
A Dinamarca é um pequeno país formado por terras continentais e insulares incrustadas entre a Alemanha e a Península Escandinava. O país conta com 5,5 milhões de habitantes, sendo que 650 mil vivem na capital, Copenhagen. Apesar de pequena, a Dinamarca possuiu um dos melhores IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, do Mundo. A população conta com excelentes serviços de saúde, educação, saneamento básico e segurança.
Desde 2018, opera em Copenhagen uma das mais modernas usinas de incineração de resíduos sólidos do mundo, a CopenHill, com capacidade para tratar até 1.123 toneladas a cada dia. O calor gerado pela queima dos resíduos é usado para a geração de energia elétrica, que alimenta 50 mil residências, e para aquecimento de água, fornecida para 120 mil residências.
Um exemplo da perfeita integração entre essa usina e a cidade é a sua sofisticada arquitetura – os projetistas usaram a estrutura da usina para criar uma montanha artificial dentro da cidade (que é muito plana) e ali instalaram uma pista de grama para a prática de esqui de montanha (vide foto). Nada mal para um lugar criado para se lidar com o lixo gerado pela cidade.
Comecei essa postagem citando a Dinamarca para falarmos das grandes oportunidades que podem ser criadas para a geração de energia elétrica a partir da queima dos resíduos sólidos produzidos em nossas cidades. O ponto de partida de nossa conversa é: se é bom para os civilizados escandinavos por que não seria para nós brasileiros?
Na postagem anterior já havíamos entrado nesse tema, onde falamos dos problemas que surgem ao longo da reciclagem de resíduos plásticos na Europa. Mais de 70% de todas as embalagens plásticas separadas pelos consumidores e encaminhadas para as centrais de reciclagem não podem ser reaproveitadas. Na maior parte dos casos, esses resíduos estão contaminados e acabam sendo encaminhados para incineração.
Ocorrem também problemas ligados à “exportação de resíduos” para alguns países pobres, onde esses materiais serão, supostamente, reciclados e/ou reaproveitados. Foi citado o exemplo da Turquia, país que tem parte do seu território dentro do continente europeu – grupos de “empresários” aceitam receber os resíduos mediante o pagamento de uma generosa taxa por tonelada. Entretanto, ao invés de reciclarem os resíduos, encaminham os materiais para queima a céu aberto em aterros clandestinos.
A queima de resíduos sólidos domiciliares de forma sustentável para a geração de energia em sistemas conhecidos como waste-to-energy já é uma realidade em diversos países do mundo. Existem atualmente mais de mil usinas destinadas a esse fim em todo o mundo, onde se destacam, além da Dinamarca, Alemanha, Noruega e Japão. Em 2007, durante um encontro oficial do Painel de Mudanças Climáticas da ONU – Organização das Nações Unidas, essa tecnologia foi referendada como mitigadora dos gases de efeito estufa.
A geração de resíduos sólidos e de GEE – Gases de Efeito Estufa, são dois dos maiores problemas de nossas sociedades. De acordo com dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as cidades brasileiras geram aproximadamente 160 mil toneladas de resíduos sólidos a cada dia. Esse volume nos dá uma ideia do potencial para implantação de sistemas waste-ro-energy aqui no Brasil.
Em média, os resíduos sólidos gerados nas residências possuem 70% de seu volume formado por resíduos plásticos, usados principalmente para embalar produtos alimentícios. Como a matéria prima do plástico é o petróleo, esses materiais são altamente combustíveis. Falando a grosso modo, 1 kg de resíduos plásticos pode gerar a mesma energia térmica que 1 litro de óleo diesel.
Existem, é claro, enormes desafios técnicos e logísticos no caminho. Segundo dados do SINIR – Sistema Nacional de Informações sobre Gestão de Resíduos Sólidos, de 2018, cerca de 38,8% dos resíduos sólidos gerados em nosso país são descartados de forma inadequada, ou seja, vão para lixões, terrenos baldios ou calha de rios.
Mas a coisa ainda fica pior – menos de 5% desses resíduos são reciclados (algumas fontes citam que esse número é da ordem de 2,1%). A maior parte de toda essa montanha de resíduos sólidos acaba sendo enviada para aterros sem gerar nenhum benefício para a nossa sociedade. É aqui que estrariam as usinas de incineração e geração de energia.
De acordo com informações da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, a incineração dos resíduos é o processo de oxidação a altas temperaturas que destrói, reduz ou recupera os materiais e substancias. Esse processo permite a recuperação energética de combustíveis presentes nos resíduos como carbono, hidrogênio e enxofre. Ou seja – a queima desses materiais em temperaturas superiores a 800° C permite converter sua energia química em calor.
Um dos processos mais utilizados é conhecido como pirólise, onde a decomposição térmica é feita por uma fonte externa de calor na ausência de oxigênio. Esse processo permite o fracionamento de diversas substâncias dos resíduos e a geração de gases compostos principalmente por nitrogênio e gases de síntese, também conhecidos como Syngas (synthesis gas).
Outro processo bastante utilizado é a gaseificação termoquímica da matéria. Os resíduos sólidos ou líquidos são convertidos em Syngas por meio da oxidação parcial sob calor. Uma das técnicas mais comuns é a utilização de oxigênio, ar ou vapor quente como agente de gaseificação.
O uso do plasma, um gás ionizado com boa condutividade e alta viscosidade, é outro processo muito utilizado na queima dos resíduos sólidos. O plasma é gerado pela dissociação de moléculas de gás a altas temperaturas e seu jato, formado em um dispositivo conhecido como “tocha de plasma”, pode gerar temperaturas entre 5.000 e 15.000° C.
Em todos esses processos, o calor gerado pela queima dos resíduos e/ou dos gases liberados é usado para aquecer a água de uma caldeira e o vapor gerado é usado para movimentar uma turbina geradora de energia elétrica. As cinzas resultantes, que correspondem a menos de 10% do volume inicial dos resíduos, pode ser usada como agregado em materiais para a construção civil como blocos, tijolos, telhas e peças pré fabricadas de concreto.
O pulo do gato dessas usinas de incineração e geração de energia elétrica são os sofisticados processos de controle da incineração e sistemas de filtragem dos gases resultantes da queima dos materiais. Esses sistemas praticamente eliminam a emissão de partículas e gases nocivos, apesar de não conseguirem evitar as emissões de dióxidos de carbono – CO2.
Outro problema é a produção de dioxinas e furanos, moléculas muito pequenas que costumam escapar dos filtros. Essas moléculas se formam espontaneamente durante o processo de queima dos resíduos e podem causar problemas de saúde em populações que moram próximas das usinas.
Entre eventuais problemas e benefícios, o balanço final das centrais de incineração de resíduos é muito mais positivo, especialmente em tempos de crise energética, quando a queima de carvão em centrais termelétricas voltou a crescer em todo o mundo.
A adoção dessa tecnologia em grande escala aqui no Brasil precisa ser pensada com bastante carinho e seriedade.
PS: 6° aniversário de Água, Vida & Cia!
[…] ideia que vem ganhando força em muitos países é o uso dos resíduos plásticos em usinas termelétricas especialmente adaptadas. Como todo bom derivado de petróleo, os resíduos plásticos são […]
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