AS FLORESTAS QUE SÓ EXISTEM NO PAPEL E NOS PLANOS DE COMUNICAÇÃO E MARKETING 

Em 2010, época em que eu ainda trabalhava nas obras de implantação da rede de coleta e de tratamento de esgotos na cidade de Porto Velho, no Estado de Rondônia, acompanhei um evento “ambiental” organizado por uma engarrafadora de água mineral da região. 

Em comemoração ao Dia do Meio Ambiente daquele ano, a empresa convocou os moradores da cidade para plantar mudas de árvore no canteiro central da avenida de acesso ao aeroporto da cidade. A ideia era plantar a maior quantidade de mudas em uma hora. Salvo alguma falha de minha memória, o evento terminou com o plantio de mais de 7 mil mudas de árvores. 

Cerca de duas semanas depois, enquanto eu seguia para o aeroporto para uma viagem de trabalho, observei que a imensa maioria das mudas de árvores plantadas no canteiro da avenida havia morrido sob o impiedoso calor da Amazônia. A empresa que organizou o evento não se preocupou em criar uma rotina de regas periódicas das mudas. 

Essa minha memória está longe de ser um caso isolado. Já faz muito tempo que as empresas descobriram uma oportunidade de divulgar suas marcas e lucrar com a ideia do “marketing ecológico”. Surgiram slogans valorizando a responsabilidade social e ambiental das empresas, criaram-se produtos “amigos” da natureza, entre outras coisas do tipo. No fundo no fundo, essas empresas estão muito mais preocupadas com o lucro do que com a natureza. 

Esse uso abusivo de ferramentas de comunicação e marketing por parte das empresas acabou por contaminar, muitas vezes por razões políticas, projetos muito bem intencionados de reflorestamento em todo o mundo. Um exemplo foi o que ocorreu em um evento na Turquia em 2019.  

Em comemoração ao Dia Nacional das Florestas no país, foi organizado um mega plantio de mudas de árvores, com direito a muitas propagandas nos meios de comunicação locais bancadas pelo Governo. Foram plantadas cerca de 11 milhões de árvores naquele dia e, a exemplo do caso que citei em Rondônia, a imensa maioria dessas mudas de árvores morreu poucos meses depois por falta de cuidados básicos. 

Um caso bastante parecido aconteceu nas Filipinas em 2016. O Governo do país lançou naquele ano o Programa Nacional de Esverdeamento. Conforme já tratamos em postagem aqui no blog, as Filipinas encabeçam a lista dos países com a maior devastação florestal do mundo – calcula-se que 2/3 das florestas nativas do país já desaparecem; alguns autores afirmam que restam menos de 8% das matas nativas do país. 

O programa filipino tinha como meta recuperar 1,5 milhão de hectares de florestas e manguezais entre os anos de 2011 e 2019. Um relatório preparado pelo órgão de auditoria do país (uma versão local do nosso TCU – Tribunal de Contas da União), indicou que 88% das metas para os primeiros 5 anos do programa não foram atingidas. 

Pois bem: parte dos esforços desse Programa visava recuperar os manguezais desmatados. Gastaram-se rios de dinheiro, especialmente em propagandas e projetos de marketing, porém, os resultados práticos nos manguezais foram pífios. Segundo relatos de pesquisadores filipinos, foram usadas espécies de árvores inadequadas aos manguezais locais e perto de 90% das mudas morreram. 

Uma interessante reportagem publicada há poucos dias listou diversos projetos ambiciosos de recuperação de áreas florestais e os resultados decepcionantes de muitos deles. Vejam: 

Bonn Challenge – Lançada em 2011, essa iniciativa previa a restauração de 210 mil hectares de florestas em todo o mundo até 2020, chegando até 350 mil hectares até 2030. Dados de 2020 indicam que apenas 27 mil hectares de matas foram recuperados; 

Trillion Trees – Restaurar, conservar e plantar 1 trilhão de árvores até 2030. Lançada com muito alarde em 2016, essa ambiciosa iniciativa atingiu a modesta marca de 38,6 bilhões de árvores em 2020; 

Iniciativa 20 x 20 – Lançada em 2011, visava restaurar e conservar 50 mil hectares de terras degradadas no Caribe e na América Latina até 2030. Segundo dados de 2020, a iniciativa atingiu pouco menos da metade dessa meta: 22,6 mil hectares; 

Grande Muralha Verde do Sahel – Conforme apresentamos em uma postagem aqui do blog, essa iniciativa visa o plantio de uma faixa de floresta com 8 mil km de extensão ao Sul do Deserto do Saara, indo da costa do Oceano Atlântico, no Oeste, ao Mar Vermelho, no Leste africano. Dados divulgados em setembro de 2020, indicam que apenas 4% da iniciativa havia sido implementada. 

A mesma reportagem apresenta uma lista de justificativas dos dirigentes das organizações e de Governos que estão por trás dessas inciativas para o não atingimentos das metas. São as mais diferentes e criativas desculpas.

Para muitos especialistas o que aconteceu mesmo foi um excesso de investimento em comunicação e marketing e uma destinação de poucos recursos para a atividade fim dessas iniciativas, que é basicamente o plantio e a conservação de matas e florestas. Também faltou uma atenção com a fase seguinte ao plantio dos “zilhões” de mudas de árvores anunciadas, ou seja, a rega e a adubagem, entre outros cuidados básicos. 

Resumindo: por trás de anúncios emocionantes, de musiquinhas empolgantes e de vídeos com belas imagens de plantas e animais, onde muitas dessas iniciativas são vendidas como a salvação do planeta, existe mesmo é muita propaganda enganosa. 

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