A CRISE NA GERAÇÃO FOTOVOLTAICA DA ESPANHA 

Durante o governo do General João Baptista de Oliveira Figueiredo, que foi o último presidente do Regime Militar e que governou o Brasil entre 1979 e 1985, foi criado um grande programa de incentivo a agricultura. Muitos analistas entendem que, apesar dos problemas que surgiram, esse foi o marco inicial do poderoso agronegócio brasileiro dos dias atuais. 

O slogan desse programa, muito populista, diga-se de passagem, era “Plante que o João Garante”. Muitos comediantes há época utilizaram o slogan como bordão de seus quadros. Lembro inclusive de um quadro apresentado por Jô Soares – o Doutor Sardinha, que ironizava o então Ministro da Agricultura Delfin Netto. 

Notícias recentes sobre a situação dos produtores de energia fotovoltaica na Espanha fazem lembrar muito o slogan do Presidente Figueiredo. Durante anos, o Governo espanhol fez valer a política “instale placas solares em sua propriedade que o Governo garante a compra da energia”. Muita gente caiu nessa conversa e agora está levando enormes prejuízos. 

A raiz do problema está ligada aos expressivos aumentos no custo do gás natural usado para a geração de energia elétrica na Espanha. Conforme apresentamos em postagens aqui no blog, a pandemia da Covid-19 provocou um esfriamento da economia global a partir de 2020, o que levou a uma redução na produção de combustíveis como o petróleo, o carvão e o gás natural.  

Com a reativação de muitos setores econômicos a partir de 2021, faltou combustível no mercado e os preços subiram muito. Em muitos países da Europa o preço do gás natural mais que dobrou, o que se refletiu em violentos aumentos nos preços da energia elétrica e do gás usado na calefação das residências e nas indústrias. 

Na Espanha, entre outras medidas para combater a crise energética e compensar o aumento do custo do gás, o Governo optou por retirar subsídios que estavam sendo concedidos para os produtores de energia fotovoltaica. Muito pior: foram impostos encargos entre 40 e 80 Euros/MWh. Um parque eólico com receitas fixas de 35 Euros/MWh, citando um exemplo, passou a perder dinheiro

Na onda da economia verde, fenômeno que contaminou a maioria dos países da Europa Ocidental, a Espanha vinha investindo pesadamente na descarbonização e no incentivo a fontes energéticas alternativas como a eólica e a fotovoltaica. O Plano Nacional Integrado de Energia e Clima 2021-2030 previa um crescimento expressivo dessas fontes de energia renováveis.  

Entre as metas se previa aumentar a produção de energia eólica de 28 MW instalados para 50 MW em 2030. No caso da energia fotovoltaica, a meta era passar de 9 MW para 39 MW no mesmo período. As metas também incluíam a eliminação total da geração de energia elétrica em centrais movidas a carvão até 2030. 

O Governo da Espanha vinha incentivando a produção de energia fotovoltaica já há vários anos, especialmente as plantas “domésticas” instaladas em pequenas propriedades e telhados de residências. Milhares de pequenos produtores gastaram todas as suas economias instalando placas fotovoltaicas e redes de distribuição confiando na promessa que o Governo compraria essa produção. 

Essa história começou em 2004, quando o Governo da Espanha eliminou as barreiras que dificultavam a conexão de fontes de energia renovável ao sistema elétrico do país. Um decreto nesse mesmo ano igualou as condições de competição para usinas solares térmicas e fotovoltaicas de grande escala, garantindo também as tarifas de alimentação. 

No início de 2007 foi inaugurada a primeira usina de energia solar concentrada da Europa na cidade de Sevilha (vide foto). Essa usina produz energia a partir de 624 espelhos (helióstatos), que refletem os raios do sol para uma torre de 115 metros de altura dotada de um receptor solar e de uma turbina a vapor onde é gerada a eletricidade. 

Em 2008, a Espanha adicionou 2,6 GW de energia solar fotovoltaica ao sistema elétrico do país, número que chegou a 3,5 GW no ano seguinte. Nesse mesmo ano, o país ultrapassou a produção de energia fotovoltaica do Japão e dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da Alemanha e respondendo por cerca de ¼ de toda essa energia produzida no mundo. 

Ainda em 2008, o Governo estabeleceu como meta atingir a marca de 12% de toda a sua produção de energia a partir de fontes fotovoltaicas até o ano de 2012, esperando atingir 10 GW de geração nessa fonte até o ano de 2020. 

Um exemplo dos impactos criados pela energia solar na Espanha é a cidade de Puertollano, que durante muitos anos foi uma importante sede da mineração de carvão no país. A partir de 2010, a cidade passou a receber generosos subsídios do Governo para implantar sistemas de geração fotovoltaica. A cidade, inclusive, adotou como slogan “O Sol nos move”. 

Duas grandes usinas fotovoltaicas foram instaladas na cidade, além de fábricas de painéis solares e institutos de pesquisas na área de energia limpa. Fazendeiros passaram a vender ou arrendar suas terras para investidores em energia solar. A cidade também passou a atrair inúmeros migrantes que buscavam novas alternativas de vida e de trabalho. 

Esse mesmo quadro se refletiu em uma infinidade de pequenas cidades por todo o país. Segundo dados da UNEF – Associação Fotovoltaica Espanhola, na sigla em espanhol, o país implantou 3,4 GW de energia solar em 2020, sendo que 596 MW desse total foram instalados no telhado de residências. Isto mostra como os estímulos governamentais foram importantes para os pequenos empreendedores. 

A crise energética na Europa, que começou com a pandemia da Covid-19, ganhou proporções ainda mais dramáticas após o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Lembramos aqui que parte importante do gás consumido na Europa vem da Rússia. Essa nova crise deu algum alento para o setor da energia solar na Espanha, mas os problemas estruturais ainda estão longe de uma solução. 

Apesar da energia solar ser gratuita, como vivem repetindo muitos ambientalistas, sua captação através de painéis solares e transformação em energia elétrica tem um alto custo. É preciso pagar pelos painéis solares e toda a infraestrutura de apoio, instalar redes de transmissão de energia elétrica, pagar pelos funcionários e também pela manutenção dos equipamentos. 

Sem um sistema que garanta o retorno financeiro adequado aos empreendedores e empresas que exploram esse tipo de energia – especialmente os pequenos, o sistema entra em colapso. É exatamente isso o que a Espanha deixou de fazer – além de retirar os subsídios, o país passou a cobrar taxas adicionais dos produtores, tanto dos pequenos quanto das grandes empresas. 

E uma boa ideia – a geração de energia limpa, está caminhando a passos largos para o desastre. Lamentável… 

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