
Comecemos com um breve resumo do clima da Região Amazônica:
O clima amazônico se divide em apenas duas estações: o verão, com muito calor e seca, e o inverno, também muito quente e com chuvas abundantes. Esse padrão climático se reflete diretamente no ciclo hidrológico dos rios da Bacia Amazônica: entre junho e novembro as águas dos rios descem, ocorrendo a “vazante”. Entre os meses de novembro e maio as águas sobem, período conhecido como “cheia”.
O mês de maio, que marca o final do inverno ou período das chuvas, é o auge das cheias nos rios da região. Um exemplo – o rio Negro, um dos maiores afluentes do rio Amazonas, chega a subir acima da marca de 29 metros na altura da cidade de Manaus, o que significa que suas águas invadem as margens por vários quilômetros.
O trecho mais largo do rio Amazonas no auge do período seco possui uma largura de 11 km. No auge da cheia, quando as águas das chuvas que caíram nas mais longínquas cabeceiras dos seus afluentes já chegaram na calha do rio Amazonas, essa largura chega aos 50 km. Esses números nos dão uma ideia da intensidade das inundações.
O período das cheias é uma época de grande escassez para as populações ribeirinhas da Amazônia. Roçados de mandioca e de outras culturas de subsistência ficam sob uma lâmina de água de vários metros. A água potável dos pequenos igarapés também desaparece e são necessárias longas viagens de barco até os terrenos mais altos, onde essa água ainda está disponível.
Com a cheia dos rios, os peixes abandonam seus habitats na calha dos rios e vão se aventurar nas áreas alagadas no meio da floresta, onde buscam outras fontes de alimentação como frutas, castanhas e sementes. Essa migração temporária torna muito difícil a pesca.
Nos últimos 30 anos, a Bacia Amazônica vem experimentando ciclos de cheias e de vazantes mais intensos, fenômeno que tem tornado a vida dos ribeirinhos cada vez mais difíceis. De acordo com os registros históricos feitos no Porto de Manaus, cheias severas ocorriam em intervalos de 20 anos no início do século XX. Atualmente, esse intervalo diminuiu para apenas 4 anos.
Em 2009, a cheia do rio Negro no Porto de Manaus atingiu a marca de 29,77 metros. Em 2012, foi atingida a marca de 29,97 metros e, em 2021, a cheia chegou à cota de 30,02 metros. A chamada cota de emergência no Porto de Manaus é de 29 metros.
Chama a atenção também o número de cheias extremas que alcançaram ou ultrapassaram a cota de segurança nos últimos anos. Foram 7 cheias extremas em 12 anos: 2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2019 e 2021. Os especialistas chamam esse fenômeno de intensificação do ciclo hidrológico e afirmam que houve um aumento da sua amplitude anual em cerca de 1,5 metro.
De acordo com informações da Defesa Civil do Amazonas, a cheia dessa temporada já atingiu 24 municípios no Estado e milhares de famílias ribeirinhas estão isoladas e sofrendo com a falta de alimentos. Esses municípios já declararam situação de emergência.
De acordo com informações do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 65% da população amazonense está preocupada justamente com a falta de alimentos. Outra fonte de preocupação é com a perda da renda familiar.
Além da produção de legumes e verduras, produtos que são vendidos nas feiras livres e mercados das cidades, muitos ribeirinhos se dedicam a produção de farinha de mandioca, um dos alimentos mais importantes da culinária amazônica. Com a cheia dos rios, tanto os roçados de mandioca quanto os fornos ficam debaixo d`água, o que paralisa a produção por um longo período.
De acordo com o Serviço Geológico do Brasil da CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, estatal vinculada ao Ministério das Minas e Energia, o ciclo atual de cheia deverá se estender até o mês de junho. Diversos municípios de toda a Região Amazônica estão apreensivos quanto ao futuro próximo.
À primeira vista, a exuberância da Floresta Amazônica passa uma ideia de fartura para quem vem de fora. Durante o Ciclo da Borracha, que teve início em meados do século XIX, milhares de imigrantes recrutados nos sertões do Semiárido Nordestino ficaram impressionados com a grande floresta. Muitos deles estavam fugindo da Grande Seca de 1877, onde morreram entre 400 mil e 500 mil sertanejos.
Esses migrantes precisaram de muito pouco tempo para entender as dificuldades para sobreviver na Floresta Amazônica. Os atuais ribeirinhos que vivem nas margens dos rios da região descendem desses sertanejos, que se mesclaram com populações de origem indígena.
Segundo o IBF – Instituto Brasileiro de Florestas, o Bioma Amazônico ocupa uma área com aproximadamente 4,2 milhões de km², que corresponde a cerca de 40% do território brasileiro, sendo constituída principalmente por uma floresta tropical cortada pelos rios da Bacia Amazônica. Esse bioma se estende pelos territórios do Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, e parte do território do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins.
Além dessa definição existe também a chamada Amazônia Legal, onde se incluem áreas do Bioma Cerrado nos Estados do Mato Grosso, Tocantins e em parte do Maranhão. Incluindo a Amazônia Legal, a área total da Região Amazônica vai a 5,2 milhões de km²
De acordo com informações do último censo demográfico feito pelo IBGE no ano 2000, a população da Região Amazônica é de 20,3 milhões de pessoas, sendo que cerca de 69% vive nas áreas urbana e 31% em áreas rurais. Pela facilidade de transportes por via fluvial, grande parte dessa população rural vive próxima das margens dos rios, o que nos dá uma dimensão do tamanho do problema das cheias.
A situação de toda essa gente só não está pior por que os Governos de Estados e Municípios, além de grupos assistenciais e ONGs – Organizações Não Governamentais, realizam a distribuição de cestas básicas. O Governo Federal também mantém diversos programas de transferência de renda. Isso não resolve, mas ameniza um pouco a situação dramática dessas populações.
Todos os anos, as queimadas e os “grandes incêndios” na Floresta Amazônica ganham destaque nos meios de comunicação de todo o mundo, com milhões de dedos de defensores da floresta se voltando contra nós brasileiros. Já as grandes cheias dos rios da Bacia Amazônica e suas milhões de vítimas, esses passam completamente despercebidos…