A lista dos rios mais poluídos do Brasil inclui dois ilustres pernambucanos: o rio Ipojuca, que ocupa um nada honroso terceiro lugar na lista nacional, e o rio Capibaribe (vide foto), em uma posição menos destacada no sétimo lugar do ranking. Antes de tratarmos dos problemas de cada um destes rios, é importante voltarmos no tempo, para os primeiros tempos da colonização do país, quando a cana-de-açúcar ditava a vida e os costumes da Colônia, marcando para sempre o meio ambiente do litoral de Pernambuco e de todos os seus rios. Conforme já comentei em postagens anteriores, anos atrás eu fiz um extenso estudo sobre a devastação ambiental na Região Nordeste, onde demonstrei o processo de destruição da Mata Atlântica e dos rios no trecho do litoral a partir da introdução da cana-de-açúcar. Leiam um trecho, já postado antes, que é bem elucidativo deste processo e possibilita uma boa introdução ao tema:
Por mais estranho que possa parecer hoje aos nossos ouvidos, acostumados que estamos a ouvir relatos sobre seca no sertão e problemas no abastecimento de água nas grandes capitais da região, a água era um elemento dominante da faixa litorânea do Nordeste e foi um elemento fundamental para a implantação da cultura da cana-de-açúcar. Essa cultura é dependente dos rios, riachos e chuvas que lhe fornecem água para o desenvolvimento das plantas; os engenhos dependiam da força das águas para mover as moendas e das suas vias fluviais para o transporte das canas cortadas dos campos para os centros de produção. O grande mestre Gilberto Freyre (1900-1987), conhecedor maior da história e cultura de Pernambuco, nos legou que todos os registros históricos dos antigos engenhos nordestinos sempre citam o nome de algum rio:
“Rios do tipo do Beberibe, do Jaboatão, do Una, de Serinhaém, do Tambaí, do Tibiri, do Ipojuca, do Pacatuba, do Itapuá. Junto deles e dos riachos das terras de massapê se instalaram confiantes os primeiros engenhos. Rios às vezes feios e barrentos, mas quase sempre bons e serviçais, prestando-se até a lavar os pratos das cozinhas das casas-grandes e as panelas dos mucambos (ou mocambos).”
Com a destruição das matas a ferro e a fogo, a qualidade e a disponibilidades da água dos rios entrou em um processo rápido de declínio. Sem a proteção da floresta úmida, inúmeras nascentes ou reduziram o volume de água para os rios tributários ou simplesmente secaram; sem a proteção das matas ciliares, a erosão do solo pelas chuvas tropicais levou embora em poucos anos a grossa camada de húmus que a natureza levou milhares de anos para formar.
Rios caudalosos que antes só podiam ser atravessados de canoa passaram a ser atravessados facilmente a pé graças ao contínuo assoreamento e entulhamento dos seus leitos. Águas límpidas e transparentes que permitiam os banhos de rio, as lavagens de roupas e louças transformaram-se em esgotos:
“O monocultor rico do Nordeste fez da água dos rios um mictório. Um mictório de caldas fedorentas de suas usinas. E as caldas fedorentas matam os peixes. Envenenam as pescadas. Emporcalham as margens. A calda que as usinas de açúcar lançam todas as safras nas águas dos rios sacrifica cada fim de ano parte considerável da produção de peixes no Nordeste.”
A calda citada neste comentário é o esgoto industrial das usinas, resultante dos processos de fabricação do açúcar e, em maior escala, do álcool. No caso do álcool, cuja produção sofreu um forte incremento na década de 1970 com o Pró-Álcool e em anos mais recentes com a produção de automóveis com motor flex, existe a liberação de um resíduo conhecido como vinhoto: a cada litro de álcool destilado se produz doze litros de vinhoto – isso porque estamos utilizando como exemplo a moderna tecnologia de destilação usada hoje; imagine o volume de resíduos despejados nos rios há época com o uso de tecnologias altamente rudimentares. Os engenhos sempre lançavam os resíduos no riacho ou no rio mais próximo. Os efeitos mais visíveis deste despejo eram a contaminação da água, tornando-a imprópria para o consumo, e a matança dos peixes e crustáceos dos rios e mangues. É sempre importante lembrar que áreas de estuários de rios e os manguezais são o berçário de uma infinidade de peixes oceânicos, que aí nasce e cresce, migrando depois para o mar aberto. Calcula-se que até dois terços dos peixes de grande valor comercial dependem desses ecossistemas para se reproduzir. Essa poluição, fatalmente, comprometia e ainda compromete os estoques pesqueiros, não só nas regiões produtoras de açúcar, mas em grande parte do litoral brasileiro. Também é importante salientar que a captura de caranguejos e siris sempre foi e continua sendo uma alternativa de alimento para as populações pobres da região – o povo do mangue.
Gabriel Soares de Sousa (1540-1592), explorador e naturalista português, autor do Tratado Descritivo do Brasil em 1587, testemunhou a fartura de peixes e crustáceos em um rio da Bahia, numa descrição que pode estendida a todos os rios litorâneos da Região Nordeste:
“Este rio de Pirajá é muito farto de pescado e marisco, de que se mantêm a cidade e fazendas de sua vizinhança, no qual andem sempre sete ou oito barcos de pescar com redes, onde se toma muito peixe, e no inverno, em tempo de tormenta, pescam dentro dele os pescadores de jangadas dos moradores da cidade e os das fazendas duas léguas à roda, e sempre tem peixe, de que todos se remedeiam.”
Nas últimas décadas, com o crescimento vertiginoso das cidades – especialmente da Região Metropolitana do Recife, foram os esgotos domésticos de milhões de pernambucanos que passaram a ser despejados nos rios in natura e em volumes crescentes, completando o conjunto da obra iniciado ainda no século XVI com a chegada da cultura da cana-de-açúcar ao Nordeste brasileiro. Logo, não é de se admirar que o Ipojuca e o Capibaribe tenham posição de estaque entre os rios mais poluídos do Brasil.
Vamos continuar no próximo post.
[…] Em décadas mais recentes, foi o crescimento da população urbana em toda a Região a grande vilã da destruição das águas. O crescimento dessas cidades não foi acompanhado de obras de infraestrutura, especialmente para a coleta e o tratamento dos esgotos. Os rios da região se tornaram verdadeiras valas de esgotos a céu aberto. Exemplos desse descaso são os rios Capibaribe e Ipojuca, que fazem parte da lista dos 10 rios mais poluídos do Brasil. […]
CurtirCurtir
[…] outras consequências, resultou na destruição de inúmeros rios. Como exemplo podemos citar os rios Ipojuca e o Capibaribe em Pernambuco. Não por acaso, esses dois aparecem no topo da lista dos rios mais poluídos do […]
CurtirCurtir