OS VENTOS DA DISCÓRDIA, OU FALANDO DOS PROBLEMAS CRIADOS PELA GERAÇÃO EÓLICA NO NORDESTE BRASILEIRO 

Em um desenho clássico dos Estúdios Walt Disney, o impagável Pato Donald está tentando dormir desesperadamente. Primeiro, ele é perturbado pelas luzes do luminoso de uma lanchonete vizinha a sua casa que são refletidas nas paredes do quarto. Depois de muita confusão, o personagem consegue pregar uma cortina contra a janela e se livra dos reflexos. 

Logo depois, ele passa a ser atormentado pelas gotas que caem de uma torneira na pia da cozinha. Por mais que Donald tente fazer parar o gotejamento, a água sempre consegue escapulir e faz barulhos ritmados que levam o pato ao desespero. Ao final do episódio, o Pato Donald recebe um telefonema da companhia de água informando que o fornecimento será cortado por falta de pagamento. Ao invés de se lamentar, ele sorri como um louco. 

Comecei a postagem relembrando dessa animação para falar de um problema muito parecido que está acontecendo por toda a Região Nordeste do Brasil: famílias que moram ao lado de parques de geração eólica estão se sentindo muito incomodados pelo barulho constante da rotação das pás. Muitos deles, a exemplo do Pato Donald, não estão conseguindo dormir confortavelmente. 

Em uma reportagem que trata desse e de outros problemas da geração eólica na Região Nordeste, é citado o caso do agricultor Simão Salgado da Silva de 73 anos. Morador de Caetés, cidade no agreste pernambucano localizada a 243 km do Recife, ele e a família abandonaram a sua casa na zona rural por causa do barulho dos geradores eólicos. 

Segundo seu relato, a esposa – Edite Maria da Silva, de 72 anos, adoeceu. “Ela não dormia, não se alimentava bem e entrou em uma grande depressão, teve crises de ansiedade e passou mal“. A família buscou refúgio na zona urbana, onde passou a morar em uma casa alugada. E esse, nem de longe, é um caso isolado. 

Para todos aqueles que, como eu, moram em grandes cidades, o “barulho de fundo” que nos cerca mal é percebido no nosso dia a dia. Minha casa, citando um exemplo, fica a cerca de 300 metros da Marginal Pinheiros, uma das vias expressas mais movimentadas de São Paulo. Ao lado dessa avenida existe uma linha do sistema metropolitano de trens, além de uma estação do metrô a algumas centenas de metros à frente. 

Os carros circulam por aqui 24 horas por dia. Os trens começam a circular as 4h da manhã, na linha do sistema metropolitano, e as 5h da manhã na linha do metrô, operando até a meia noite. Ou seja – o barulho é contínuo, mas os “urbanoides” mal o percebem. Já para um sertanejo, acostumado com o silencio das noites tranquilas no “meio do nada”, o ronco contínuo das engrenagens dos aerogeradores é terrível. 

E os problemas não se limitam ao barulho. 

A mesma reportagem cita o caso da comunidade quilombola do Cumbe em Aracati, município do litoral do Ceará. Formada por cerca de 1.500 pessoas, a comunidade passou a enfrentar problemas após a instalação de um parque com 70 aerogeradores em sua cercania. 

Os problemas começaram durante as obras, quando caminhões e máquinas pesadas das construtoras passaram a circular nas estradas da região. Muitas casas e cisternas passaram a apresentar rachaduras. As canaletas das laterais das estradas, abertas para ajudar na drenagem das águas pluviais, também foram danificadas e essa água passou a invadir as casas de muitos moradores. 

Concluídas as obras de montagem das torres e dos aerogeradores, surgiu um novo problema – a área foi cercada e a passagem de pedestres foi proibida. Além da pesca, as atividades ligadas ao turismo formavam a base da economia da comunidade, que passou a ser fortemente prejudicada. 

Em muitas comunidades agrícolas do interior nordestino já existem movimentos que lutam contra a instalação de parques de geração eólica. Um desses casos é o município de Remígio, no semiárido paraibano. Na região foi instalado um polo de agricultura familiar na Serra da Borborema, onde os moradores falam abertamente que não querem a instalação de parques eólicos. 

Contando com ventos fortes e contínuos, a Região Nordeste foi transformada na maior geradora de energia elétrica por fonte eólica do Brasil. De acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Eólica, a Região concentra 708 parques eólicos de um total de 805 instalados em todo o país. A geração eólica representa, segundo dados de dezembro de 2021 do Ministério de Minas e Energia, quase 11% de toda a matriz energética do Brasil

O potencial eólico da Região é tão grande que já existe um grande projeto para a instalação de centenas de torres offshore (dentro do mar ao longo da costa) por todo o litoral nordestino. Segundo informações preliminares, esse potencial seria equivalente a 50 usinas hidrelétricas do tamanho de Itaipu

As empresas que operam os parques eólicos no interior nordestino se defendem de todas as acusações e informam que sempre que são acionadas por algum morador do entorno de suas unidades, fazem o possível para resolver os problemas. 

Na minha modesta opinião, o que ocorreu foram processos de licenciamento ambiental muito mal feito, onde ninguém se lembrou de fazer testes de ruído contínuo junto aos moradores das vizinhanças. Agora, depois dos aerogeradores instalados e dos estragos feitos, a remediação será mais complicada e muito mais cara. 

A energia eólica, apesar de problemas desse tipo, é uma das mais renováveis e de menor impacto ambiental. Com projetos bem feitos e com uma avaliação adequada dos impactos positivos e negativos, ela sempre será muito bem-vinda. O respeito à vizinhança deve ser um dos pontos principais dessas avaliações. 

Que venham novos bons projetos. 

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A CHEIA DOS RIOS DA BACIA AMAZÔNICA, UM PERÍODO DE ESCASSEZ PARA OS RIBEIRINHOS 

Comecemos com um breve resumo do clima da Região Amazônica: 

O clima amazônico se divide em apenas duas estações: o verão, com muito calor e seca, e o inverno, também muito quente e com chuvas abundantes. Esse padrão climático se reflete diretamente no ciclo hidrológico dos rios da Bacia Amazônica: entre junho e novembro as águas dos rios descem, ocorrendo a “vazante”. Entre os meses de novembro e maio as águas sobem, período conhecido como “cheia”. 

O mês de maio, que marca o final do inverno ou período das chuvas, é o auge das cheias nos rios da região. Um exemplo – o rio Negro, um dos maiores afluentes do rio Amazonas, chega a subir acima da marca de 29 metros na altura da cidade de Manaus, o que significa que suas águas invadem as margens por vários quilômetros. 

O trecho mais largo do rio Amazonas no auge do período seco possui uma largura de 11 km. No auge da cheia, quando as águas das chuvas que caíram nas mais longínquas cabeceiras dos seus afluentes já chegaram na calha do rio Amazonas, essa largura chega aos 50 km. Esses números nos dão uma ideia da intensidade das inundações. 

O período das cheias é uma época de grande escassez para as populações ribeirinhas da Amazônia. Roçados de mandioca e de outras culturas de subsistência ficam sob uma lâmina de água de vários metros. A água potável dos pequenos igarapés também desaparece e são necessárias longas viagens de barco até os terrenos mais altos, onde essa água ainda está disponível. 

Com a cheia dos rios, os peixes abandonam seus habitats na calha dos rios e vão se aventurar nas áreas alagadas no meio da floresta, onde buscam outras fontes de alimentação como frutas, castanhas e sementes. Essa migração temporária torna muito difícil a pesca. 

Nos últimos 30 anos, a Bacia Amazônica vem experimentando ciclos de cheias e de vazantes mais intensos, fenômeno que tem tornado a vida dos ribeirinhos cada vez mais difíceis. De acordo com os registros históricos feitos no Porto de Manaus, cheias severas ocorriam em intervalos de 20 anos no início do século XX. Atualmente, esse intervalo diminuiu para apenas 4 anos. 

Em 2009, a cheia do rio Negro no Porto de Manaus atingiu a marca de 29,77 metros. Em 2012, foi atingida a marca de 29,97 metros e, em 2021, a cheia chegou à cota de 30,02 metros. A chamada cota de emergência no Porto de Manaus é de 29 metros. 

Chama a atenção também o número de cheias extremas que alcançaram ou ultrapassaram a cota de segurança nos últimos anos. Foram 7 cheias extremas em 12 anos: 2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2019 e 2021. Os especialistas chamam esse fenômeno de intensificação do ciclo hidrológico e afirmam que houve um aumento da sua amplitude anual em cerca de 1,5 metro. 

De acordo com informações da Defesa Civil do Amazonas, a cheia dessa temporada já atingiu 24 municípios no Estado e milhares de famílias ribeirinhas estão isoladas e sofrendo com a falta de alimentos. Esses municípios já declararam situação de emergência. 

De acordo com informações do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 65% da população amazonense está preocupada justamente com a falta de alimentos. Outra fonte de preocupação é com a perda da renda familiar. 

Além da produção de legumes e verduras, produtos que são vendidos nas feiras livres e mercados das cidades, muitos ribeirinhos se dedicam a produção de farinha de mandioca, um dos alimentos mais importantes da culinária amazônica. Com a cheia dos rios, tanto os roçados de mandioca quanto os fornos ficam debaixo d`água, o que paralisa a produção por um longo período. 

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil da CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, estatal vinculada ao Ministério das Minas e Energia, o ciclo atual de cheia deverá se estender até o mês de junho. Diversos municípios de toda a Região Amazônica estão apreensivos quanto ao futuro próximo. 

À primeira vista, a exuberância da Floresta Amazônica passa uma ideia de fartura para quem vem de fora. Durante o Ciclo da Borracha, que teve início em meados do século XIX, milhares de imigrantes recrutados nos sertões do Semiárido Nordestino ficaram impressionados com a grande floresta. Muitos deles estavam fugindo da Grande Seca de 1877, onde morreram entre 400 mil e 500 mil sertanejos. 

Esses migrantes precisaram de muito pouco tempo para entender as dificuldades para sobreviver na Floresta Amazônica. Os atuais ribeirinhos que vivem nas margens dos rios da região descendem desses sertanejos, que se mesclaram com populações de origem indígena. 

Segundo o IBF – Instituto Brasileiro de Florestas, o Bioma Amazônico ocupa uma área com aproximadamente 4,2 milhões de km², que corresponde a cerca de 40% do território brasileiro, sendo constituída principalmente por uma floresta tropical cortada pelos rios da Bacia Amazônica. Esse bioma se estende pelos territórios do Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, e parte do território do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins. 

Além dessa definição existe também a chamada Amazônia Legal, onde se incluem áreas do Bioma Cerrado nos Estados do Mato Grosso, Tocantins e em parte do Maranhão. Incluindo a Amazônia Legal, a área total da Região Amazônica vai a 5,2 milhões de km² 

De acordo com informações do último censo demográfico feito pelo IBGE no ano 2000, a população da Região Amazônica é de 20,3 milhões de pessoas, sendo que cerca de 69% vive nas áreas urbana e 31% em áreas rurais. Pela facilidade de transportes por via fluvial, grande parte dessa população rural vive próxima das margens dos rios, o que nos dá uma dimensão do tamanho do problema das cheias. 

A situação de toda essa gente só não está pior por que os Governos de Estados e Municípios, além de grupos assistenciais e ONGs – Organizações Não Governamentais, realizam a distribuição de cestas básicas. O Governo Federal também mantém diversos programas de transferência de renda. Isso não resolve, mas ameniza um pouco a situação dramática dessas populações. 

Todos os anos, as queimadas e os “grandes incêndios” na Floresta Amazônica ganham destaque nos meios de comunicação de todo o mundo, com milhões de dedos de defensores da floresta se voltando contra nós brasileiros. Já as grandes cheias dos rios da Bacia Amazônica e suas milhões de vítimas, esses passam completamente despercebidos… 

ESTUDO MOSTRA QUE A REDUÇÃO DO USO DE AEROSSÓIS NA EUROPA E NOS ESTADOS UNIDOS PROVOCOU UM AUMENTO DO NÚMERO DE FURACÕES NO ATLÂNTICO NORTE 

O tema furacões, ciclones e tempestades tropicais é presença constante aqui em nossas postagens. Recentemente, falamos da tempestade tropical Mogi que causou grandes estragos em parte das ilhas do Arquipélago das Filipinas. E como tema transversal falamos do aumento do número desses eventos em várias regiões do mundo como é o caso do Atlântico Norte. 

Um estudo publicado na Revista Science Advances esta semana jogou um pouco mais de lenha nessa discussão: cientistas descobriram que a redução de 50% nos aerossóis usados na América do Norte e na Europa ao longo dos últimos 40 anos provocou um aumento de 33% no número de ciclones tropicais no Atlântico Norte. O problema dos aerossóis está nos gases usados como propelente, cujas moléculas podem causar problemas na atmosfera. Um caso muito famoso foi o dos CFCs.

Relembrando alguns fatos históricos na área ambiental: há muitos anos descobriu que os gases CFC – clorofluorcarbonos, usados em sprays (que é um sistema de aerossol em alta pressão) e sistemas de refrigeração eram os responsáveis pelo surgimento de um grande buraco na camada de ozônio, uma região da alta atmosfera responsável pelo bloqueio do excesso de raios ultravioletas que atingem a superfície do nosso problema. 

Essa descoberta científica provocou uma verdadeira corrida entre os fabricantes de sistemas de ar condicionado, geladeiras e freezers, além de empresas do ramo da cosmética e dos cuidados pessoais que embalavam seus produtos em embalagem do tipo spray na busca de uma alternativa aos gases CFC. Essa campanha obteve grandes êxitos e diversos gases seguros para a camada de ozônio passaram a ser utilizados em muitos países. 

De acordo com os cientistas responsáveis pelo estudo recém divulgado, as partículas dos gases que eram usados nos antigos aerossóis refletiam a luz solar de volta ao espaço, evitando que essa energia aquecesse a superfície dos oceanos. O dióxido de carbono e o metano, gases que também existem em grande quantidade na atmosfera, ao contrário absorvem a luz solar e levam ao aquecimento. 

Foi observado que, conforme as diferentes leis para eliminação dos gases “nocivos” dos aerossóis foram sendo implementadas em todo o mundo, os oceanos passaram a absorver quantidades cada vez maiores do calor vindo dos raios solares. E é justamente essa energia que alimenta as tempestades que se formam sobre os oceanos. 

Um outro lado desse estudo, que mostra como os nossos conhecimentos sobre a complexidade do clima de nosso planeta ainda são incipientes, mostrou que nesse mesmo período houve um aumento de 40% na poluição do ar por aerossóis na Índia e na China. Ao contrário do que ocorreu no Atlântico Norte, essa poluição provocou uma diminuição de 14% no número de ciclones tropicais no Oeste do Oceano Pacífico. 

China e Índia vem experimentando um fabuloso crescimento econômico nas últimas décadas, fenômeno que resultou na inserção centenas de milhões de habitantes desses países no mercado consumidor. Coisas comezinhas para nós ocidentais como uso de desodorantes, sprays para cabelo ou simplesmente perfumes, passaram a fazer parte da rotina dessas pessoas. 

Com legislações ambientais muito mais frouxas que no Ocidente, esses países fizeram “vista grossa” para o uso de gases nocivos em seus aerossóis. Lembro também que o desenvolvimento econômico nesses países se apoia grandemente no uso de combustíveis fósseis como o carvão, o que resultou na emissão de enormes quantidades de gases de efeito estufa nas últimas décadas. 

Um dos cientistas envolvidos no estudo fez uma analogia interessante: reduzir a poluição do ar a partir da redução do uso de aerossóis é como parar de fumar. Isso vai se refletir diretamente numa melhora da saúde e em uma redução dos riscos de câncer. Por outro lado, parar de fumar tem seus efeitos colaterais como o ganho de peso e o aumento dos níveis de estresse. 

Segundo Jim Kossin, especialista sênior em furacões do Climate Service dos Estados Unidos, esse novo estudo é importante para ajudar a distinguir os problemas que são causados pela poluição do ar e aqueles ligados ao aquecimento global e gases de efeito estufa. 

Segundo ele, os ciclones tropicais são “animais aleatórios que respondem à natureza aleatória da atmosfera a qualquer momento”. E completa: o aquecimento constante das águas do Atlântico Norte está sendo causada por uma combinação do aumento dos gases de efeito estufa e pela diminuição das partículas dos gases dos aerossóis. E o efeito disso tudo vem vendo um aumento dramático dos furacões. 

Cientistas climáticos que não estão ligados a esse estudo, é claro, olham esses resultados com cautela. Segundo muitos deles, que foram ouvidos por jornalistas, as novas descobertas se juntam a outros estudos já concluídos e contribuem para um melhor conhecimento da crise climática global. 

De acordo com o Professor Gabriel Vecchi, da Universidade de Princeton, “os aerossóis estão entre os elementos mais incertos do sistema climático, então acho que deveria – e prevejo que haverá – estudos de acompanhamento que explorem a sensibilidade dos resultados a uma série de incertezas relacionadas aos aerossóis”. 

Muita água ainda deverá rolar por baixo dessa ponte, relembrando um antigo ditado, até que os cientistas consigam entender com alguma razoabilidade o clima de nosso planeta e também os impactos causados pelas ações de nós, seres humanos. 

Destaco, entretanto, que não deixa de ser interessante imaginar o quanto um inocente desodorante em spray ou um inseticida doméstico pode ser danoso para o clima de nosso planeta. 

A CRISE NA GERAÇÃO FOTOVOLTAICA DA ESPANHA 

Durante o governo do General João Baptista de Oliveira Figueiredo, que foi o último presidente do Regime Militar e que governou o Brasil entre 1979 e 1985, foi criado um grande programa de incentivo a agricultura. Muitos analistas entendem que, apesar dos problemas que surgiram, esse foi o marco inicial do poderoso agronegócio brasileiro dos dias atuais. 

O slogan desse programa, muito populista, diga-se de passagem, era “Plante que o João Garante”. Muitos comediantes há época utilizaram o slogan como bordão de seus quadros. Lembro inclusive de um quadro apresentado por Jô Soares – o Doutor Sardinha, que ironizava o então Ministro da Agricultura Delfin Netto. 

Notícias recentes sobre a situação dos produtores de energia fotovoltaica na Espanha fazem lembrar muito o slogan do Presidente Figueiredo. Durante anos, o Governo espanhol fez valer a política “instale placas solares em sua propriedade que o Governo garante a compra da energia”. Muita gente caiu nessa conversa e agora está levando enormes prejuízos. 

A raiz do problema está ligada aos expressivos aumentos no custo do gás natural usado para a geração de energia elétrica na Espanha. Conforme apresentamos em postagens aqui no blog, a pandemia da Covid-19 provocou um esfriamento da economia global a partir de 2020, o que levou a uma redução na produção de combustíveis como o petróleo, o carvão e o gás natural.  

Com a reativação de muitos setores econômicos a partir de 2021, faltou combustível no mercado e os preços subiram muito. Em muitos países da Europa o preço do gás natural mais que dobrou, o que se refletiu em violentos aumentos nos preços da energia elétrica e do gás usado na calefação das residências e nas indústrias. 

Na Espanha, entre outras medidas para combater a crise energética e compensar o aumento do custo do gás, o Governo optou por retirar subsídios que estavam sendo concedidos para os produtores de energia fotovoltaica. Muito pior: foram impostos encargos entre 40 e 80 Euros/MWh. Um parque eólico com receitas fixas de 35 Euros/MWh, citando um exemplo, passou a perder dinheiro

Na onda da economia verde, fenômeno que contaminou a maioria dos países da Europa Ocidental, a Espanha vinha investindo pesadamente na descarbonização e no incentivo a fontes energéticas alternativas como a eólica e a fotovoltaica. O Plano Nacional Integrado de Energia e Clima 2021-2030 previa um crescimento expressivo dessas fontes de energia renováveis.  

Entre as metas se previa aumentar a produção de energia eólica de 28 MW instalados para 50 MW em 2030. No caso da energia fotovoltaica, a meta era passar de 9 MW para 39 MW no mesmo período. As metas também incluíam a eliminação total da geração de energia elétrica em centrais movidas a carvão até 2030. 

O Governo da Espanha vinha incentivando a produção de energia fotovoltaica já há vários anos, especialmente as plantas “domésticas” instaladas em pequenas propriedades e telhados de residências. Milhares de pequenos produtores gastaram todas as suas economias instalando placas fotovoltaicas e redes de distribuição confiando na promessa que o Governo compraria essa produção. 

Essa história começou em 2004, quando o Governo da Espanha eliminou as barreiras que dificultavam a conexão de fontes de energia renovável ao sistema elétrico do país. Um decreto nesse mesmo ano igualou as condições de competição para usinas solares térmicas e fotovoltaicas de grande escala, garantindo também as tarifas de alimentação. 

No início de 2007 foi inaugurada a primeira usina de energia solar concentrada da Europa na cidade de Sevilha (vide foto). Essa usina produz energia a partir de 624 espelhos (helióstatos), que refletem os raios do sol para uma torre de 115 metros de altura dotada de um receptor solar e de uma turbina a vapor onde é gerada a eletricidade. 

Em 2008, a Espanha adicionou 2,6 GW de energia solar fotovoltaica ao sistema elétrico do país, número que chegou a 3,5 GW no ano seguinte. Nesse mesmo ano, o país ultrapassou a produção de energia fotovoltaica do Japão e dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da Alemanha e respondendo por cerca de ¼ de toda essa energia produzida no mundo. 

Ainda em 2008, o Governo estabeleceu como meta atingir a marca de 12% de toda a sua produção de energia a partir de fontes fotovoltaicas até o ano de 2012, esperando atingir 10 GW de geração nessa fonte até o ano de 2020. 

Um exemplo dos impactos criados pela energia solar na Espanha é a cidade de Puertollano, que durante muitos anos foi uma importante sede da mineração de carvão no país. A partir de 2010, a cidade passou a receber generosos subsídios do Governo para implantar sistemas de geração fotovoltaica. A cidade, inclusive, adotou como slogan “O Sol nos move”. 

Duas grandes usinas fotovoltaicas foram instaladas na cidade, além de fábricas de painéis solares e institutos de pesquisas na área de energia limpa. Fazendeiros passaram a vender ou arrendar suas terras para investidores em energia solar. A cidade também passou a atrair inúmeros migrantes que buscavam novas alternativas de vida e de trabalho. 

Esse mesmo quadro se refletiu em uma infinidade de pequenas cidades por todo o país. Segundo dados da UNEF – Associação Fotovoltaica Espanhola, na sigla em espanhol, o país implantou 3,4 GW de energia solar em 2020, sendo que 596 MW desse total foram instalados no telhado de residências. Isto mostra como os estímulos governamentais foram importantes para os pequenos empreendedores. 

A crise energética na Europa, que começou com a pandemia da Covid-19, ganhou proporções ainda mais dramáticas após o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Lembramos aqui que parte importante do gás consumido na Europa vem da Rússia. Essa nova crise deu algum alento para o setor da energia solar na Espanha, mas os problemas estruturais ainda estão longe de uma solução. 

Apesar da energia solar ser gratuita, como vivem repetindo muitos ambientalistas, sua captação através de painéis solares e transformação em energia elétrica tem um alto custo. É preciso pagar pelos painéis solares e toda a infraestrutura de apoio, instalar redes de transmissão de energia elétrica, pagar pelos funcionários e também pela manutenção dos equipamentos. 

Sem um sistema que garanta o retorno financeiro adequado aos empreendedores e empresas que exploram esse tipo de energia – especialmente os pequenos, o sistema entra em colapso. É exatamente isso o que a Espanha deixou de fazer – além de retirar os subsídios, o país passou a cobrar taxas adicionais dos produtores, tanto dos pequenos quanto das grandes empresas. 

E uma boa ideia – a geração de energia limpa, está caminhando a passos largos para o desastre. Lamentável… 

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A MORTE DE 130 TONELADAS DE PEIXES NO LAGO DE FURNAS 

O Lago de Furnas, carinhosamente conhecido como o “Mar de Minas”, é notícia frequente aqui nas páginas do nosso blog. Recentemente, falamos sobre a surpreendente recuperação do nível do corpo d`água após uma fase prolongada de seca. 

A notícia da vez, infelizmente, não é das melhores: milhares de peixes – principalmente tilápias, criadas em cativeiros no Lago apareceram mortos na região de Alfenas. De acordo com os criadores, as perdas foram da ordem de 130 toneladas. A Polícia Militar Ambiental está investigando o caso. Amostras da água e dos animais mortos foram enviados para análise em laboratórios e os laudos deverão sair em 20 dias. 

De acordo com informações de alguns criadores, peixes da ictiofauna nativa também foram afetados. Segundo os relatos, os peixes primeiro agonizaram como se estivessem tendo dificuldades para respirar, começando a morrer em seguida. 

A situação de um dos produtores nos dá uma ideia do tamanho da tragédia – cerca de 100 mil peixes dos seus tanques morreram. Os animais estavam na fase final da engorda e seriam enviados para a venda dentro de 15 dias. O prejuízo do piscicultor deverá superar a cifra de R$ 1 milhão. 

De acordo com dados do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, do dia 9 de maio, o nível do Lago de Furnas está próximo de 86% de sua capacidade máxima. No final de setembro de 2021, conforme publicamos em postagem aqui no blog, o nível do reservatório estava em parcos 14% do seu volume útil. 

Naquele momento toda a Região Central do Brasil atravessava uma fortíssima estiagem, com importantes reservatórios de usinas hidrelétricas apresentando baixíssimos níveis. O Governo Federal chegou a anunciar que existiam riscos para o fornecimento de energia elétrica no país e que um racionamento não estava sendo descartado. 

Felizmente, a temporada das chuvas de verão foi acima da média e os níveis dos principais reservatórios de usinas hidrelétricas entraram num processo de forte recuperação, afastando o risco de racionamento de energia elétrica. Recentemente, foi anunciado o fim da Bandeira Vermelha nas contas de energia elétrica, o que vai significar uma redução nos custos para muita gente. As coisas pareciam estar voltando à normalidade em Furnas.

O aproveitamento energético em larga escala das águas do rio Grande começou no início da década de 1950, período em que o Brasil experimentava um forte ciclo de desenvolvimento industrial, especialmente após a instalação das empresas do setor automobilístico. A forte demanda por energia elétrica, que ameaçava levar o país a um colapso energético, resultou na construção da Usina Hidrelétrica de Furnas, uma das maiores da América Latina na época. 

Até o início da década de 1950, o setor elétrico era controlado por inúmeras empresas estrangeiras como a Light & Power Company, que detinha concessões nos Estados de São Paulo e no Rio de Janeiro. Durante os anos do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), cujo slogan era “50 anos em 5”, o Governo Federal criou diversas empresas públicas para atuar no setor elétrico e o país iniciou uma fase de grandes investimentos na produção de energia elétrica.  

Entre estas empresas, destaca-se a Central Hidrelétrica Furnas, que foi criada em 1957, com o claro objetivo de estimular o desenvolvimento do Estado de Minas Gerais, terra natal do Presidente. Também é importante destacar que nessa mesma época começou a construção de Brasília, cidade que seria transformada na nova Capital Federal do país, e já se projetava um aumento do consumo de eletricidade na Região Centro-Oeste. 

A construção de uma usina hidrelétrica com um lago com área superior a 1.400 km2 é sempre problemática e o caso de Furnas não foi uma exceção. De acordo com as estimativas dos projetistas, cerca de 35 mil pessoas precisariam ser removidas das áreas que seriam alagadas pela represa e isso causou uma enorme convulsão social. O início do enchimento do lago estava previsto para 1961. 

As áreas sujeitas a alagamento envolviam tanto trechos urbanos de cidades e vilas quanto propriedades rurais. Muita gente resistiu até o último momento, se recusando a abandonar suas casas e terras. Existem muitas fotos de época que mostram moradores nos telhados de casas cercadas pelas águas do reservatório. O Governo Federal precisou convocar as Forças Armadas para ajudar na remoção dessas pessoas inconformadas com a obra. 

O primeiro grupo gerador da hidrelétrica de Furnas entrou em operação em 1963. A inauguração oficial da usina ocorreu em maio de 1965, já no Governo Castelo Branco, o primeiro presidente do ciclo de Governos Militares, que dirigiu o país entre 1964 e 1985. Nessa época, a Usina Hidrelétrica de Furnas já operava com 6 grupos geradores. No início da década de 1970, foram instalados os dois últimos grupos geradores dos 8 previstos no projeto, levando a potência total para 1.216 MW.   

Apesar dos problemas iniciais e da desconfiança da população das cidades do entorno, o surgimento de um grande lago acabou afetando positivamente toda a região. O lago de Furnas passou a ocupar uma área mais de três vezes maior que a Baía da Guanabara, com um perímetro superior a 3 mil km. O indesejado lago conquistou os corações dos locais e foi se transformando no “Mar de Minas”, uma das mais disputadas atrações turísticas do Estado. 

Sem contar com uma fachada oceânica, Minas Gerais ganhou um grande corpo de águas tranquilas para o banho, prática de esportes, pesca e navegação. Como se tudo isso ainda fosse pouco, as margens do lago apresentam inúmeros canyons, grutas e cachoeiras. O turismo se transformou numa das principais atividades econômicas da região.  

O lago também passou a representar uma oportunidade excelente para a prática da piscicultura, especialmente a criação de tilápias em tanques flutuantes. Apesar de promissora, a atividade passou a sofrer com as grandes oscilações do nível do lago devido a fortes períodos de estiagem nos últimos anos. 

Após a mais recente e catastrófica seca no lago, os produtores estavam animados com a perspectiva de uma boa “safra” de peixes nessa temporada. A grande mortandade de peixes nos últimos dias frustrou todas as expectativas e os grandes prejuízos decorrentes do evento estão tirando o sono de muitos produtores. 

Vamos aguardar o resultado dos laudos para podermos entender exatamente o que aconteceu. O mínimo que podemos falar desse evento é que ele é muito estranho, especialmente num momento em que o Lago de Furnas estava bem cheio. 

A MINERAÇÃO NA SERRA DO CURRAL E OS RISCOS PARA O ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM BELO HORIZONTE 

A história e os problemas ambientais do Estado de Minas Gerais se confundem com a mineração. Essa saga teve início em 1693, quando um grupo de bandeirantes paulistas encontrou ouro em grande quantidade na Serra do Sabarabuçu, na região que passou a ser conhecida como as Geraes – a notícia da descoberta do ouro mudaria os rumos e destinos do Brasil. 

A colônia do Brasil era até então um grande canavial concentrado no litoral da Região Nordeste, onde todos os esforços estavam concentrados na produção e exportação do açúcar, o produto agrícola mais valioso da Idade Moderna. A notícia dos achados auríferos mudaria toda a economia da grande colônia portuguesa em poucas décadas, levando, inclusive, a produção do açúcar à decadência. 

Calcula-se que 70% da escassa população brasileira, estimada em 500 mil habitantes no início do século XVII, abandonou a cultura da cana de açúcar no litoral, especialmente na região Nordeste, e seguiu rumo aos sertões das Geraes para se aventurar como garimpeiros. Na busca alucinada pelo valioso ouro, pode-se dizer que, cada pedra das margens dos rios foi revirada e cada barranco escavado. 

O mais recente capítulo dessa história começou a ser escrito há poucos dias atrás na Serra do Curral, uma das paisagens mais marcantes de Belo Horizonte. Na madrugada do último dia 30 de abril, o Governo de Minas Gerais autorizou um projeto de mineração na região da divisa entre as cidades de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. O projeto é chamado de Complexo Minerário Serra do Taquaril. 

De acordo com o MP-MG – Ministério Público de Minas Gerais, trata-se de uma área de preservação ambiental, onde esse tipo de atividade é proibida. As cidades de Belo Horizonte e de Sabará afirmam que não foram consultadas. Já a prefeitura de Nova Lima nega que a área seja de preservação ambiental e apoia o projeto. 

A Prefeitura de Belo Horizonte, inclusive, entrou com uma ação na justiça pedindo a suspensão do licenciamento ambiental do projeto. A Serra do Curral abriga importantes nascentes de água que são utilizadas para o abastecimento da população da cidade e atividades de mineração podem comprometer essa fonte do recurso. 

Os questionamentos começam na forma como a reunião do COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental, transcorreu. Segundo consta, a reunião que tratou da questão se estendeu até as 18 horas, quando foi interrompida. Cerca de 280 pessoas haviam se inscrito para falar, porém não foram ouvidas. Estranhamente, a decisão de aprovação do projeto foi tomada as 4 horas da madrugada seguinte a portas fechadas. 

Segundo informações do IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, a Serra do Curral possui um projeto de tombamento em andamento. A área já é tombada dentro do município de Belo Horizonte e os seus picos são tombados pelo Governo Federal. 

O Governo do Estado, entretanto, afirma que não existe tombamento provisório e, portanto, o processo de licenciamento ambiental do projeto de mineração é legal. Segundo informações divulgadas pela imprensa, um dos sócios da mineradora que ganhou a concessão é correligionário do Governador de Minas Gerais, o que torna o processo ainda mais suspeito. 

A área liberada para mineração na Serra do Curral, estranhamente, é a mesma que havia sido designada para a perfuração de poços para o abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte, num processo de reparação ambiental assinado com a mineradora Vale do Rio Doce. Esse processo surgiu em decorrência do acidente com a barragem de rejeitos da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho em 2019. 

Com o acidente, a qualidade das águas do rio Paraopebas ficou comprometida, o que afetou parte importante do abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A perfuração de poços na Serra do Curral forneceria um volume água que atenderia até 70% das necessidades de consumo de Belo Horizonte e até 40% dos demais municípios da Região Metropolitana. 

A surreal aprovação do projeto de mineração também não considerou as possíveis interferências em instalações e áreas próximas. Um exemplo é o Hospital da Baleia, uma entidade especializada no tratamento de câncer oncológico e que fica a menos de 2 km da área de mineração. 

Também pode ser citado o Parque das Mangabeiras, integrante da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. O limite desse Parque fica a apenas 500 metros da Cava Norte do empreendimento. Também existem riscos geológicos de erosão para o Pico Belo Horizonte, área tombada e localizada muito próxima das futuras cavas de mineração. 

Minerais como o ferro, o aço e o cobre são fundamentais para a vida moderna. Eles estão presentes em praticamente todos os produtos que usamos em nosso dia a dia. Na estrutura de eletrodomésticos como geladeiras e fogões; nos carros, ônibus e trens que usamos nos nossos deslocamentos; na estrutura de concreto de nossas casas e apartamentos. 

Na energia elétrica que move nossas vidas e nos fios que fazem trafegar as nossas comunicações. Até mesmo dentro de nossos corpos na forma de próteses dentárias e pinos cirúrgicos usados para corrigir fraturas ósseas. Sem os metais voltaríamos, literalmente, para a idade da pedra. 

A mineração, entretanto, é uma das atividades humanas mais agressivas ao meio ambiente. Matas precisam ser suprimidas para permitir que os solos sejam escavados. Milhões de toneladas de rochas são removidas e processadas para a retiradas dos metais importantes – grandes volumes de rejeitos minerais são gerados nesse processo. 

Lençóis freáticos e reservas subterrâneas de águas são destruídas e/ou contaminadas, prejudicando o abastecimento de populações. Quando os recursos minerais se esgotam ou sua exploração deixa de ser viável economicamente, essas áreas costumam ser abandonadas a própria sorte. Essa é mais ou menos a história de Minas Gerais. 

Um outro “legado” da mineração no Estado foi a destruição da maior parte da cobertura florestal nativa. O processamento dos minérios requer energia térmica, cuja principal fonte é o carvão. Sem contar com reservas de carvão mineral, fabulosos volumes de madeira e lenha foram transformados em carvão vegetal para uso nos altos-fornos mineiros – cerca de 70% da Mata Atlântica no território das Geraes foi transformada em carvão ao longo da história. 

Esse novo capítulo na mineração do Estado começou de forma estranha, mas todos sabemos como deverá acabar… 

AS FORTES CHUVAS E A SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM SANTA CATARINA

O Estado de Santa Catarina continua sofrendo com as fortes chuvas e já são 27 os municípios que decretaram Situação de Emergência. O número de municípios que registraram ocorrências como alagamentos, deslizamentos de terra, quedas de árvores entre outros transtornos causados pelas chuvas subiu para 121. 

A lista de municípios em Situação de Emergência inclui Tubarão, Orleans, Forquilhinha, Urubici, Maracajá, Araranguá, São Joaquim, Lages, Laurentino, Alfredo Wagner, Rio Rufino, Taió, Anitápolis, Monte Carlo, Videira, Macieira, Rio das Antas, Tangará, Rio do Oeste, Alfredo Wagner e Lauro Muller. 

De acordo com informações da Defesa Civil estadual deste último sábado, dia 7 de maio, foram confirmadas três mortes, duas em São Joaquim e uma em Ubirici. Os mortos, segundo o informe, ocupavam veículos que foram arrastados por fortes correntezas (vide foto). São mais de 7 mil pessoas desalojadas e 518 desabrigadas no Estado – mais de 44 mil pessoas já foram afetadas pelas chuvas. 

O responsável por essas fortes chuvas foi um ciclone extra tropical que se formou no litoral do Rio Grande do Sul na última segunda-feira e que passou a se deslocar rumo ao Norte rumo ao litoral de São Paulo. O fenômeno foi potencializado pela chegada de uma frente fria. 

O volume médio de chuvas acumuladas em Santa Catarina para o mês de maio é de 90 mm. Entretanto, em muitas cidades esse volume superou a marca dos 300 mm como foram os casos de Santa Rosa de Lima, Orleans e Rio Fortuna. Em Florianópolis, capital do Estado, o volume de chuvas acumuladas nas últimas 72 horas está na marca de 248,4 mm. 

A cidade de Tubarão, no Sul do Estado, foi uma das mais fortemente atingidas pelas chuvas. O Rio Tubarão chegou a subir 7 metros acima do seu nível normal, provocando alagamentos em 22 bairros da cidade. Também foram registrados deslizamentos de encostas, quedas de árvores e de muros. Cerca de 10 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas na cidade. 

Outra região crítica do Estado que sofreu com as fortes chuvas foi o Vale do Rio Itajaí-Açu, frequentemente assolado por fortes enchentes. Na cidade de Rio do Sul o nível do rio superou a marca de 8,18 metros acima do nível normal, o que levou muitas famílias a abandonar suas casas. Em Itajaí, o porto precisou ser fechado devido a força da correnteza, que chegar a romper os cabos de atracação de muitas embarcações. 

Até o final do mês de fevereiro, 125 cidades catarinenses se encontravam em situação de emergência por causa da forte seca, segundo dados da Defesa Civil. Esse número corresponde a 42% dos municípios do Estado. Até aquela data, as perdas na agricultura já atingiam a marca de R$ 4 bilhões. 

Entre os meses de dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, os volumes acumulados de chuva no Estado ficaram entre 30 e 40 mm. Para que todos tenham uma ideia do que isso significa, a média histórica para o período é de 150 mm. Somente nessa última semana, muitas cidades receberam o dobro desse volume de chuvas, especialmente nas áreas Central e Leste de Santa Catarina. 

Desde 2019, Santa Catarina vinha sofrendo com secas e/ou chuvas abaixo da média histórica. Em 2020, aliás, a seca se igualou a de 1957, considerada a maior seca já registrada no Estado. 

De acordo com a EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural, as maiores perdas na agricultura neste ano foram no milho e no feijão, com quebras de 34,5% e 22,4%, respectivamente. A primeira safra de soja também foi muito prejudicada e as perdas superam R$ 1,5 bilhão. Também sofreram fortemente a produção de hortaliças, frutas – especialmente as maçãs, de leite e de carnes. 

Na cidade de São Joaquim, que hoje vive em situação de emergência por causa das chuvas, muitos produtores de maçãs tiveram a perda total de sua produção nas últimas safras. Outros produtores colheram frutos muito pequenos e de baixo valor de comercialização. Para se prevenir contra as secas, muitos dos produtores da região fizeram pesados investimentos em sistemas de irrigação. 

A falta de chuvas também estava prejudicando o abastecimento de água das populações de muitas cidades. Um exemplo é Chapecó, no Oeste catarinense, onde a companhia local de águas vinha adotando um sistema de rodízio entre os bairros. Reservatórios de muitas cidades ficaram praticamente secos e com o fundo esturricado, imagem que fazia lembrar imagens do Semiárido Nordestino. 

A cidade de Chapadão do Lajeado, no Vale do Itajaí, chegou a entrar em Estado de Emergência por causa dos baixíssimos níveis dos seus reservatórios de água, que chegaram a ficar 36 cm abaixo do nível mínimo. Na metade dessa última semana, o nível do rio Itajaí-Açu, o principal da região, chegou a ultrapassar em 8 metros o nível máximo por causa das fortes chuvas. 

A situação vivida por Santa Catarina nos últimos anos ilustra bem os efeitos dos extremos climáticos que estão sendo provocados pelo aquecimento global. Em alguns anos as chuvas tem ficado muito abaixo da média histórica e em outros essas chuvas vem em excesso, como está ocorrendo nos últimos dias. 

Essa imprevisibilidade climática vai forçar cidades, produtores rurais e industrias, entre outros agentes, a investir cada vez mais na construção de reservatórios de água, além de promover ações para o reuso e aproveitamento cada vez mais racional do recurso. A forma como a água ainda é usada precisará ser cada vez mais repensada e racionalizada. 

São novos e complicados tempos. 

AS FLORESTAS QUE SÓ EXISTEM NO PAPEL E NOS PLANOS DE COMUNICAÇÃO E MARKETING 

Em 2010, época em que eu ainda trabalhava nas obras de implantação da rede de coleta e de tratamento de esgotos na cidade de Porto Velho, no Estado de Rondônia, acompanhei um evento “ambiental” organizado por uma engarrafadora de água mineral da região. 

Em comemoração ao Dia do Meio Ambiente daquele ano, a empresa convocou os moradores da cidade para plantar mudas de árvore no canteiro central da avenida de acesso ao aeroporto da cidade. A ideia era plantar a maior quantidade de mudas em uma hora. Salvo alguma falha de minha memória, o evento terminou com o plantio de mais de 7 mil mudas de árvores. 

Cerca de duas semanas depois, enquanto eu seguia para o aeroporto para uma viagem de trabalho, observei que a imensa maioria das mudas de árvores plantadas no canteiro da avenida havia morrido sob o impiedoso calor da Amazônia. A empresa que organizou o evento não se preocupou em criar uma rotina de regas periódicas das mudas. 

Essa minha memória está longe de ser um caso isolado. Já faz muito tempo que as empresas descobriram uma oportunidade de divulgar suas marcas e lucrar com a ideia do “marketing ecológico”. Surgiram slogans valorizando a responsabilidade social e ambiental das empresas, criaram-se produtos “amigos” da natureza, entre outras coisas do tipo. No fundo no fundo, essas empresas estão muito mais preocupadas com o lucro do que com a natureza. 

Esse uso abusivo de ferramentas de comunicação e marketing por parte das empresas acabou por contaminar, muitas vezes por razões políticas, projetos muito bem intencionados de reflorestamento em todo o mundo. Um exemplo foi o que ocorreu em um evento na Turquia em 2019.  

Em comemoração ao Dia Nacional das Florestas no país, foi organizado um mega plantio de mudas de árvores, com direito a muitas propagandas nos meios de comunicação locais bancadas pelo Governo. Foram plantadas cerca de 11 milhões de árvores naquele dia e, a exemplo do caso que citei em Rondônia, a imensa maioria dessas mudas de árvores morreu poucos meses depois por falta de cuidados básicos. 

Um caso bastante parecido aconteceu nas Filipinas em 2016. O Governo do país lançou naquele ano o Programa Nacional de Esverdeamento. Conforme já tratamos em postagem aqui no blog, as Filipinas encabeçam a lista dos países com a maior devastação florestal do mundo – calcula-se que 2/3 das florestas nativas do país já desaparecem; alguns autores afirmam que restam menos de 8% das matas nativas do país. 

O programa filipino tinha como meta recuperar 1,5 milhão de hectares de florestas e manguezais entre os anos de 2011 e 2019. Um relatório preparado pelo órgão de auditoria do país (uma versão local do nosso TCU – Tribunal de Contas da União), indicou que 88% das metas para os primeiros 5 anos do programa não foram atingidas. 

Pois bem: parte dos esforços desse Programa visava recuperar os manguezais desmatados. Gastaram-se rios de dinheiro, especialmente em propagandas e projetos de marketing, porém, os resultados práticos nos manguezais foram pífios. Segundo relatos de pesquisadores filipinos, foram usadas espécies de árvores inadequadas aos manguezais locais e perto de 90% das mudas morreram. 

Uma interessante reportagem publicada há poucos dias listou diversos projetos ambiciosos de recuperação de áreas florestais e os resultados decepcionantes de muitos deles. Vejam: 

Bonn Challenge – Lançada em 2011, essa iniciativa previa a restauração de 210 mil hectares de florestas em todo o mundo até 2020, chegando até 350 mil hectares até 2030. Dados de 2020 indicam que apenas 27 mil hectares de matas foram recuperados; 

Trillion Trees – Restaurar, conservar e plantar 1 trilhão de árvores até 2030. Lançada com muito alarde em 2016, essa ambiciosa iniciativa atingiu a modesta marca de 38,6 bilhões de árvores em 2020; 

Iniciativa 20 x 20 – Lançada em 2011, visava restaurar e conservar 50 mil hectares de terras degradadas no Caribe e na América Latina até 2030. Segundo dados de 2020, a iniciativa atingiu pouco menos da metade dessa meta: 22,6 mil hectares; 

Grande Muralha Verde do Sahel – Conforme apresentamos em uma postagem aqui do blog, essa iniciativa visa o plantio de uma faixa de floresta com 8 mil km de extensão ao Sul do Deserto do Saara, indo da costa do Oceano Atlântico, no Oeste, ao Mar Vermelho, no Leste africano. Dados divulgados em setembro de 2020, indicam que apenas 4% da iniciativa havia sido implementada. 

A mesma reportagem apresenta uma lista de justificativas dos dirigentes das organizações e de Governos que estão por trás dessas inciativas para o não atingimentos das metas. São as mais diferentes e criativas desculpas.

Para muitos especialistas o que aconteceu mesmo foi um excesso de investimento em comunicação e marketing e uma destinação de poucos recursos para a atividade fim dessas iniciativas, que é basicamente o plantio e a conservação de matas e florestas. Também faltou uma atenção com a fase seguinte ao plantio dos “zilhões” de mudas de árvores anunciadas, ou seja, a rega e a adubagem, entre outros cuidados básicos. 

Resumindo: por trás de anúncios emocionantes, de musiquinhas empolgantes e de vídeos com belas imagens de plantas e animais, onde muitas dessas iniciativas são vendidas como a salvação do planeta, existe mesmo é muita propaganda enganosa. 

AS “QUEIMADAS DO BEM” NO CERRADO BRASILEIRO 

Quem acompanha o blog deve ter percebido que dedicamos as últimas postagens a temas ligadas aos incêndios florestais. O mês de maio marca o início da temporada seca no Cerrado Brasileiro, época em as queimadas se multiplicam no bioma e rendem manchetes em todo o mundo. Em julho tem início o chamado verão amazônico, a época da seca na região, e das já tradicionais notícias sobre a destruição do “pulmão do mundo” pelo fogo. 

Um conceito que foi repetido diversas vezes nessas postagens é o uso controlado do fogo no combate aos incêndios florestais. Por mais que essa ideia assuste os ecologistas de “ar condicionado”, imagem que gosto de usar para falar daqueles que se imaginam defendendo o meio ambiente a partir de suas casas e escritórios confortáveis nas grandes cidades, ela funciona perfeitamente. 

De acordo com a química, o fogo é uma reação que depende de três elementos básicos: combustível, oxigênio e de uma fonte de energia para ativação ou ignição. Esse é o chamado “triangulo do fogo”. Com as queimadas controladas, o material combustível excedente das áreas florestais – galhos, folhas secas, árvores mortas, entre outros materiais, é queimado de forma segura por pessoas especializadas. Reduzindo a quantidade de material combustível nas matas, o risco de grandes incêndios florestais fica reduzido. 

Uma ideia que segue nessa direção e que faz muita gente “especializada” torcer o nariz é a pastagem de animais domésticos dentro de áreas florestadas com o objetivo de reduzir o volume de material combustível. Citamos o exemplo das “cabras-bombeiras” que estão sendo usadas em algumas regiões da Califórnia, nos Estados Unidos, e nas cercanias de Dublin, capital da Irlanda. Os animais comem a vegetação rasteira e arbustiva, deixando os solos das matas “limpos”.

Em 2021, durante uma temporada de fortes queimadas no Pantanal Mato-grossense, algumas autoridades do Governo Federal afirmaram que a criação de gado na região, atividade que foi reduzida devido a restrições ambientais, poderia ter contribuído na prevenção desses incêndios. Essa ideia foi rechaçada há época por muitos “especialistas”. 

Fugindo das discussões entre os diferentes grupos, o fogo faz parte das paisagens naturais de nosso planeta há muitos milhões de anos e muitos os biomas que foram, literalmente, modelados pelas chamas ao longo do tempo. Um grande exemplo aqui no território brasileiro é o Cerrado. 

De acordo com um estudo feito por pesquisadores da UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana e da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, “o fogo teve papel importante na formação da flora do cerrado brasileiro“. Segundo os pesquisadores, mudanças climáticas ocorridas há 10 milhões de anos favoreceram a expansão de áreas de savanas em todo o mundo, vegetação que se torna muito inflamável em certas épocas do ano e sujeitas a ação do fogo. 

As novas condições ambientais passaram a favorecer espécies vegetais com uma maior resistência as chamas. São plantas que possuem uma casca bem mais grossa que espécies semelhantes encontradas em outros biomas – essas cascas protegem as plantas durante os incêndios, ou ainda de rápida regeneração. Muitas espécies vegetais, inclusive, passaram a depender das chamas para quebrar a dormência de suas sementes. A flora do Cerrado que conhecemos hoje começou a se formar há cerca de 4 milhões de anos. 

Um exemplo da extrema adaptação das espécies vegetais do Cerrado ao fogo é a Bulbostylis paradoxa, uma erva conhecida popularmente como cabelo-de-índio. Um estudo liderado pela pesquisadora Alexandra Fidelis da UNESP – Universidade Estadual Paulista, e publicado na revista Ecology em 2019, mostrou que essa planta começa a florescer apenas 24 horas depois de ser queimada. 

De acordo com informações do ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o MIF – Manejo Integrado do Fogo, é usado em 37 unidade de conservação federais, especialmente no bioma Cerrado. No total, 15 unidades de conservação nesse bioma usam as queimadas controladas ou proscritas, termo técnico mais utilizado. 

De acordo com o ICMBIO, essa prática vem sendo usada no Cerrado desde 2014, e foi fundamental na redução da incidência de grandes queimadas na Serra Geral no Tocantins, na Serra da Canastra em Minas Gerais, na Chapada dos Guimarães em Mato Grosso e também na Chapada das Mesas no Maranhão. 

Desde 2017, as queimadas proscritas passaram a ser usadas em unidades de conservação com vegetação de savana da região Amazônica. Exemplos são o Parque Nacional do Viruá em Roraima, a Reserva Biológica do Guaporé em Rondônia, e também no Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que se estende entre os Estados de Roraima e do Amazonas. 

Mais recentemente, em 2021, as autoridades ambientais passaram a usar de forma experimental as queimadas proscritas no Pantanal Mato-grossense, bioma que sofreu fortemente com as queimadas naquele ano. Segundo o ICMBIO, cerca de 2/3 das espécies vegetais do Pantanal são similares a espécies do Cerrado

A área escolhida para esses testes fica dentro do SESC Pantanal, a maior RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural, do Brasil. Os resultados do uso das queimadas controladas nessa área serão avaliados ainda no final deste ano e, conforme o resultado, o ICMBIO poderá aplicar a técnica no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, no Estado do Mato Grosso.

O ICMBIO também tem feito convênios com órgão ambientais estaduais visando a popularização dessa técnica. Um exemplo é o Parque Estadual do Juquery, a última área protegida de Cerrado na Região Metropolitana de São Paulo. Para quem não sabe, essa região foi no passado uma grande mancha de Cerrado cercada pela Mata Atlântica. Em 2021, essa área sofreu um grande incêndio florestal. As autoridades ambientais paulistas devem iniciar as queimadas controladas no parque ainda neste ano. 

Áreas de conservação dentro dos Pampas Sulinos e da Caatinga Nordestina, biomas que também ficam sujeitos a ocorrência de grandes incêndios florestais, deverão utilizar a técnicas das queimadas controladas num futuro próximo segundo o ICMBIO. Em áreas florestais da Mata Atlântica e da Amazônia essa técnica não pode ser utilizada

Cenas de incêndio em áreas florestais causam um forte impacto visual nas pessoas, principalmente quando as imagens mostram animais mortos pelo fogo. De acordo com os especialistas, as queimadas controladas são feitas de forma propiciar as rotas de fuga para os animais silvestres. As chamas não seguem numa linha reta, o que dá tempo para os animais terrestres se entocarem e para as aves voarem. É importante lembrar que a fauna do Cerrado é perfeitamente adaptada para essas situações. 

Os próximos meses e as inevitáveis manchetes sobre as queimadas no Cerrado e no Pantanal Mato-grossense vão sinalizar o quanto o uso das queimadas controladas tem sido benéfico para o meio ambiente. Torçamos por bons resultados. 

AS “QUEIMADAS CULTURAIS” DOS ABORÍGENES AUSTRALIANOS 

O povoamento da Austrália é bastante antigo e os especialistas ainda divergem sobre as datas. A corrente mais tradicional fala que a chegada dos primeiros aborígenes ao continente se deu a cerca de 70 mil anos. Novas linhas de pesquisa trabalham com uma data mais recente, entre 40 e 42 mil anos. Existem alguns poucos cientistas que acreditam que essa história deveria retroagir para cerca de 120 mil anos. 

Há um consenso entre a maioria dos cientistas em se afirmar que esses povoadores primitivos pertenceram a uma das primeiras correntes migratórias de Homo Sapiens, a nossa espécie, a sair da África em busca de novas oportunidades de vida. Essas pessoas seguiram através de franjas florestais ao longo das margens do Oceano Índico até atingirem o Sudeste Asiático. Navegando de ilha em ilha, essas populações chegaram na Austrália. 

Quando os primeiros navegadores europeus atingiram o continente australiano ainda no século XVI, encontraram uma enorme população nativa ali estabelecida há milhares de anos. Estimativas da época do início da colonização europeia falam de uma população entre 318 mil e 1 milhão de aborígenes, falantes de cerca de 300 línguas e 600 dialetos, e divididos em inúmeros grupos tribais. 

Como se viu em outros projetos de colonização aqui nas Américas, na África e mesmo no Sul e Sudeste Asiático, os recém chegados impuseram aos nativos suas crenças e seus valores. Tudo o que fazia parte da cultura aborígene foi relegado a um plano muito secundário, sendo que muito cultos religiosos passaram a ser proibidos. 

Uma das tradições multimilenárias dos aborígenes que foi proibida logo no início da colonização inglesa foram as “queimadas culturais“. Os nativos se valiam do fogo para limpar o excesso de matéria combustível em suas matas tais como gravetos, restos de folhas, troncos caídos entre outros. Essas queimadas controladas faziam parte de todo um contexto cerimonial e religioso. 

Segundo as crenças dos aborígenes, a “mata precisa queimar” para preservar a sua saúde. Essa máxima foi recuperada pela pesquisadora Shannon Foster, professora de cultura aborígene da Universidade de Tecnologia de Sydney. Ela se tornou uma guardiã dos conhecimentos do povo d`harawal. Sem contar com escrita, esses conhecimentos tradicionais são passados por via oral de uma geração para outra. A interessante foto que ilustra essa postagem mostra o bisavó e o avó da pesquisadora tomando “lições” com aborígenes na década de 1940.

De acordo com a pesquisadora, a preservação da terra é a parte central da cultura dos aborígenes australianos. Na crença desses povos, é fundamental se pensar no que se pode fazer para retribuir à terra tudo o que ela nos dá. E foi na base da experimentação que esses povos descobriram que as queimadas controladas eram uma ferramenta eficiente para se evitar a ocorrência de grandes incêndios florestais. 

Os nativos ensinam que essas queimadas seguem o ritmo da natureza e ajudam a atrair os animais que esses povos caçam. As cinzas fertilizam os solos e o potássio liberado é essencial para a floração das plantas. Isso melhora o mosaico da vegetação, além de gerar microclimas. 

Os aborígenes acreditam, o que conta inclusive com o aval de alguns pesquisadores, que essas queimadas suaves incentivam as chuvas. A atmosfera aquece até um nível atmosférico onde o calor e o frio provocam a condensação da água, formando assim as chuvas. 

Esse tipo de queimada realizada pelos antigos aborígenes é o que os especialistas chamam de “queimadas frias” (cool burning em inglês). Trata-se de um fogo extremamente controlado com chamas que atingem, no máximo, a altura dos joelhos. A técnica foi criada com o objetivo de queimar as áreas de forma contínua e acompanhando a paisagem. 

É interessante notar que essa antiga prática, abolida pelos colonizadores ainda no final do século XVII, está em perfeita sintonia com uma resolução recente do Governo dos Estados Unidos – a Estratégia de Crise de Incêndios Florestais, conjunto de medidas que prevê tornar as florestas do país mais saudáveis e resistentes a esses eventos ao longo dos próximos 10 anos.  

Um dos mais importantes itens da resolução são os trabalhos de poda da vegetação e corte de árvores mortas, materiais que deverão ser queimados de forma controlada pelas autoridades florestais do país. A ideia é exatamente a mesma das antigas práticas aborígenes – reduzir a quantidade de material combustível nas florestas para evitar a ocorrência de grandes incêndios florestais. 

Os aborígenes australianos não estão sozinhos nisso – a prática da “ecologia do fogo” vem fazendo parte da história de inúmeros povos tradicionais em todo o mundo. Aqui nas Américas, por exemplo, há registros históricos e geológicos de grandes queimadas realizadas por povos indígenas – do Alasca, ao Norte, até a Terra do Fogo, ao Sul do continente. Essas queimadas eram sistemáticas e tinham como objetivo a abertura de campos agrícolas e criação de áreas para caça de animais silvestres. 

Existem abundantes testemunhos de pioneiros da colonização dos Estados Unidos que falam de grandes incêndios florestais provocados propositalmente pelos indígenas do Nordeste norte-americano no início do século XVII. Segundo o que essas testemunhas apuraram diretamente com os índios, a queima da floresta era fundamental para dar espaço aos grandes rebanhos de animais que os nativos caçavam, além de liberar áreas para a agricultura. 

Aqui na Amazônia brasileira encontramos as chamadas “terras pretas de índio”, solos que foram fertilizados artificialmente pelos indígenas para fins agrícolas a centenas, quiçá milhares de anos. A maior parte das terras amazônicas, conforme já apresentamos em postagens aqui no blog, são de baixíssima fertilidade – os indígenas desenvolveram técnicas de queimar restos de vegetação de forma controlada para adubar os solos. Isso criou uma grossa camada de terra preta e de excepcional fertilidade, ainda hoje utilizadas por indígenas e caboclos para a formação de seus roçados. 

Ainda falando dos nossos indígenas não podemos deixar de falar da coivara, uma técnica de plantio agrícola que os colonizadores europeus acabaram absorvendo. A mata é derrubada e os restos florestais são deixados a secar por algumas semanas, quando então o material é incendiado. Além de limpar os solos, as cinzas resultantes da queima fertilizam a área para uso em uma ou duas colheitas. 

Com a Austrália sofrendo sistematicamente com grandes incêndios florestais nas últimas décadas, existem muitos grupos que estão defendendo um retorno a essas antigas práticas culturais e religiosas dos antigos aborígenes. O que durante muito tempo foi considerado paganismo e culto ao demônio pelos antigos líderes religiosos agora está sendo visto como um canal de ligação com a natureza. 

Lembrando que os aborígenes vivem nessas terras há dezenas de milhares de anos e que conseguiram preservar adequadamente o meio ambiente durante esse tempo, não deixa de ser uma ação inteligente buscar absorver alguma coisa de sua cultura ancestral em prol da sofrida natureza da Austrália.