
Quem acompanha o blog deve ter percebido que dedicamos as últimas postagens a temas ligadas aos incêndios florestais. O mês de maio marca o início da temporada seca no Cerrado Brasileiro, época em as queimadas se multiplicam no bioma e rendem manchetes em todo o mundo. Em julho tem início o chamado verão amazônico, a época da seca na região, e das já tradicionais notícias sobre a destruição do “pulmão do mundo” pelo fogo.
Um conceito que foi repetido diversas vezes nessas postagens é o uso controlado do fogo no combate aos incêndios florestais. Por mais que essa ideia assuste os ecologistas de “ar condicionado”, imagem que gosto de usar para falar daqueles que se imaginam defendendo o meio ambiente a partir de suas casas e escritórios confortáveis nas grandes cidades, ela funciona perfeitamente.
De acordo com a química, o fogo é uma reação que depende de três elementos básicos: combustível, oxigênio e de uma fonte de energia para ativação ou ignição. Esse é o chamado “triangulo do fogo”. Com as queimadas controladas, o material combustível excedente das áreas florestais – galhos, folhas secas, árvores mortas, entre outros materiais, é queimado de forma segura por pessoas especializadas. Reduzindo a quantidade de material combustível nas matas, o risco de grandes incêndios florestais fica reduzido.
Uma ideia que segue nessa direção e que faz muita gente “especializada” torcer o nariz é a pastagem de animais domésticos dentro de áreas florestadas com o objetivo de reduzir o volume de material combustível. Citamos o exemplo das “cabras-bombeiras” que estão sendo usadas em algumas regiões da Califórnia, nos Estados Unidos, e nas cercanias de Dublin, capital da Irlanda. Os animais comem a vegetação rasteira e arbustiva, deixando os solos das matas “limpos”.
Em 2021, durante uma temporada de fortes queimadas no Pantanal Mato-grossense, algumas autoridades do Governo Federal afirmaram que a criação de gado na região, atividade que foi reduzida devido a restrições ambientais, poderia ter contribuído na prevenção desses incêndios. Essa ideia foi rechaçada há época por muitos “especialistas”.
Fugindo das discussões entre os diferentes grupos, o fogo faz parte das paisagens naturais de nosso planeta há muitos milhões de anos e muitos os biomas que foram, literalmente, modelados pelas chamas ao longo do tempo. Um grande exemplo aqui no território brasileiro é o Cerrado.
De acordo com um estudo feito por pesquisadores da UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana e da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, “o fogo teve papel importante na formação da flora do cerrado brasileiro“. Segundo os pesquisadores, mudanças climáticas ocorridas há 10 milhões de anos favoreceram a expansão de áreas de savanas em todo o mundo, vegetação que se torna muito inflamável em certas épocas do ano e sujeitas a ação do fogo.
As novas condições ambientais passaram a favorecer espécies vegetais com uma maior resistência as chamas. São plantas que possuem uma casca bem mais grossa que espécies semelhantes encontradas em outros biomas – essas cascas protegem as plantas durante os incêndios, ou ainda de rápida regeneração. Muitas espécies vegetais, inclusive, passaram a depender das chamas para quebrar a dormência de suas sementes. A flora do Cerrado que conhecemos hoje começou a se formar há cerca de 4 milhões de anos.
Um exemplo da extrema adaptação das espécies vegetais do Cerrado ao fogo é a Bulbostylis paradoxa, uma erva conhecida popularmente como cabelo-de-índio. Um estudo liderado pela pesquisadora Alexandra Fidelis da UNESP – Universidade Estadual Paulista, e publicado na revista Ecology em 2019, mostrou que essa planta começa a florescer apenas 24 horas depois de ser queimada.
De acordo com informações do ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o MIF – Manejo Integrado do Fogo, é usado em 37 unidade de conservação federais, especialmente no bioma Cerrado. No total, 15 unidades de conservação nesse bioma usam as queimadas controladas ou proscritas, termo técnico mais utilizado.
De acordo com o ICMBIO, essa prática vem sendo usada no Cerrado desde 2014, e foi fundamental na redução da incidência de grandes queimadas na Serra Geral no Tocantins, na Serra da Canastra em Minas Gerais, na Chapada dos Guimarães em Mato Grosso e também na Chapada das Mesas no Maranhão.
Desde 2017, as queimadas proscritas passaram a ser usadas em unidades de conservação com vegetação de savana da região Amazônica. Exemplos são o Parque Nacional do Viruá em Roraima, a Reserva Biológica do Guaporé em Rondônia, e também no Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que se estende entre os Estados de Roraima e do Amazonas.
Mais recentemente, em 2021, as autoridades ambientais passaram a usar de forma experimental as queimadas proscritas no Pantanal Mato-grossense, bioma que sofreu fortemente com as queimadas naquele ano. Segundo o ICMBIO, cerca de 2/3 das espécies vegetais do Pantanal são similares a espécies do Cerrado.
A área escolhida para esses testes fica dentro do SESC Pantanal, a maior RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural, do Brasil. Os resultados do uso das queimadas controladas nessa área serão avaliados ainda no final deste ano e, conforme o resultado, o ICMBIO poderá aplicar a técnica no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, no Estado do Mato Grosso.
O ICMBIO também tem feito convênios com órgão ambientais estaduais visando a popularização dessa técnica. Um exemplo é o Parque Estadual do Juquery, a última área protegida de Cerrado na Região Metropolitana de São Paulo. Para quem não sabe, essa região foi no passado uma grande mancha de Cerrado cercada pela Mata Atlântica. Em 2021, essa área sofreu um grande incêndio florestal. As autoridades ambientais paulistas devem iniciar as queimadas controladas no parque ainda neste ano.
Áreas de conservação dentro dos Pampas Sulinos e da Caatinga Nordestina, biomas que também ficam sujeitos a ocorrência de grandes incêndios florestais, deverão utilizar a técnicas das queimadas controladas num futuro próximo segundo o ICMBIO. Em áreas florestais da Mata Atlântica e da Amazônia essa técnica não pode ser utilizada.
Cenas de incêndio em áreas florestais causam um forte impacto visual nas pessoas, principalmente quando as imagens mostram animais mortos pelo fogo. De acordo com os especialistas, as queimadas controladas são feitas de forma propiciar as rotas de fuga para os animais silvestres. As chamas não seguem numa linha reta, o que dá tempo para os animais terrestres se entocarem e para as aves voarem. É importante lembrar que a fauna do Cerrado é perfeitamente adaptada para essas situações.
Os próximos meses e as inevitáveis manchetes sobre as queimadas no Cerrado e no Pantanal Mato-grossense vão sinalizar o quanto o uso das queimadas controladas tem sido benéfico para o meio ambiente. Torçamos por bons resultados.