 1,3 milhão em 1940. Esse crescimento se repetiu na maioria das cidades da região.
Durante a maior parte da história das cidades do Planalto de Piratininga (que é o nome antigo da região onde fica a cidade de São Paulo), as redes de coleta de esgotos se limitavam à instalação de manilhas entre as casas e os riachos e córregos mais próximos. A primeira estação de bombeamento de esgotos (não falamos de tratamento) – a Estação do Brás, data da década de 1890.
Em 1925, o grande engenheiro sanitarista Saturnino de Brito já alertava sobre as péssimas condições de poluição das águas do rio Tietê. Segundo seu relato, a capital paulista atingiria dentro de poucos anos uma população de 1,2 milhão de habitantes, o que resultaria em um despejo de 200 mil metros cúbicos de esgotos por dia. “A descarga do rio, em estiagem, será então apenas quatro vezes a dos esgotos, o que será uma situação intolerável”. A história mostraria que suas previsões estavam corretas.
Já no final da década de 1920, os grandes clubes da cidade passaram a construir piscinas em suas sedes e desestimulavam seus membros a se banhar nas águas do rio Tietê. Paulatinamente, os passeios de barco, as competições a remo e até mesmo a presença das lavadeiras de roupas nas margens do rio foram desaparecendo. Em 1944, a tradicional “Travessia a Nado de São Paulo”, que era realizada no rio Tietê, foi proibida por causa da poluição das águas.
Ao longo de todo o século XX e começo desse século XXI, foram realizados esforços (nem sempre contínuos) para a universalização da coleta e do tratamento dos esgotos de toda a Região Metropolitana de São Paulo. Os números mais recentes do saneamento básico na Região indicam que cerca de 85% dos esgotos são coletados e que 70% recebem o tratamento adequado. Mesmo assim, é fácil de perceber que muito esgoto ainda acaba atingindo a calha do rio Tietê.
Todo esse volume de poluição nas águas do rio Tietê cria uma mancha de poluição que se estendia por cerca de 300 km até poucos anos atrás. De acordo com estudos feitos em amostras de água coletadas ao longo da calha do rio pelo SOS Mata Atlântica, essa mancha tem atualmente cerca de 150 km de extensão. A situação melhorou bastante, as ainda falta muito para resolver o problema.
Sempre que surgem essas espumas tóxicas sobre as águas do rio Tietê na altura da cidade de Salto, acende uma espécie de “luz de alerta” que nos lembra o quão importante é esse rio para todos nós paulistas e que ainda falta muito trabalho a ser feito.
Por mais incrível que possa parecer, o Tietê em seu baixo curso é um rio de águas limpas, muito piscoso e usado para o lazer e abastecimento por milhares de paulistas do interior do Estado. Nós aqui das cidades grandes da Região Metropolitana sonhamos muito com o dia em que todas essas qualidades façam parte das paisagens do nosso trecho urbano do rio Tietê.
Sonhar nunca é demais…