O EUCALIPTO, O PINUS, A TECA E OUTROS EXOTISMOS NA FLORESTA AMAZÔNICA

Eucaliptos

Entre os anos de 2009 e 2010, morei em Porto Velho, em Rondônia, onde fui trabalhar nas obras de implantação do sistema de esgotos da cidade. Apesar de ser a capital e a maior cidade do Estado, Porto Velho não tem uma agenda cultural e de lazer das melhores – em muitos fins de semana, era difícil vencer o tédio. Para fugir da mesmice, era comum pegar o carro e viajar para outras cidades como forma de “passar o tempo”. Uma das cidades visitadas com alguma frequência era Humaitá, no Sul do Estado do Amazonas, distante cerca de 200 km de Porto Velho. 

Na primeira vez que fiz uma viagem até Humaitá, observei uma grande área desmatada na beira da rodovia, talvez com uns 5 km². Meses depois, refazendo a viagem pelo mesmo caminho, vi que essa área havia recebido o plantio de milhares de mudas de árvores, que imaginei na época serem mudas de eucalipto. Conversando depois com um colega natural da região, fiquei sabendo que aquela era mais uma plantação de teca, uma espécie de árvore nativa do Sudeste Asiático e que estava se transformando numa verdadeira praga na Floresta Amazônica. 

A teca (Tectona grandis) é uma espécie de árvore tropical de crescimento rápido, que produz uma madeira de ótima qualidade e com uma textura similar à do mogno brasileiro. A espécie é cultivada em larga escala desde o século XVIII em países como a Índia, Burma, Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã e Indonésia. Em décadas recentes, a espécie foi introduzida em áreas tropicais de países como Togo, Camarões, Zaire, Nigéria, Trinidad e Tobago, Honduras e no Brasil. Atualmente, as áreas com plantações de teca no mundo são estimadas em mais de 3 milhões de hectares. 

O sucesso e a expansão das plantações de teca pelo mundo afora tem uma razão muito simples: o metro cúbico da madeira no mercado internacional pode valer entre US$ 400 e US$ 3 mil, a depender da qualidade da textura da madeira e da bitola das toras. Esse é um ótimo argumento para alguém desmatar uma grande área da Floresta Amazônica, lembrando do caso citado de Humaitá, para plantar essa árvore exótica.  

Uma outra espécie exótica que vem ganhando espaço na Região Amazônica é a palma-da-Guiné ou dendezeiro (Elaeis guineensis), que produz um fruto rico em óleo e muito conhecido pelos brasileiros: o azeite de dendê. A espécie é originária da costa Oeste do continente africano, no trecho entre o Senegal e Angola. De acordo com estudos históricos, o dendê vem sendo utilizado pelas populações há mais de 5 mil anos. No Brasil, a espécie foi introduzida no Período Colonial, quando era intenso o trânsito de navios negreiros e mercantes entre a África e o Brasil. Uma extensa região no Estado da Bahia passou a ser dedicada ao cultivo da palma-da-Guiné. Na década de 1960, foram introduzidas as primeiras mudas da espécie no Pará, Estado que responde atualmente por 70% da produção brasileira. 

O dendê se destaca pela sua alta produtividade de óleo: uma plantação com um hectare de palma-da-Guiné pode produzir cerca de 5 toneladas de óleo, contra 700 kg da mesma área com mamona e 500 kg no caso da soja. O óleo ou azeite de dendê é o mais comercializado do mundo, respondendo por 30% do mercado total de óleos de origem vegetal e por 45% do mercado de óleos específicos para alimentos, gerando negócios anuais da ordem de US$ 45 bilhões

Uma das aplicações mais recentes do azeite de dendê é o seu uso como biocombustível em motores a diesel. A abertura de campos agrícolas para o plantio de dendezeiros responde por cerca de 0,4% dos desmatamentos mundiais – na Indonésia e Malásia, entretanto, essa cultura responde por metade dos desmatamentos. Ou seja, o biocombustível renovável feito a partir dos frutos do dendezeiro é o maior responsável pela destruição das Florestas Equatoriais do Sudeste Asiático. 

No Brasil, a cultura da palma-da-Guiné ocupa uma área total superior a 230 mil hectares, sendo que mais de 200 mil hectares estão localizados em áreas da Floresta Amazônica no Estado do Pará. Segundo estimativas do Governo Federal, que fazem parte do Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, existem 30 milhões de hectares adequados para a produção de azeite de dendê no Brasil, especialmente na Amazônia. A princípio, essas já são áreas degradadas e que poderiam ser “reflorestadas” através de plantações de palma-da-Guiné – porém, a exemplo do que vem ocorrendo com as florestas tropicais do Sudeste Asiático, nada impede que áreas da Floresta Amazônica venham a ser suprimidas para a expansão de plantações de palma. 

Outras espécies exóticas que vêm conquistando espaço na Amazônia são o eucalipto e o pinus. O eucalipto foi introduzido no Brasil em 1868 com o objetivo de fornecer lenha em grande quantidade para alimentar as locomotivas a vapor que transportavam as grandes cargas de café produzidas no Estado de São Paulo. A espécie é originária da Austrália e da Indonésia, sendo uma árvore de grande porte e de crescimento muito rápido, justamente o que as autoridades da época buscavam.  A madeira do eucalipto também era indicada para a produção de dormentes para ferrovias, mourões, postes e também tábuas, caibros e vigas para uso na construção civil.  

Uma aplicação menos nobre, mas muito importante era seu uso para a produção de carvão vegetal para consumo na siderurgia – o Brasil sempre foi carente de fontes de carvão mineral. Em Minas Gerais, o maior produtor brasileiro de minério de ferro, grandes extensões de Mata Atlântica no Estado foram devastadas ao longo de várias décadas para a produção de carvão vegetal para uso nos altos-fornos das empresas siderúrgicas. Só em anos bem recentes, com a adoção de normas rígidas de preservação ambiental, é que a madeira do eucalipto de áreas de reflorestamento passou a ser usada para a produção desse carvão. 

Na Região Amazônica algo semelhante está acontecendo – com a criação do Projeto Carajás nas décadas de 1970 e 1980, onde é feita a exploração da maior jazida de minério de ferro do mundo, passaram a surgir inúmeras empresas produtoras de ferro-gusa no Pará e no Maranhão. Para suprir parte das necessidades de carvão dessas empresas, pequenos produtores de carvão vegetal passaram a derrubar trechos da Floresta Amazônica para a obtenção de lenha. Além do evidente crime ambiental, essas carvoarias (grande parte clandestinas) são famosas pelo uso de mão de obra escrava e infantil

O plantio de eucalipto em áreas desmatadas da Amazônia vem ganhando força nos últimos anos como uma alternativa para o fornecimento de lenha para a produção de carvão vegetal. De acordo com estudos da UFPA – Universidade Federal do Pará, as empresas siderúrgicas da região demandam um consumo anual de 3,5 milhões de toneladas de carvão vegetal, sendo necessário 22,5 milhões de metros cúbicos de madeira para se obter essa produção de carvão. Desse consumo de madeira, mais de 12 milhões de metros cúbicos são extraídos ilegalmente através de desmatamentos na Floresta Amazônica

pinus (Pinus elliotti) é uma espécie originária da América do Norte, também de rápido crescimento, fácil adaptação a solos pobres e que não tem inimigos naturais, predadores ou herbívoros que se alimentem de suas sementes aqui no Brasil. A madeira do pinus é largamente utilizada para a fabricação de papel e celulose, o que levou a espécie ser muito difundida em todo o mundo. O pinus é considerada a espécie de planta mais agressiva do mundo. Conforme comentamos em outras postagens, os solos da Amazônia são pobres e extremamente ácidos, se degradando rapidamente após a derrubada da mata. É justamente nesses solos degradados onde estão sendo implantadas grandes plantações de pinus por toda a Amazônia. 

A maior e mais rica floresta equatorial do mundo, a Amazônia, está sendo destruída pouco a pouco pela extração ilegal de madeira, pelas queimadas e pelo avanço da agropecuária. Em muitos lugares onde outrora havia a Floresta nativa, estão surgindo plantações de árvores exóticas como a teca, o eucalipto, o pinus a palmeira-da-Guiné, entre muitas outras espécies. Um cenário cada vez mais surreal. 

Já a Biodiversidade Amazônica, pensam eles, essa que se dane… 

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A NOSSA AMAZÔNIA

A EXPLORAÇÃO E EXPORTAÇÃO ILEGAL DE MADEIRAS NA AMAZÔNIA

Exportação ilegal de madeiras na Amazônia

Na nossa última postagem apresentamos um rápido quadro histórico da exploração de madeiras no país – durante muito tempo, a principal madeira usada para a fabricação de móveis e construção civil no país veio da Mata das Araucárias no Sul do Brasil. O esgotamento desses recursos florestais coincidiu com a abertura dos acessos rodoviários à Região Norte a partir do início da década de 1960.  

As Rodovias Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, a Cuiabá-Santarém e a Belém-Brasília, rapidamente se transformaram em corredores para o transporte de toras em direção as serrarias e indústrias de móveis na Região Sul. Num segundo momento, muitas dessas empresas optaram em mudar para a Região Amazônica, passando a realizar o beneficiamento das toras in loco

O Brasil possui uma área coberta por florestas naturais equivalente a 477 milhões de hectares, o que corresponde a 56% da área do seu território e nos coloca na segunda posição mundial em preservação de florestas, atrás apenas da Rússia. Cerca de 1/3 dos remanescentes de florestas tropicais do mundo se encontram em nosso território, onde o grande destaque é a Floresta Amazônica. Nosso país também não faz feio quando se fala em florestas plantadas, que já ocupam uma área maior que 5,6 milhões de hectares. Somos um grande “país florestal”. 

De um país com tamanha disponibilidade de recursos florestais seria de se esperar uma grande participação no mercado mundial de produtos de madeira. Infelizmente, não é isso o que acontece. No mercado mundial de móveis, o Brasil ocupa uma fatia de meros 1%. As exportações da cadeia produtiva da madeira, onde se inclui produtos de madeira, móveis, papel e celulose, representam cerca de US$ 10 bilhões (2005), sendo que mais de metade desse volume de exportações fica por conta das indústrias de papel e celulose

De acordo com dados do Ministério da Infraestrutura, cerca de 80% da extração de madeiras na Floresta Amazônica é feita de maneira ilegal. Grande parte das áreas onde é feita essa extração se encontram dentro de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), Florestas Nacionais e até mesmo dentro de Terras Indígenas, muitas vezes em associação com os índios. O grande consumidor dessas madeiras é o Estado de São Paulo, que compra cerca de ¼ de toda a produção. A maior parte dessa madeira, cerca de 70%, é usada na construção civil. Eu lembro de ter visto pranchas de madeira de lei de excelente qualidade sendo usadas para o escoramento de valas em diversas obras da rede de esgotos, um verdadeiro crime econômico e ambiental. 

A extração ilegal dessas madeiras amazônicas normalmente é feita em combinação com a grilagem de terras públicas. Os grileiros se associam com os madeireiros, recebendo uma porcentagem dos lucros com a venda das madeiras. As equipes dos madeireiros realizam “a limpeza” das áreas, derrubando toda a vegetação – muitas vezes é usada a técnica de arrasto, onde dois potentes tratores puxam uma extensa e pesada corrente, que derruba todas as árvores que encontram pelo caminho. Após a derrubada, os madeireiros selecionam os troncos de valor comercial, que são cortados e transportados para as serrarias. As demais árvores são deixadas a secar e depois de algum tempo são queimadas, liberando as áreas para a formação de campos agrícolas ou pastagens. 

A “indústria” da exploração ilegal de madeiras na Amazônia se vale da precária fiscalização das autoridades Estaduais e Federais, das sofisticadas técnicas para a falsificação das autorizações de corte e transporte das toras e, principalmente, das colossais dimensões da Floresta Amazônica. Mesmo com o uso de sistemas de monitoramento via satélite, o tempo de resposta de uma equipe de fiscalização pode levar semanas – os madeireiros já terão feito o seu “trabalho” e os resíduos florestais já terão sido transformados em cinzas. É essa a dinâmica dos grandes desmatamentos na região, especialmente no chamado “Arco dos Desmatamentos”, uma extensa faixa que inclui o Sudoeste do Pará, Norte de Mato Grosso, Rondônia e Acre, ocupando uma área  total com mais de 500 mil km². 

A ilegalidade também se faz presente nas cargas de madeiras exportadas pela Região Amazônica. Usando todo um conjunto de documentos falsificados, as toras são “esquentadas” e transformadas em produtos “legais”. Essas toras passam pelo beneficiamento e são embarcadas em contêineres marítimos para exportação. Para os compradores, a madeira foi extraída legalmente e não há qualquer irregularidade na sua compra. O país que vem registrando o maior aumento nas suas compras de madeira Amazônica é a China, famoso por fazer “concessões” à legalidade. Interessados em garantir o crescimento contínuo das suas empresas, os chineses fazem “vista grossa” a muitos detalhes da documentação oficial e compram grandes lotes de madeira de alta qualidade e “ilegalidade”. 

A exploração ilegal e irracional de madeira na Região da Amazônia contribui muito na exposição do Brasil como o “grande vilão da ecologia mundial”, o que vem abrindo espaços cada vez maiores para os discursos de políticos ecologistas e também de ideias intervencionistas. A ideologia da Hileia Amazônica, criada no final da década de 1940, que pregava a internacionalização e administração da Amazônia por um organismo internacional, ainda existe e é muito forte. Mercados internacionais, especialmente na Europa, estão se mostrando sensíveis a essa “destruição” da Floresta Amazônica e estudam a possibilidade de impor restrições à entrada de produtos agropecuários brasileiros, supostamente produzidos nessas áreas desmatadas. 

Como tudo o que envolve a Floresta Amazônica é altamente complexo, reverter essa situação não é nada fácil. O uso de técnicas de monitoramento remoto via imagens de satélite para a emissão e validação dos documentos de autorização para derrubada e transporte das toras é uma das alternativas. Os projetos de manejo florestal devem ter um responsável técnico sério, em um dos lados, e um sistema de gerenciamento transparente do outro lado, de fácil fiscalização e acompanhamento por entidades internacionais como o FSC – Forest Stewardship Council (Conselho do Manejo Florestal).

Essas autorizações devem ser no formato de protocolos digitais, com rápida confirmação on line, extinguindo-se, de uma vez por todas, os formulários e carimbos de órgãos públicos, fáceis de falsificar e difíceis de rastrear. Como o número de rodovias que cortam a Amazônia é relativamente pequeno, postos de fiscalização estrategicamente localizados poderão bloquear a maior parte das cargas ilegais de madeira. 

O combate efetivo aos desmatamentos e exploração ilegal de madeira na Amazônia têm potencial para ajudar na redução substancial das queimadas na Região, algo que tem assustado a opinião pública internacional, ao mesmo tempo que criará excelentes oportunidades para a indústria madeireira oficial. Países como a Noruega e a Suécia, que figuram no topo da lista do IDH – Índice do Desenvolvimento Humano, são grandes produtores e exportadores de produtos florestais, sem que para isso estejam destruindo indiscriminadamente as suas florestas naturais e são ótimos exemplos a serem seguidos. 

Além da legalização das atividades, uma das formas de reduzir os impactos da exploração dessa madeira na Floresta Amazônica é o uso de técnicas adequadas para o manejo florestal. Com o uso das técnicas de EC – Exploração Convencional, um hectare da Floresta Amazônica pode fornecer de 25 a 50 m³ de toras de madeira, de 30 a 60 espécies de grande valor comercial. O problema é que, feita de maneira inadequada, essa extração pode destruir cerca de 26% das árvores dessa área, que são danificadas ou mortas pela movimentação de máquinas e equipamentos, o que vai resultar na destruição de metade da cobertura vegetal dessa área. Quando se utilizam as técnicas conhecidas como EIR – Exploração de Impacto Reduzido, os danos às demais espécies arbóreas da área são reduzidas em, pelo menos, 50%. 

Além do uso de técnicas adequadas para o corte e a remoção dos troncos, os impactos da exploração madeireira podem ser ainda mais sustentáveis com o corte seletivo de árvores. Usando esse critério, fica estabelecido um conjunto de características das árvores que serão cortadas. Isso pode ser feito estabelecendo-se as espécies que serão cortadas, o diâmetro mínimo dos troncos ou ainda se criando um limite de árvores que serão derrubadas. Uma vez atingidas as cotas pré-estabelecidas, a área é deixada livre para se recuperar. Em uma floresta densa como a Amazônia, qualquer espaço aberto no dossel formado pela copa das árvores permite a entrada da luz solar, o que vai estimular o crescimento de novas árvores e garantir a recuperação rápida da área explorada. 

Como se vê, derrubar uma árvore não é crime – criminoso é se assistir uma floresta inteira sendo derrubada, para benefício de uns poucos e prejuízo para todo o Mundo. 

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A NOSSA AMAZÔNIA

A DESTRUIÇÃO DA MATA DAS ARAUCÁRIAS E A EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NA AMAZÔNIA

Exploração madeireira na Amazônia

A madeira é uma das matérias-primas mais antigas e importantes para a humanidade. Um dos seus primeiros usos foi como fonte de calor para os dias e noites congelantes da Idade do Gelo, quando nossos ancestrais mais distantes tiveram sua sobrevivência ameaçada pelo clima extremo do planeta. Mais tarde, a humanidade descobriu a versatilidade da madeira para a construção de abrigos, móveis, carroças, embarcações e toda uma gama de objetos uteis às nossas vidas. 

Juntamente com a necessidade de abertura de grandes campos para a produção agrícola, o consumo de madeira para todos os tipos de uso levou a destruição de grandes áreas florestais por todo o mundo. Um exemplo que gosto de citar é a brutal destruição do trecho nordestino da Mata Atlântica por causa da produção do açúcar no nosso Período Colonial. A derrubada de matas chegou a tal ponto que foi necessária a publicação de um Decreto Real em 1698, proibindo a derrubada de árvores com madeiras de alta qualidade sem autorização das autoridades – essas madeiras ficavam reservadas para a construção de embarcações da Esquadra Real Portuguesa e passaram a ser conhecidas com as “madeiras de lei”. 

Nas últimas décadas, a Floresta Amazônica acabou sendo transformada na principal reserva para a extração de madeiras do país. Suas árvores centenárias apresentam algumas das melhores madeiras disponíveis para os mais diferentes usos, que vão da construção de pallets para o transporte de cargas à exportação de madeiras de altíssima qualidade para a fabricação de pianos na Alemanha. Considerada por muitos como “terra de ninguém”, Florestas Nacionais, Áreas de Preservação Permanente e, até mesmo, Terras Indígenas, foram transformadas em áreas de corte e retirada de madeiras, onde vale tudo. 

Como as coisas no mundo das ciências ambientais nunca são tão simples como muitos fazem parecer, essa corrida em busca das valiosas madeiras da Floresta Amazônica começou em outras Regiões brasileiras, com destaque maior para a Região Sul, que durante muitas décadas foi a grande fornecedora de madeiras e seus produtos para o restante do país. Uma espécie de árvore em particular – a araucária, forneceu durante muito tempo a principal madeira usada na fabricação de mobiliário, residências e objetos: o pinho. 

Araucaria angustifolia é uma espécie de árvore classificada como gimnosperma, ou seja, cujas sementes possuem uma casca dura e não são protegidas pela polpa dos frutos (a grande maioria das árvores são classificadas como angiospermas, ou seja, que produzem frutos com polpa e sementes). É uma espécie adaptada para regiões de clima subtropical, com temperaturas mais baixas nos invernos, encontradas comumente nos planaltos da região Sul do Brasil, nas regiões serranas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de países da América do Sul como a Argentina e o Chile.  

A araucária pode atingir 50 metros de altura e desenvolver um tronco com um diâmetro de 2,5 metros. A madeira dessa árvore, o pinho, é muito similar ao pinho-de-Riga ou pinheiro-da-Escócia, uma das melhores madeiras de construção da Europa, o que chamou a atenção dos primeiros colonizadores europeus que desembarcaram nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil. 

Nas cercanias de São Paulo, citando um exemplo, existiu no passado um grande fragmento da Mata das Araucárias – o bairro de Pinheiros, na Zona Oeste da cidade recebeu esse nome por causa dessa árvore. Foi a madeira dessas árvores que ajudou a construir grande parte das primeiras casas e edifícios da cidade. Esgotadas as reservas locais, novas áreas de exploração começaram a ser buscadas cada vez mais ao Sul do Estado. 

As grandes reservas de Matas de Araucárias concentravam-se nos Estados da Região Sul do Brasil. Estima-se que as araucárias chegaram a cobrir cerca de 40% do território do Paraná, onde aliás a árvore é um dos símbolos do Estado, 30% da superfície de Santa Catarina e 25% do Rio Grande do Sul. Nessas regiões, as araucárias costumavam crescer consorciadas com uma outra espécie extremamente importante para as populações sulinas – a erva-mate, matéria prima do famoso chimarrão. Um dos animais mais folclóricos dessas antigas Matas é a Gralha Azul, ave famosa por ser uma plantadora de araucárias. 

A exploração da madeira das araucárias foi uma importante atividade econômica na Região Sul, especialmente no Paraná, desde as últimas décadas do século XIX, quando o Estado passou a receber grandes contingentes de imigrantes europeus.  Com a inauguração da Ferrovia Curitiba-Paranaguá em 1888, a exploração e a logística do transporte das madeiras até as áreas portuárias foi imensamente facilitada.  

Rapidamente, o Paraná se transformou em um grande exportador de madeiras, que além do pinho das araucárias incluía madeiras de outras espécies nobres como a imbuia, a peroba, o marfim, o cedro e a canela. De acordo com informações disponíveis, o Planalto de Curitiba já estava completamente devastado no ano de 1900, tamanha a “fúria” das empresas madeireiras. Em 1910, com a conclusão do trecho conhecido como Linha-Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a exploração madeireira avançou rapidamente para a região entre Ponta Grossa e União da Vitória. 

Um grande aumento na demanda de madeiras para exportação se deu com a eclosão da I Guerra Mundial (1914-1918) – as principais áreas produtoras do pinho-de-Riga ao redor do Mar Báltico passaram a ser bloqueadas pela Alemanha e o pinho das araucárias passou a ser utilizado como uma “madeira genérica” por muitos países. Os Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, em menor escala, também se transformaram em importantes exportadores de pinho.  

Além da exploração da madeira para exportação, produção de móveis e construção civil, o avanço da agricultura na Região Sul ao longo de todo o século XX levou a araucária a beira da extinção – restam menos de 5% das matas originais. Na década de 1950, o Paraná foi o Estado brasileiro que mais realizou desmatamentos para a abertura de novas frentes agrícolas, dizimando importantes fragmentos sobreviventes da Mata das Araucárias. 

Sem sua fonte tradicional de madeiras, a forte indústria moveleira da Região Sul passou a voltar seus olhos para as imensas reservas florestais da Amazônia. Com a abertura das rodovias de acesso ao Sul da Amazônia a partir do início da década de 1960, carretas carregadas com gigantescas toras passaram a ser vistas rodando na direção da Região Sul com frequência cada vez maior. As serrarias locais, num primeiro momento, recebiam essas toras e realizavam o beneficiamento, produzindo tábuas, vigas, pranchas e folhas de madeira compensada.  

Num segundo momento, percebendo toda uma série de políticas de estímulo à migração para a Amazônia, muitas famílias de madeireiros da Região Sul (grande parte dessas empresas eram tocadas por famílias), passaram a migrar para a Amazônia a partir da década de 1970, passando a fazer o beneficiamento das madeiras in loco. Sem uma regulamentação e uma fiscalização adequada, a exploração madeireira passou a ganhar força e se transformou numa importante atividade econômica regional. Áreas desmatadas para exploração da madeira passam a ser usadas para atividades agrícolas e pecuárias, crindo um ciclo contínuo de devastação ambiental.

Para finalizar, uma curiosidade: existe uma sutileza importante na legislação ambiental que, há décadas, vem estimulando a exploração madeireira na Amazônia – é proibido exportar troncos de árvore in natura; porém, a madeira beneficiada não. Graças a esse mecanismo sutil, milhares de árvores são cortadas (legal e ilegalmente), beneficiadas e exportadas, ano após ano. 

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A NOSSA AMAZÔNIA

O ARCO DO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA

The Wider Image: Brazil's Amazon rainforest under siege by illegal mines

Desde a descoberta da foz do rio Amazonas, por Vicente Yáñes Pinzón em 1500, até meados do século XX, a grandiosa Floresta Amazônica conseguiu permanecer “praticamente” intocada. Todas as tentativas de colonização e de exploração das suas riquezas, como foi o caso do látex, representaram impactos ambientais praticamente desprezíveis para os mais diferentes ecossistemas amazônicos. Os processos de ocupação efetiva e de degradação da Floresta só passaram a ser significativos após a abertura de todo um conjunto de rodovias federais como a Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, a Belém-Brasília e a Transamazônica

Complementando esse conjunto de obras rodoviárias, o Governo Federal criou diversas políticas de incentivo a migração de produtores agrícolas de outras regiões do país em direção a Amazônia. O apelo das propagandas oficiais visava especialmente os chamados trabalhadores sem-terra – um dos principais slogans da propaganda oficial era “Uma Amazônia sem homens, para homens sem-terra“.  

Um grande exemplo foi a ocupação do território do Guaporé, que depois foi transformado no Estado de Rondônia, onde os colonos recebiam lotes com área entre 50 e 200 hectares (lembrando que cada hectare tem uma área de 10 mil m², o equivalente a um campo de futebol no padrão FIFA). Uma oferta dessas para um trabalhador sem-terra equivalia a um chamado do mitológico “canto de uma sereia”. Entre as décadas de 1970 e 1980, milhares de colonos passaram a ser assentados em extensas áreas do Norte do Mato Grosso, Rondônia, Acre e Sudoeste do Pará.  

Uma das condições estabelecidas pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, autarquia federal responsável pelos projetos de colonização, para a posse definitiva dos lotes doados era o desmatamento de, pelo menos, 50% da mata e o uso das terras para a produção agrícola e pecuária. O avanço simultâneo de toda essa massa de colonizadores contra a Floresta Amazônica criou o chamado “Arco do Desmatamento”. Com uma área superior a 500 mil km², essa é a região que apresenta os maiores índices de desmatamento de toda a Amazônia e onde acontecem as mais intensas queimadas nos meses de seca

Agricultura e floresta são duas coisas que não costumam combinar. Dentro de nossa tradição cultural, herdada principalmente dos nossos colonizadores europeus, é necessário derrubar ou queimar a floresta para só depois iniciar a prática da agricultura sobre os solos desnudos. Essa “tradição” remonta a um passado distante, entre 10 e 12 mil anos atrás, quando surgiu a primeira grande revolução da humanidade, que foi magistralmente definida pelo escritor Alvin Toffler como “A Primeira Onda”- a invenção da agricultura, também conhecida como revolução agrícola ou revolução neolítica.

A agricultura foi uma atividade criada e desenvolvida originalmente nas estepes da Ásia e nas áreas de várzea de grandes rios como o Nilo, no Norte da África, ou no IndusGanges, rios do subcontinente indiano. Esses ecossistemas têm vegetação extremamente rala – as estepes asiáticas são cobertas em sua maior parte por gramíneas, lembrando muito os Pampas gaúchos; as áreas de várzea costumam apresentar grandes extensões de juncais, como por exemplo os papiros do rio Nilo, além de vegetação arbustiva e algumas árvores. Praticar agricultura nestes tipos de terrenos é bem diferente da prática em regiões cobertas por densas florestas, onde primeiro é necessário derrubar e queimar as grandes árvores, formando assim uma espécie de “estepe” artificial, para só depois começar a arar a terra e a semear os grãos, plantar os legumes, frutas e verduras.  

Quando os primeiros grupos humanos “modernos” e já habituados a prática da agricultura passaram a migrar das estepes do Oriente Médio e da Ásia Central para a Europa, encontraram um continente coberto por densas florestas. E para conseguir “espaço” para as suas práticas agrícolas, esses grupos humanos passaram a derrubar e queimar grandes extensões de floresta. Um grande exemplo desse processo é a Inglaterra, país que já foi completamente coberto por florestas e que hoje tem algo como 2% da cobertura florestal original – a famosa Floresta de Sherwood, esconderijo do lendário Robin Hood, hoje em dia não passa de um pequeno bosque, que lembra muito um parque urbano. 

A introdução da agricultura aqui no Brasil começou na década de 1530, época em que desembarcaram em nossas terras os primeiros colonizadores, que nas suas “bagagens” trouxeram as primeiras mudas de cana-de-açúcar, bois para puxar os arados e as grandes carroças de lenha (naquela época, para se produzir 1 kg de açúcar, era necessária a queima de 20 kg de lenha nos engenhos coloniais) e alguns escravos africanos, uma vez que se imaginava usar a mão de obra dos indígenas. Havia um “pequeno obstáculo” para o início da formação dos primeiros canaviaistoda a faixa Leste das costas do Brasil era coberta por uma densa floresta, que mais tarde acabou batizada de Mata Atlântica.  

Originalmente, a Mata Atlântica cobria uma extensa faixa de terras ao longo do litoral brasileiro, desde o Norte do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. Em alguns trechos, como nos Estados de São Paulo e Paraná, a floresta avançava continente a dentro atingindo áreas da Argentina e do Paraguai. A área original da Mata Atlântica é calculada em pouco mais de 1,3 milhão de km² – o que restou em nossos dias é menos de 10% dessa área. No litoral da região Nordeste, a Mata Atlântica ocupava uma estreita faixa ao longo do litoral, com uma largura que variava entre 30 e 80 km e que ainda hoje é conhecida como a Zona da Mata.  

Exploradores e cronistas das primeiras décadas da colonização falavam da imponência da Mata Atlântica no litoral nordestino, onde se encontravam grandes árvores e grandes rios – por mais estranho que isso possa parecer nos dias atuais, a água era um elemento dominante na faixa litorânea do Nordeste.  

A introdução da cultura da cana-de-açúcar na região Nordeste gradativamente foi destruindo a floresta a “ferro e a fogo” – grandes trechos da Mata Atlântica arderam continuamente dia e noite durante décadas, liberando assim espaço para o plantio de novas mudas das plantas e garantindo a produção continua do valioso açúcar. Esse avanço feroz da agricultura contra as matas nordestinas teve um altíssimo custo ambiental – os riquíssimos e férteis solos de massapê, gradativamente, passaram a ser carreados pelas chuvas e arrastados na direção desses grandes rios. Da antiga e densa Mata Atlântica nordestina, restaram umas poucas manchas verdes em terrenos de  difícil acesso. 

Esse mesmo conjunto de práticas agrícolas foi estendido a outros trechos cobertos por Mata Atlântica nas Regiões Sul e Sudeste, levando ao desaparecimento de 90% do bioma. A partir da década de 1970, com o desenvolvimento de sementes de grãos adaptados para os solos e climas do Cerrado, o mesmo modelo de colonização foi “exportado” para os sertões do Brasil Central – em pouco mais de 40 anos, calcula-se que metade da vegetação do bioma já foi suprimida para a abertura de campos agrícolas. 

A colonização e o povoamento da Amazônia, resultado de todo um conjunto de esforços políticos e estratégicos de sucessivos Governos, obteve êxito em deslocar centenas de milhares de trabalhadores rurais e suas famílias para a Região Norte. Os desmatamentos e as queimadas que assistimos hoje no chamado Arco do Desmatamento é, simplesmente, o resultado que seria esperado – a Floresta Amazônica está sendo derrubada e queimada para a abertura de campos agrícolas e de áreas de pastagens para a pecuária. 

Essa é uma história que começou há mais de 12 mil anos e que todos sabemos como vai terminar. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

“AMAZÔNIA: UMA TERRA SEM HOMENS PARA HOMENS SEM-TERRA”

Rodovia Transamazônica em uso

Nas últimas postagens, apresentamos um panorama geral da abertura de todo um conjunto de rodovias na Região Amazônica:  a Rodovia Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, a Belém-Brasília, a Transamazônica, a Cuiabá-Santarém e a Porto Velho-Manaus. Esse conjunto de obras rodoviárias era a espinha dorsal de um projeto mais amplo chamado PIN – Plano de Integração Nacional

As décadas de 1960 e 1970 foram de uma enorme paranoia internacional, quando a Guerra Fria entre os países do bloco capitalista, sob a “liderança” dos Estados Unidos, estava em um confronto feroz contra o bloco comunista liderado pela então URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A Corrida Espacial entre esses dois blocos é uma forma de percebermos essa disputa – os russos conseguiram colocar o primeiro homem em órbita – Yuri Gagarin, em 1961; já os norte-americanos pousaram a primeira missão na lua, a Apolo XI, em 1969. 

No campo político, a Guerra Fria entre as grandes potencias se mostrava no apoio a diferentes lados de conflitos locais, onde o grande exemplo foi a Guerra do Vietnã (1955-1975). Na América Latina, o grande foco de tensão regional surgiu após a Revolução Cubana, quando um grupo de rebeldes apoiado pela União Soviética derrubou o ditador Fulgêncio Batista em 1959 e implantou um regime comunista nas “barbas” dos Estados Unidos. Esse novo regime cubano pretendia apoiar outros grupos revolucionários da região, algo que desagradava os interesses norte-americanos e levou o Departamento de Estado dos Estados Unidos a apoiar, direta ou indiretamente, uma série de golpes militares por toda a América Latina, inclusive aqui no Brasil.  

Essa rápida introdução dá uma ideia do clima político daqueles tempos conturbados e que resultaram na implantação de um “Regime de Exceção”, como os militares preferem chamar a ditadura que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Além de todo esse temor com o avanço do “Comunismo Internacional”, os militares perdiam o sono com uma outra grave ameaça – a proposta para a Internacionalização da Amazônia, uma doutrina que vinha sendo proposta por muitos políticos desde o final da década de 1940. 

Ocupando mais de 40% do território do Brasil, a Amazônia era uma região pouco habitada e muito isolada do restante do país. Os militares enxergavam nessas características um forte argumento para a Internacionalização – como o Brasil não mostrava um interesse maior na ocupação, integração e exploração econômica da região, os demais países do mundo tinham seus próprios planos para a Amazônia. É importante ressaltar que o movimento ambientalista ainda nem existia naqueles tempos. 

O PIN surgiu na esteira do PND – Plano Nacional de Desenvolvimento, proposto para o período 1972-1974. Esse Plano apresentava uma série de políticas regionais, especialmente para as Regiões Nordeste e Amazônica – enquanto a Amazônia esbanjava recursos naturais, especialmente água, o Semiárido Nordestino enfrentava mais uma de suas tradicionais estiagens, com milhares de famílias sofrendo com os flagelos da seca. Criar condições para a migração de milhares desses nordestinos em direção à Amazônia resolveria, ao mesmo tempo, parte da situação emergencial criada pela seca, além da colonização e ocupação da Floresta Amazônica. 

O Regime Militar era especialista no uso da propaganda para promover as suas ações e para angariar apoio da população civil do país. Quem tem mais de 50 anos de idade deve lembrar de muitas das campanhas veiculadas nos meios de comunicação da época. Entre muitas outras, cito o Sujismundo, “Esse é um país que vai prá frente” e a campanha do carro a álcool. Para apoiar a política de ocupação e colonização da Região Norte, foram criadas várias campanhas institucionais, com farta produção de materiais de comunicação. Um dos principais slogans dessas campanhas era “Uma Amazônia sem homens, para homens sem-terra“. Esse slogan complementava o do PIN: “Integrar para não Entregar”. 

Divulgados na forma de comerciais ou de pequenos filmes inseridos no conteúdo jornalístico dos telejornais da época, esses materiais mostravam a riqueza da Floresta Amazônica, com grandes árvores e imensos rios. Caminhões repletos de imigrantes chegavam nessas terras pelas estradas recém-abertas e começavam a derrubar a mata para plantar. Guardadas as devidas diferenças de época e contextos históricos, esses materiais de comunicação lembravam muito os cartazes criados na época do Primeiro Governo Vargas, onde se convocavam os jovens Soldados da Borracha para os fronts nas selvas. 

Além de conquistar corações e mentes nos sertões do Semiárido Nordestino, essas campanhas atingiam em cheio grandes grupos de trabalhadores sem-terra da Região Sul. Com a grande crescimento da população nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a disponibilidade de terras era cada vez menor e as tensões no campo eram enormes. Diversos projetos de colonização do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, estimularam milhares de famílias da Região Sul a migrar para a Amazônia, principalmente para os Estados de Mato Grosso e Rondônia

A construção da Rodovia Transamazônica, que foi pensada para ligar o litoral da Paraíba aos confins da Amazônia, seria a porta para a entrada de milhares de nordestinos rumo aos diversos projetos de colonização. Como parte do projeto da obra havia a previsão para a criação de agrovilas, onde cada família receberia um lote de terras com 100 hectares. Para quem não está acostumado com essa unidade de medida, cada hectare corresponde a uma área com 10 mil m² ou o equivalente ao tamanho de um campo de futebol com as medidas oficiais da FIFA. Para uma família de agricultores sem-terra da Região Sul ou para um flagelado pela seca no Nordeste, a ideia de ganhar um lote de terras desse tamanho era como um sonho. 

Para garantir que esses lotes de terra fossem efetivamente ocupados e transformados em áreas produtivas, o INCRA exigia que, pelo menos, metade dessa área fosse desmatada e usada na produção agrícola ou pecuária como pré-condição para a emissão dos documentos para a posse definitiva. O Plano de Integração Nacional previa o assentamento de 100 mil famílias em toda a Amazônia. 

Na Região Amazônica brasileira vivem atualmente perto de 20 milhões de pessoas. Grande parte dessa população tem suas origens em outras regiões brasileiras e sua presença na Amazônica está ligada direta ou indiretamente a todos os programas de estímulo à migração criados nos tempos do Regime Militar e também aos programas para a abertura de rodovias iniciadas ainda na década de 1950. Essa colonização forçada, é claro, teve uma série de consequências, que vão dos grandes desmatamentos e queimadas que tanto espaço ocupam nos noticiários, aos graves problemas de violência que estão por trás das disputas por terras e áreas de exploração de garimpo. Também podemos incluir na lista a falta de acesso das populações à educação, ao saneamento básico e aos sistemas de saúde. 

Parte das terras sem homens da Amazônia foram ocupadas por homens sem-terra. Falta agora integrar “socialmente” essas pessoas ao restante do país. 

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A RODOVIA MANAUS-PORTO VELHO, MAIS CONHECIDA COMO ”O CAMINHO DAS ONÇAS”

Rodovia Manaus-Porto Velho

Dentro do grande pacote de obras rodoviárias que foi realizado na Região Amazônica, a Rodovia BR-319 é uma espécie de ponto fora da curva. Construída entre 1968 e 1973, essa Rodovia passou a permitir a ligação rodoviária entre os cerca de 870 km que separam as cidades de Manaus e Porto Velho, e, a partir daí, criou uma ligação terrestre com todo o restante do país. A certa altura da sua história, essa Rodovia começou a sofrer com a falta de manutenção e, pasmem, com a sabotagem. Atualmente, um grande trecho da Rodovia só é transitável em veículos 4 x 4 bem equipados e os jipeiros da região passaram a chamar a pista de “caminho das onças”. Vamos entender isso: 

A Rodovia BR-319 nasceu como um complemento natural da Rodovia Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco. Durante o período dos Governos Militares (1964-1985), conforme comentamos em postagens anteriores, foi criado o PIN – Programa de Integração Nacional, um ambicioso pacote de obras rodoviárias e outros projetos que tinham como objetivo interligar e integrar todo o território nacional. A Amazônia estava no coração desse Programa, que tinha como slogan “Integrar para não Entregar”. Os militares brasileiros temiam a ideia da Internacionalização da Amazônia, pregado por muita gente desde 1947, e a integração dessa extensa região ao restante do país por um conjunto de rodovias era uma alternativa para estimular a colonização e o desenvolvimento regional.

Uma ligação rodoviária entre Manaus e Porto Velho também criaria uma importante opção logística para o escoamento da produção do Pólo Industrial de Manaus, que até então estava restrito ao transporte fluvial e aéreo.  As mercadorias saíriam de Manaus em caminhões e poderiam chegar rapidamente aos grandes centros consumidores do país. 

Com a abertura desse caminho, milhares de imigrantes vindos de todo o Brasil, passaram a ser assentados em diversos projetos de colonização, onde imaginavam construir um futuro promissor com as suas famílias. As boas condições da Rodovia na época permitiam o tráfego regular de ônibus rodoviários entre as cidades de Porto Velho e Manaus, além de permitir o fácil escoamento da pequena produção agrícola e pecuária. Os solos da Amazônia, conforme já comentamos em outras postagens, são pobres e ácidos, não permitindo a produção de grandes safras. As boas condições logísticas da Rodovia BR-369, porém, permitiam que esses produtores rurais conseguissem faturar algum dinheiro com os poucos excedentes que conseguiam produzir.

Ao contrário de outras rodovias que foram abertas na região Norte, a BR-319 foi asfaltada de ponta a ponta logo após a abertura, diferente da Cuiabá-Porto Velho, que só foi asfaltada cerca de 20 anos depois da abertura, e da Transamazônica, que até os dias de hoje aguarda pelo revestimento asfáltico em grande parte da sua extensão. Porém, segundo consta, esse asfaltamento foi feito às pressas e teve parte das obras realizadas no período das chuvas, uma situação que compromete bastante a qualidade dos serviços. Com o tráfego intenso de carros e caminhões que a Rodovia passou a receber, o revestimento asfáltico começou a se deteriorar rapidamente, exigindo muita manutenção, o que nem sempre acontecia a contento.

A primeira vez que ouvi falar da BR-319 foi durante uma reunião de trabalho em Rondônia em 2009, onde estavam presentes várias autoridades do Governo local, inclusive o Governador do Estado. Ao final dessa reunião, numa conversa bastante informal, o Governador falou das péssimas condições em que a Rodovia se encontrava e lembrou que, nos seus tempos de juventude, trabalhou dirigindo caminhão. Segundo seu relato, ele fazia o trajeto Porto Velho-Manaus várias vezes por semana carregando frutas, numa viagem que levava em média 12 horas.

O sucesso e a funcionalidade da Rodovia Manaus-Porto Velho, desgraçadamente, conspiraram na sua eventual destruição. Desde os tempos do Primeiro Ciclo da Borracha, que ganhou fôlego na década de 1870 e se estendeu até os primeiros anos da década de 1910, a navegação fluvial nos rios Madeira e Purus eram as únicas formas de transportes e comunicações entre Manaus e os centros produtores de látex nos Territórios do Guaporé, atual Estado de Rondônia, e da faixa Leste do Acre. Esse monopólio só seria quebrado décadas depois com a criação das primeiras linhas áereas na Amazônia, uma concorrência muito pouca significativa para as empresas de transporte fluvial.

Com a abertura da Rodovia BR-319 no início da década de 1970, as empresas de navegação que operavam nos rios Madeira e Purus sentiram pela primeira o impacto da concorrência. Seguindo uma rota entre esses dois rios, a Rodovia passou a oferecer um percurso muito mais rápido para o transporte de cargas e pessoas. A viagem de barco entre Porto Velho e Manaus dura entre 3 e 5 dias, a favor da correnteza, e mais de 7 dias no trajeto de volta, contra a correnteza. As viagens das grandes balsa de carga podem levar até 10 dias. Saindo de Rio Branco, no Acre, esse tempo de viagem fluvial aumenta em pelo menos um dia.

Para os passageiros, essa é uma viagem que não é das mais confortáveis, com as pessoas sendo obrigadas a dormir em redes espalhadas pelo convés da embarcação e compartilhando poucos banheiros a bordo. Outro ponto complicado dessas viagens fluviais é a segurança – essas embarcações não possuem sistemas de navegação eletrônica ou radares. Certa vez, ouvi ocapitão de uma dessas embarcações falando que, para navegar a noite, ele se guiava apenas pela diferença entre o reflexo das águas e o escuro profundo das margens – um tronco submerso ou um banco de areia raramente podem ser percebidos dessa maneira. Os acidentes com embarcações se contam às  centenas a cada ano nos rios da Bacia Amazônica.

Corre a “boca pequena” entre as populações dos barrancos do Madeira e do Purus que foram grupos organizados e/ou financiados pelas empresas de navegação fluvial as responsáveis pela destruição de grande trechos da Rodovia BR-319. Se aproveitando dos inúmeros problemas de erosão provocados por falhas na drenagem pluvial e dos desplacamentos no revestimento asfáltico, esses grupos usaram retroescavadeiras e outros tipos de máquinas para aumentar esses problemas. Trechos que estavam com o revestimento asfáltico em boas condições e muitas das pontes e pontilhões que atravessam os cerca de 150 igarapés do percurso, foram mandados pelos ares com o uso de dinamite.

Em 1988, a empresa que operava a linha de Õnibus Manaus-Porto Velho suspendeu seus serviços por absoluta falta de condições de tráfego. A Rodovia foi oficialmente fechada logo depois, condenando milhares de pessoas das pequenas cidades e vilas que surgiram ao longo das margens ao isolamento. Em diversos trechos, a Floresta Amazônica engoliu as faixas das antigas pistas de rodagem. Sucessivos Governos autorizaram a realização de obras paliativas para tentar recuperar o tráfego por esta Rodovia, sem obter grandes resultados.

Há um projeto que prevê a reconstrução total da Rodovia Manaus-Porto Velho, que segue a duras penas. Antevendo os inúmeros problemas ambientais que surgirão com a reabertura dessa rodovia no coração da Floresta Amazônica, os órgãos ambientais passaram a exigir a criação antecipada de uma série de Reservas Ambientais e Parques Nacionais ao longo do trajeto antes de emitir a Licença Ambiental. Enquanto isso, as famílias que migraram para a região acreditando nas promessas do Governo Federal, continuarão a sofrer com o esquecimento e o isolamento.

A história da Rodovia BR-319 ajuda a entender uma velha máxima que ouvi uma vez – a Amazônia não é para amadores.

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A CONSTRUÇÃO DA ESTRATÉGICA RODOVIA CUIABÁ-SANTARÉM

Rodovia Cuiabá-Santarém

Até uns 25 anos atrás, eu trabalhava no setor de marketing de uma grande empresa multinacional do ramo eletroeletrônico. Certa feita, um colega da filial escocesa da empresa veio realizar um trabalho aqui no Brasil e passou duas semanas trabalhando comigo. Na véspera da viagem de retorno, resolvi levar esse colega para conhecer as praias do Guarujá no litoral de São Paulo, uma viagem de pouco mais de 80 km. O gringo, simplesmente, ficou alucinado com o visual da estrada pela Serra do Mar e com a praia, que apesar de estar longe da beleza das praias da Região Nordeste, era infinitamente melhor que as praias pedregosas e de águas geladas da Escócia. 

Um detalhe interessante dessa viagem foi uma parada num restaurante para o almoço. Numa das paredes do estabelecimento havia um gigantesco mapa do Brasil, onde o escocês fez questão de ver a região onde nós estávamos. Foi nesse momento que o estrangeiro se deu conta do tamanho colossal do nosso país – o trecho de 80 km da nossa viagem, que num país pequeno como a Escócia é relevante, no mapa do nosso país era desprezível. A incredulidade desse colega mostrou-se ainda maior quando lhe disse que o território brasileiro sozinho ocupava uma área equivalente a mais de 80% do território da Europa – o olhar de espanto do escocês deixava nítido que ele, nem de longe, imaginava isso. 

As dimensões continentais do Brasil já foram muito “maiores” – até uns 70 anos atrás, cerca de 2/3 do nosso território ficava em regiões isoladas e pouco habitadas como o Centro-Oeste e a Amazônia. A “Marcha para o Oeste”, criada no primeiro Governo do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945), foi o primeiro marco do nosso avanço na ocupação total do nosso território. A abertura de grandes estradas, que começou com o Plano Rodoviário criado no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek (1957-1961) e que ganhou muita força no PIN – Plano de Integração Nacional, no período dos Governos Militares (1964-1985), permitiu a integração do país como um todo. Se você conferir num mapa o que foi essa integração, verá que o país mais que “triplicou de tamanho” sem aumentar um único km² em suas fronteiras internacionais. 

No caso da Região Amazônica, tema da sequência de postagens que estamos publicando, a abertura de rodovias como a Cuiabá-Porto Velho e a Belém-Brasília foram fundamentais na criação de acessos rodoviários a localidades isoladas do país. Os Territórios Federais do Guaporé, atual Estado de Rondônia, e do Acre, citando como exemplo, só eram acessíveis por via fluvial navegando nos rios da Bacia Amazônica, ou de avião. O mesmo acontecia com a cidade de Belém, no Estado do Pará, que se comunicava com o restante do país majoritariamente via navegação de cabotagem. No encalço dessas obras vieram outras – as Rodovias Transamazônica, a Cuiabá-Santarém e a Porto Velho-Manaus. Falemos um pouco da Cuiabá-Santarém. 

A abertura de uma ligação terrestre entre as cidades de Cuiabá, no Mato Grosso, e Santarém, no Pará, se mostrou estratégica dentro do conceito de Segurança Nacional pregado pelo PIN, cujo lema era: Integrar para não entregar. O fantasma da Internacionalização da Amazônia tirava o sono dos militares brasileiros, que não poupariam esforços na defesa do território brasileiro. A construção dessa rodovia ficou inteiramente a cargo dos BEC – Batalhões de Engenharia e Construção, do Exército Brasileiro. 

As obras foram iniciadas em 1971, quando o 9° Batalhão de Engenharia e Construção foi deslocado do Rio Grande do Sul para Cuiabá, iniciando a construção da rodovia no sentido Norte. Esse Batalhão montou dois acampamentos – o primeiro na região de Rio Verde, que se transformaria depois no embrião da cidade de Lucas do Rio Verde; o segundo acampamento foi instalado na Serra do Cachimbo, entre o Sul do Pará e o Norte do Mato Grosso. Na cidade de Santarém foi instalado o 8° Batalhão de Engenharia e Construção do Exército, que iniciou a construção da segunda frente de obras da rodovia no sentido Sul. 

O trabalho conjunto de cerca de 1.500 homens desses dois batalhões permitiu que, em 5 anos, fosse aberta uma Rodovia com cerca de 1.700 km de extensão. A vegetação extremamente densa da Floresta Amazônica e as fortes chuvas no período do Inverno Amazônico, que reduzia o período de obras para cerca de 4 meses a cada ano, limitou o avanço das frentes de serviço. De acordo com informações do Exército, as obras causaram a morte de 32 homens – nenhum deles vítima de acidentes de trabalho, mas devido aos males de doenças como a malária e a febre amarela. 

Para contornar os problemas logísticos e de falta das mais precárias infraestruturas, os militares construíram alojamentos e escritórios móveis, montados sobre o chassi de carretas – conforme as frentes de obras avançavam, essas unidades eram rebocadas e estacionadas em novos acampamentos. Outra fonte de dificuldades eram os avanços das unidades de topografia, que eram obrigadas a seguir através de picadas abertas a facão e que chegavam a ficar 40 dias isoladas na selva. Essas unidades eram abastecidas por aviões, que jogavam os suprimentos seguindo os sinais de fumaça das unidades no meio da floresta. 

O avanço simultâneo das duas frentes de serviço cruzou o território de diversos grupos indígenas, a grande maioria já contatada anteriormente por sertanistas e sem maiores incidentes de relacionamento. Um momento extremamente tenso das obras ocorreu quando os indígenas da tribo Kreen-a-Karone, conhecidos como os Gigantes da Amazônia, foram encontrados. Essa era uma tribo isolada e bastante temida pelos outros índios. Os famosos antropólogos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas, que figuram entre os criadores do Parque Indígena do Xingu, foram chamados pelos militares e fizeram um intenso trabalho de aproximação e pacificação. Por segurança, as obras do trecho ficaram paralisadas durante os trabalhos dos sertanistas, que optaram por uma polêmica transferência dos indígenas para o Xingu. 

Com a abertura e consolidação dos trechos da Rodovia, o Governo Federal passou a realizar leilões para a concessão de terras a empresas de colonização interessadas. Essas empresas se responsabilizavam pela abertura de estradas vicinais e pelo loteamento das terras. Uma dessas empresas foi a SINOP – Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná, que criou diversos núcleos habitacionais na região, inclusive a cidade que recebeu seu nome e que hoje já conta com uma população de 180 mil habitantes.  

A região Norte do Estado de Mato Grosso se transformou na maior produtora de grãos do Brasil nas últimas décadas e a Rodovia Cuiabá-Santarém se transformou em umas das principais opções logísticas para o escoamento da produção. Os grãos seguem de caminhão até a cidade de Santarém, nas margens do rio Amazonas, onde são embarcadas em navios cargueiros e exportadas para todo o mundo. Apesar de toda a sua importância, uma parte importante da Rodovia não recebeu o revestimento asfáltico – esses trechos ficam praticamente intransitáveis na época das chuvas. Em anos recentes, foram muitas as reportagens que mostravam milhares de caminhoneiros presos nos imensos atoleiros da Rodovia Cuiabá-Santarém. 

Nos últimos anos, com uma maior intensidade nos últimos meses, os Batalhões de Engenharia do Exército Brasileiro receberam a missão de recuperar e asfaltar esses trechos da Rodovia, onde se inclui a construção de várias pontes e outras obras complementares. Se por um lado, essas obras resultarão em uma enorme melhoria nas comunicações e transportes dessa importante fronteira agrícola do país, elas também resultarão, no médio e longo prazo, num aumento da pressão para abertura de novas áreas agrícolas em trechos ainda preservados da Floresta Amazônica. No nosso atual modelo de agricultura, que pressupõe a derrubada da mata para a criação de campos agricultáveis para a produção de grãos como a soja, podemos esperar novas frentes de impactos ambientais na Região. 

Conforme estamos comentando nessa sequência de postagens, o processo contínuo de interiorização e de integração das diferentes Regiões brasileiras levou a abertura de uma verdadeira Caixa de Pandora. Na mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus, muita parecida com a Eva da nossa tradição judaico-cristã. Consta que Pandora, contra a vontade de Zeus, abriu um jarro que continha todos os males do mundo – uma vez aberto, esse jarro (ou caixa, como é mais conhecido) não poderia ser fechado novamente.  

É mais ou menos isso o que ocorre hoje na Amazônia – não há como voltar atrás com o avanço da “civilização”… 

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A ICÔNICA RODOVIA TRANSAMAZÔNICA

Rodovia Tranamazônica

Um ditado antigo e repetido à exaustão diz que a “propaganda é a alma do negócio”. Comecei a postagem citando isso por que as lembranças mais fortes que tenho dos tempos dos Governos Militares (1964-1985), eram os comerciais do Governo Federal que passavam na televisão e os chavões que eram repetidos durante as reportagens que assistíamos nos telejornais. A década de 1970, tempos do chamado “Brasil Grande” e do “Milagre Econômico Brasileiro”, foi uma época com maciças campanhas publicitárias governamentais – eu era bem garoto e tinha uma memória prodigiosa: lembro perfeitamente de tudo isso. 

O personagem Sujismundo, uma espécie de anti-herói que adorava a sujeira e o lixo, era um dos meus favoritos e seus comerciais terminavam com o slogan – “Povo desenvolvido é povo limpo”. Outro inesquecível era um desenho animado, com muitas crianças brincando e cantando a musiquinha “Este é um país que vai prá frente”, ou ainda “O Brasil é feito por nós!”. Um outro, num tom bem didático, contava a história do petróleo e da nossa responsabilidade no uso dos combustíveis. Já o sombrio “Amazônia, desafio que unidos vamos vencer” mostrava a construção da Rodovia Transamazônica, com máquinas derrubando as grandes árvores da floresta. 

A construção da Rodovia Transamazônica foi a maior, mais ambiciosa e mais icônica obra rodoviária realizada naqueles tempos. Preocupados em garantir a ocupação e a soberania sobre a Amazônia e seus fabulosos recursos naturais, os Militares imaginaram uma gigantesca rodovia com mais de 5,6 mil km de extensão, que rasgaria todo o território do país, ligando o litoral da Paraíba, a Leste, com o extremo Oeste do então Território do Acre, na divisa com o Peru. A Transamazônica seria, em tese, o grande eixo para o povoamento e a colonização da Região Amazônica. Felizmente, pelo bem da Floresta, as coisas não saíram exatamente como foi imaginado. 

A Rodovia Transamazônica era a principal obra do PIN – Programa de Integração Nacional, uma espécie de upgrade do Plano de Metas criado no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Esse Programa incluía outras grandes obras como as Rodovias Perimetral Norte e a Cuiabá-Santarém, a Ponte Rio-Niterói, projetos de irrigação no Semiárido Nordestino, entre outros grandes projetos. 

Dentro do espírito nacionalista há época, onde um dos grandes receios dos militares era a Internacionalização da Amazônia, o slogan do PIN era “integrar para não entregar”. Com a abertura da Transamazônica, o Governo Federal imaginava deslocar 100 mil famílias de agricultores sem-terra, principalmente nordestinos, para a Região Norte, resolvendo simultaneamente problemas de reforma agrária e de povoamento da Amazônia

As obras foram iniciadas oficialmente em 1970 na região de Altamira, no Estado do Pará, quando o Presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), descerrou uma placa comemorativa numa clareira no meio da selva, nas margens do rio Xingu. Inicialmente, as frente de obras se estenderiam até a fronteira do Acre com o Peru. Depois, o projeto inicial foi modificado e a Rodovia atingiria a cidade de Benjamin Constant, no Estado do Amazonas, na fronteira com o Peru e a Colômbia. Por fim, a Rodovia chegou até a cidade de Lábrea, no Estado do Amazonas, nas margens do rio Purus. A obra custou fabulosos US$ 1 bilhão, em valores da época, e foi “inaugurada” praticamente sem trechos pavimentados na Amazônia e com inúmeras pontes construídas em madeira. 

As diversas frentes de obras trabalhavam em pontos isolados da Floresta Amazônica, onde as máquinas e materiais pesados foram transportados por meio de balsas. Os trabalhadores eram transportados de avião até os acampamentos e ficavam longos períodos isolados de suas famílias e da “civilização”. Quando chegava o período das chuvas, o chamado Inverno Amazônico, quando é praticamente impossível realizar esse tipo de obra, os trabalhos eram interrompidos e os trabalhadores eram evacuados. As obras só voltariam a ser retomadas com a chegada do Verão, que na Região Amazônica é o período da seca. Eu já trabalhei em obras civis na Amazônia e conheci de perto essa rotina de parada e recomeço de obras por causa do clima. 

Além de todas as dificuldades técnicas e logísticas de uma obra desse porte nessas condições de isolamento, os trabalhadores ficavam sujeitos a toda uma série de doenças como malária e febre amarela, picadas de animais peçonhentos como cobras, aranhas e escorpiões, encontros bruscos com animais selvagens como as onças, além de ataques de indígenas hostis. Existem inúmeros relatos extraoficiais de encontros com esses índios e que foram resolvidos “a bala”. Como esses indígenas não “existiam oficialmente” – não tinham certidão de nascimento, carteira de identidade ou título de eleitor, sua morte em um confronto armado também seria virtual e não necessitaria de um atestado de óbito – bastava enterrar seus corpos no meio da mata e esquecer o ocorrido

A Transamazônica foi “concluída” em 1972, quando entrou em cena o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com seu plano para assentar famílias de agricultores ao longo da Rodovia. A cada 100 km da Transamazônica, o INCRA pretendia instalar uma agrovila, onde cada família de assentado receberia um lote de terras com 100 hectares e um salário-mínimo por um determinado período de tempo (cerca de seis meses). Cada assentado tinha a obrigação de desmatar, pelo menos, 50% da área desse lote e transformá-lo em “terra produtiva”. 

Os solos amazônicos, conforme já apresentamos em postagens anteriores, são em sua grande maioria argilosos e de baixíssima fertilidade. É a própria Floresta Amazônica que gera uma camada superficial de húmus fértil, criado a partir de árvores, galhos e folhas mortas que caem sobre o solo e se decompõem. Restos de animais mortos também entram na formação desse húmus. Com a supressão da mata, essa camada fértil fica exposta às intempéries e se esgota rapidamente, restante um solo altamente ácido e de baixa fertilidade. Alguns poucos desses colonos tiveram a sorte de ganhar um lote com “terra preta de índios”, um tipo de solo fértil criado artificialmente por antigas tribos indígenas da Amazônia. 

O projeto das agrovilas se mostrou um verdadeiro fracasso – entre 80 e 90% dos colonos assentados abandonaram os lotes poucos anos depois. Além da baixa fertilidade e produtividade dos solos, esses agricultores se ressentiram da falta de apoio técnico dos órgãos governamentais, da falta de infraestrutura básica nas agrovilas – saúde, educação e saneamento, além do isolamento e dificuldades nos transportes e comunicações. Com a chegada do período das chuvas, a Rodovia Transamazônica ficava praticamente intransitável por cerca de 6 meses.  

A maior parte desses agricultores desiludidos e abandonados (essa é uma característica que acompanha os migrantes da Amazônia desde os tempos do Ciclo da Borracha), passaram a migrar para grandes cidades como Porto Velho, Altamira e Marabá, onde tentariam uma vida melhor. Muitos abandonariam o trabalho na agricultura e se arriscariam no garimpo e na exploração ilegal da madeira. O sonho de uma “Amazônia sem homens para homens sem-terra” virou um pesadelo para muita gente. Em 2010, eu percorri um pequeno trecho da Transamazônica entre as cidades de Humaitá e Lábrea, no Estado do Amazonas, e vi pouquíssimas casas nas margens da rodovia – a imponente Floresta Amazônica ainda domina as paisagens por lá. 

Do ponto de vista da preservação ambiental da Floresta Amazônica, o fracasso do projeto das agrovilas foi altamente benéfico. Se esses projetos tivessem vingado, a situação dos desmatamentos e das queimadas, que tanto preocupam o mundo inteiro atualmente, seriam muito maiores e mais graves. 

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BELÉM-BRASÍLIA: “A RODOVIA DA UNIDADE NACIONAL”

Rodovia Belém-Brasília

A comunicação e a integração entre as diferentes partes de um reino, império ou, em tempos modernos, de um país e de suas populações sempre foram elementos essenciais para a manutenção da integridade desses territórios. Um exemplo de fácil lembrança é o Império Romano, o maior da antiguidade, que no seu auge no século II da Era Cristã tinha uma impressionante rede de estradas com perto de 80 mil km de extensão. Eram esses caminhos que permitiam o tráfego de pessoas, exércitos, mercadorias e, principalmente, dos impostos que mantinham o Império em funcionamento.  

Os romanos foram, de longe, os maiores construtores de estradas do passado e muitas rodovias modernas da Europa e do Oriente Médio surgiram a partir dessas antigas estradas romanas. Em tempos mais modernos, a formação e a ocupação de grandes territórios como o dos Estados Unidos e do Canadá só foi possível graças a construção de inúmeras ferrovias a partir de meados do século XIX. No Brasil, a ocupação territorial se concentrou numa faixa de 500 km ao longo do litoral e por um breve período, durante o Ciclo da Borracha, foram feitos esforços para o povoamento da Amazônia. No geral, porém, os “sertões” do Brasil eram praticamente desabitados e isolados do restante do país.

Conforme comentamos em postagens anteriores, foi a partir da década de 1940, no Governo do Presidente Getúlio Vargas, que passaram a ser criadas políticas de estímulo à migração e colonização de extensas faixas “vazias” de território nos sertões do Brasil, principalmente na Região Centro Oeste e na Amazônia. Uma dessas políticas foi a famosa “Marcha para o Oeste”. A abertura de rodovias e a construção de ferrovias de acesso a essas fronteiras era essencial para o avanço dessas populações de desbravadores. 

No Governo do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), houve um grande avanço nesse processo de interiorização graças ao Plano de Metas, onde se previu grandes investimentos na área de transportes e construção de rodovias. O Governo Federal tinha o plano de construir 10 mil km de rodovias por todo o Brasil ao longo de 5 anos, uma meta que foi superada e cerca de 18 mil km de rodovias foram construídas.  

A construção da Rodovia BR-364, que ligou as cidades de Cuiabá, no Mato Grosso, a Porto Velho, no Território do Guaporé, no início da década de 1960, foi um dos frutos desse Plano de Metas. Uma outra importante obra desse período e que foi fundamental para a integração terrestre de uma parte importante da Região Amazônica ao restante do território brasileiro foi a Rodovia Belém-Brasília

Uma das mais marcantes obras do Governo do Presidente Juscelino Kubitschek foi a construção de Brasília e a transferência da Capital Federal para os sertões do Planalto Central. Essa mudança desagradou muito os servidores públicos federais que moravam na beira da praia na cidade do Rio de Janeiro, mas foi fundamental no processo de interiorização do país. No “vácuo” da construção de Brasília foi iniciada, em 1958, a construção dessa Rodovia e o Presidente Juscelino Kubitschek pretendia fazer a sua inauguração simultaneamente com a nova Capital Federal em 1960. 

Para dar conta da construção de uma rodovia com mais de 2.100 km de extensão, em apenas dois anos, foram criadas duas frentes serviço – uma saindo da região de Anápolis, em Goiás, seguindo rumo ao Norte, e outra saindo de Belém, no Estado do Pará, rumo ao Sul. Os esforços de construção envolveram 11 construtoras diferentes e um exército de mais de 1.200 homens. Além dos trabalhos de derrubada de matas, terraplanagem e pavimentação, a obra exigiu a construção de 43 pontes, inclusive uma com mais de 500 metros de extensão sobre o rio Tocantins. 

Um dos detalhes curiosos dessa obra, que é resultado do cronograma apertado e da falta de modernas tecnologias de localização geográfica como o GPS (sistema de posicionamento global por satélite), foi o desencontro das duas frentes de trabalho – devido a soma de pequenos erros de topografia, as duas frentes de obras acabaram separadas por um desvio de mais de 1 km.  Poucos anos atrás, na construção de uma das linhas do Metrô da cidade de São Paulo, houve um erro semelhante na construção de um dos túneis. Os dois trechos em construção ficaram desalinhados em cerca de 2 metros no ponto de encontro das duas frentes de obra, mesmo contando com as mais modernas tecnologias de construção atuais.

Devido a localização desse trecho das obras numa área de mata densa da Floresta Amazônica, foi necessário o uso de um helicóptero para sobrevoar a área e orientar os ajustes de percurso para unir as duas pontas da rodovia. O encontro das duas frentes de obra aconteceu no dia 31 de janeiro de 1959. No documentário da época Belém-Brasília – a rodovia da unidade nacional, você terá uma boa ideia de como foi a saga para a construção dessa rodovia e do ufanismo nacionalista dessa época. 

No início da década de 1970, durante o período dos Governos Militares, a Rodovia Belém-Brasília passou por obras de modernização e de readequação do traçado, onde perto de 70% do percurso original foi modificado. A Rodovia ficou mais linear e mais plana, com largura de 12 metros e dotada de acostamentos, muito mais adequada para o tráfego de caminhões e de cargas pesadas.  

Esses trabalhos faziam parte dos esforços de ocupação do Cerrado, uma nova fronteira agrícola do país que surgiu após o desenvolvimento de culturas de grãos adaptados aos solos e clima desse bioma. Essa ocupação da região foi intensa, especialmente no Norte de Goiás, mais tarde transformado no Estado do Tocantins. 

A abertura da Rodovia Belém-Brasília foi fundamental para a ocupação de extensas áreas da Região Amazônica, principalmente no Estado do Pará, onde passaram a se destacar cidades como Castanhal, Santa Maria, São Miguel do Guamá. Paragominas e Capanema. Infelizmente, com a ocupação desse imenso território por colonos vindos especialmente da Região Sul, tiveram início os grandes desmatamentos e as queimadas nessa região da Floresta Amazônica.  

A sessão de lotes de terras para esses colonos há época estava vinculada à limpeza das áreas (ou seja, a supressão da mata) e ao uso do solo – quem não realizasse esses trabalhos perdia o direito as terras. Esse modelo de colonização priorizou o uso da terra dentro dos mesmos moldes usados nas Regiões Sul e Sudeste, onde a agricultura e a pecuária precisavam de terras livres de mata – culturas típicas da Amazônia como o cacau, que pode ser produzido com a mata em pé, sequer foram consideradas. 

Durante o ciclo dos Governos Militares (1964-1985), a ocupação e povoamento da Região Amazônica foi uma prioridade nacional absoluta. Havia um temor generalizado da ideologia da Internacionalização da Amazônia, uma tese que foi defendida por muitos nas décadas de 1940 e 1950. Essa tese previa transformar a Amazônia em uma área internacional e de uso comum por toda a humanidade, a exemplo do que foi feito com a Antártida. Para evitar que isso acontecesse, os Governos Militares criaram diversas políticas para a ocupação rápida da Amazônia e a Rodovia Belém-Brasília foi transformada numa das principais portas de entrada dessa ocupação. Nessa época, qualquer pessoa que levantasse a voz contra o Regime Militar e falasse de ecologia e preservação ambiental, algo comum em nossos dias, seria enquadrado na Lei de Segurança Nacional e preso como subversivo

A construção da Rodovia Belém-Brasília foi fundamental para o processo de integração nacional e de ocupação territorial iniciado na década de 1940. Por outro lado, ela está na raiz de grande parte da devastação da Floresta Amazônica que nós assistimos hoje. Se você pegar um mapa e olhar onde estão as grandes queimadas na Amazônia, verá que grande parte está localizada ao longo do eixo dessa Rodovia no Pará, onde a colonização surgiu com a ideia de “desmatar para desenvolver”. 

Mudar esse paradigma será o grande desafio das novas gerações. 

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DANIEL KEITH LUDWIG E O POLÊMICO PROJETO JARI

Projeto Jari

Em 1978, comecei a frequentar o primeiro ano do ensino técnico em um tradicional colégio católico do meu bairro. Naqueles tempos do Regime Militar, saltava aos olhos o número de padres comunistas desse colégio, que se concentravam nas matérias da área de Humanas. Uma dessas matérias era Educação Moral e Cívica, onde o professor/padre passava metade do tempo falando mal dos militares e, na outra metade, falando do forte movimento sindical da época. Para piorar, esse professor adorava me confrontar em sala de aula pois eu era um dos raríssimos alunos protestantes do colégio (hoje em dia chamam isso de bullyng). 

Certa feita, não lembro exatamente por que, eu faltei no dia de uma das provas. Em substituição a essa prova, tive de ler e resumir um livreto sobre a ocupação estrangeira da Amazônia naquele momento e que estava sendo comandado por um bilionário norte-americano chamado Daniel Keith Ludwig e essa ocupação respondia pelo nome de Projeto Jari. Apesar de bastante criticado pelo professor, esse resumo garantiu que eu recuperasse a nota da prova e que nunca mais esquecesse do Projeto Jari. 

Daniel Keith Ludwig era o típico norte-americano que atingiu a fama e a fortuna com muito trabalho e ousadia. Começou a trabalhar na infância vendendo pipoca e engraxando sapatos para depois atingir o sucesso como construtor naval. Depois passou a diversificar seus investimentos e passou a operar com hotelaria, produção agropecuária e florestal, mineração, entre outros, quando chegou a ter negócios em mais de 20 países. Um de seus mais ousados e megalomaníacos projetos foi a criação de um gigantesco projeto de produção florestal e de papel e celulose no Estado do Amapá, na Amazônia brasileira. 

Antevendo um grande crescimento da demanda mundial de papel e celulose, Ludwig passou a estudar a viabilidade de investimentos de grande porte nesse setor. Em 1967, em “associação” com um grupo empresarial brasileiro, Daniel Ludwig adquiriu uma grande área de terras na divisa entre o Território do Amapá e o Estado do Pará. O tamanho da área do Projeto Jari, que o empresário norte-americano conseguiu comprovar legalmente, era de um milhão e setecentos mil hectares, pouca coisa menor que o tamanho do Estado de Sergipe. A área total reivindicada por Ludwig era, no entanto, de cerca de três milhões de hectares. Segundo os dados disponíveis, Daniel Keith Ludwig era, há época, um dos maiores proprietários individuais de terras do Ocidente.  

A grandiosidade do Projeto Jari não se limitava apenas à área total do empreendimento – a infraestrutura que seria necessária para viabilizar o Projeto também era invejável. Foram construídos cerca de 9 mil km de estradas, uma ferrovia e vários portos, além de ser plantada uma gigantesca área de reflorestamento para o fornecimento da madeira, matéria-prima da celulose. Foram usadas duas espécies exóticas – a gmelina arbórea e o pinus caribeaque foram plantadas em uma área de 100 mil hectares. Uma das etapas mais midiáticas do Projeto Jari foi a chegada de uma fábrica de celulose e de uma usina termelétrica de 50 MW flutuantes (vide foto), construídas na forma de balsas no Japão e que foram rebocadas por mais de 25 mil km até chegarem no rio Jari, na divisa do Amapá com o Pará. 

Além da produção de celulose, o Projeto Jari tinha outras ramificações. Na área agropecuária, o Projeto tinha o interesse em criar a maior área contínua de cultivo de arroz do mundo, além concentrar rebanhos de gado com dezenas de milhares de cabeças. No segmento da mineração, o Projeto investiu na produção de caulim, além de possuir importantes reservas de minério de ferro, bauxita, quartzo, calcário e ouro. Milhares de empregos foram criados em todas as frentes de serviço do Projeto Jari, o que levou a criação de três núcleos habitacionais. 

O tamanho e os números grandiosos do Projeto Jari rapidamente começaram a chamar a atenção de toda a população do país, especialmente dos militares, que não viam com bons olhos uma área tão grande da Amazônia nas mãos de um norte-americano. Apesar da associação formal com um grupo empresarial brasileiro, a maior parte do capital e do controle da empresa estava nas mãos de um estrangeiro – para os militares mais radicais, Daniel Keith Ludwig poderia, a qualquer momento, fincar a bandeira de um outro país e declarar o Projeto Jari como um território estrangeiro. 

O cerco ”militar” ao Projeto Jari começou no âmbito jurídico. Um exemplo foi a criação de uma lei em 1971, que proibia a estrangeiros a posse de uma área superior a 25% de um munícipio. Para complicar ainda mais, não mais do que 40% dessa área podia estar nas mãos de um único dono. Essa lei foi criada sob medida para enquadrar Daniel Ludwig – a maior parte do município de Marzagão, no Território do Amapá, pertencia ao Projeto Jari. O empresário se defendeu afirmando que comprou as terras em 1967, antes da criação da dita lei. 

Outra frente desse “cerco” passou a ser a contestação da posse de parte das terras do Projeto Jari. Na Amazônia existem grandes extensões de terras que são consideradas como florestas públicas, áreas de preservação, Terras Indígenas, reservas minerais estratégicas, entre outras, que existem no papel, mas que carecem de uma demarcação formal, onde os limites estão claramente demarcados com as devidas coordenadas geográficas. Órgãos federais como o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e o GEBAM – Grupo Executivo do Baixo Amazonas, órgão subordinado ao temido Conselho de Segurança Nacional, começaram a mover diversas ações na justiça contra o Projeto Jari, questionando a posse de diversas áreas. 

Uma outra frente que se levantou contra Daniel Keith Ludwig e seu grandioso Projeto Jari, e que aos poucos começou a ganhar força foram os ambientalistas. Conforme já apresentamos em postagens anteriores, o movimento ambientalista começou a ganhar força no início da década de 1960 com o lançamento do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson. Em 1972, foi realizada em Estocolmo, na Suécia, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, com a participação de diversos chefes de Estado. A Floresta Amazônica, é claro, foi colocada entre as prioridades da proteção ambiental e o gigantesco Projeto Jari foi classificado como uma das grandes ameaças à biodiversidade amazônica. Em 1979, inclusive, foi criada uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, no Congresso Nacional em Brasília, para apurar as denúncias de devastação da Floresta Amazônica provocadas pelo Projeto Jari. 

Além de todo esse conjunto de problemas externos, o Projeto Jari enfrentava uma série de problemas internos de ordem gerencial – a produtividade das diversas unidades de negócio estava sempre abaixo das projeções iniciais – o faturamento do empreendimento não estava sendo suficiente para cobrir o volume total do investimento feito, que segundo afirmou Daniel Ludwig foram superiores a US$ 800 milhões há época. Esse volume de problemas era tamanho que, em 1978, as atividades do Projeto Jari foram responsáveis por 37% do déficit externo do Brasil. 

Em 1981, um desiludido e doente Daniel Ludwig anunciou que estava abandonando o Projeto Jari. No ano seguinte, depois de muitas idas e vindas, foi anunciado que um grupo de 23 empresários brasileiros assumiria o controle do Projeto Jari. No ano 2000 o Grupo Orsa assumiu o controle da Jari Celulose, que aos poucos foi transformada em um empreendimento economicamente viável. Em 2004, a Jari Celulose foi certificada pelo FSC – Forest Steward Council, selo que indica que o manejo florestal é ambientalmente adequado, socialmente benéfico e economicamente viável. 

Finalmente, o frustrado sonho megalomaníaco de Daniel Keith Ludwig se transformou numa tardia realidade. 

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