OS SOLDADOS DA BORRACHA, OU QUEM DISSE QUE O RAIO NÃO CAI DUAS VEZES NO MESMO LUGAR?

Soldados da Borracha

Relembrando o que já falamos em postagens anteriores, o Primeiro Ciclo da Borracha na Amazônia entrou em decadência a partir de 1913, ano em que a produção de látex dos seringais do Sudeste Asiático superou a produção da Amazônia. O início da I Guerra Mundial (1914-1918) deu uma sobrevida à produção do látex da Amazônia, que acabou por dar seus últimos suspiros em 1920.

Centenas de milhares de pessoas ligadas à extração e beneficiamento do látex nos confins da Bacia Amazônica, onde se incluem os seringueiros e seus familiares, tropeiros, mateiros, gerentes, jagunços, anotadores, entre outros, simplesmente foram abandonados à própria sorte no meio da mata. Sem condições de retornar aos seus locais de origem, principalmente nos sertões do Semiárido Nordestino, grande parte desses profissionais acabou cooptada pela indústria internacional das peles e dos couros – os antigos trabalhadores da indústria gomífera acabaram transformados em caçadores de animais silvestres para aproveitamentos dos couros e peles dos animais. Falaremos disso em outra postagem.

Com o início da II Guerra Mundial (1939-1945), tropas do Império Japonês passaram a avançar sobre os países e territórios da Ásia, colocando em risco os seringais ingleses nas suas colônias do Sudeste Asiático. A indústria bélica dos chamados Países Aliados não podia perder seus suprimentos de borracha, matéria-prima essencial para a fabricação de pneus, correias, mangueiras, esteiras e mais uma infinidade de componentes básicos para caminhões, carros, veículos blindados e aviões. Sem o suprimento dos seringais asiáticos, a antiga produção da Amazônia precisava ser retomada a qualquer custo.

A solução encontrada em negociações entre os Governos dos Estados Unidos e do Brasil há época, que foram chamados de Acordos de Washington, foi a criação de pelotões de soldados brasileiros especializados na extração e beneficiamento do látex. Os milhares de voluntários que se apresentaram para esse penoso trabalho passaram para a história com o nome de Soldados da Borracha. De acordo com dados oficiais, cerca de 55 mil desses soldados foram enviados para a Amazônia entre 1943 e 1945, a grande maioria recrutada mais uma vez na Região Nordeste.

O Brasil vivia nessa época sob o regime ditatorial de Getúlio Vargas (1930-1945), com um forte discurso populista e nacionalista. E foi usando justamente um discurso fortemente nacionalista, que o Governo Vargas recrutou milhares de jovens voluntários para servir nesse “exército” de seringueiros e dar a sua contribuição para vencer as chamadas Potencias do Eixo, que reuniam a Alemanha, a Itália e o Japão.

O Governo brasileiro se comprometeu a fornecer uma série de matérias-primas para o Esforço de Guerra, onde se incluíam alumínio, cobre, café e látex. Um dos acordos previa a sessão de uma área para a instalação de uma base militar americana no Brasil. Entre as contrapartidas para o Brasil havia a promessa de empréstimos para a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, no interior do Estado do Rio de Janeiro, e compra de material bélico. O Brasil assumiu o compromisso de fornecer 45 mil toneladas anuais de látex, um trabalho que exigia o trabalho de cerca de 100 mil homens.

Para estruturar os serviços de coleta e beneficiamento do látex na Amazônia, o Governo Vargas criou o SEMTA – Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, uma autarquia que ficaria responsável por todas as operações, desde o recrutamento dos Soldados à gestão da produção nos seringais. Do lado norte-americano, foi criada a RDC – Rubber Devepment Corporation, uma trading formada com o dinheiro de industriais e que se encarregaria do financiamento das operações. Para cada Soldado da Borracha deslocado para a Amazônia, a RDC pagava US$ 100.00 para o Governo Brasileiro.

Assim como aconteceu no chamado Primeiro Ciclo da Borracha (1850-1920), o Governo brasileiro há época se valeu de uma série de artifícios para recrutar e convencer os jovens a se alistaram no serviço. O famoso artista plástico suíço Pierre Chabloz foi contratado pelo SEMTA para fazer os cartazes de divulgação do serviço e do recrutamento. As mensagens publicitárias, que hoje seriam classificadas como propagandas enganosas, falavam das possibilidades de uma vida nova na região Amazônica, chamada de “terra da fartura”. Padres, professores, médicos e outros líderes comunitários alfabetizados, eram usados nos trabalhos de comunicação boca a boca, ajudando a explicar as condições do serviço para uma massa de analfabetos. Um dos argumentos mais usados para convencer os jovens a se alistar no serviço era a possibilidade de “ganhar dinheiro a rodo”.

O SEMTA oferecia um pequeno salário a cada Soldado da Borracha durante a viagem até a Amazônia e a promessa de uma remuneração de 60% do valor obtido com a venda do látex. Alguns veteranos sobreviventes do serviço afirmam que costumavam circular boatos entre os recrutas, onde se falava que “o seringueiro mais produtivo do ano seria premiado com a bolada de 35 mil cruzeiros“. Além desse trabalho de convencimento feito pelo SEMTA, o Governo Federal fazia uma pressão mais pesada, afirmando que os jovens poderiam ir voluntariamente “cortar seringa na Amazônia” ou serem alistados a força na FEB – Força Expedicionária Brasileira, indo servir nos fronts da guerra na Itália.

Os voluntários passavam por um minucioso exame médico, onde era verificada a aptidão física de cada um para o extenuante trabalho nos seringais. Passada essa etapa, os recrutas passavam por um treinamento militar básico – o treinamento prático para a coleta do látex nas matas e as técnicas para a defumação das pélas de borracha seria feito in loco na Floresta Amazônica. Como a imensa maioria dos recrutas era de origem nordestina, os principais alojamentos dos Soldados da Borracha ficavam na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará.

De acordo com os registros disponíveis, cada Soldado da Borracha recebia, além de um monte de promessas por parte do Governo, um uniforme e um kit básico para o trabalho nas matas: “uma calça de mescla azul, uma camisa branca de morim, um chapéu de palha, um par de alpercatas (sandálias de couro), uma mochila, um prato fundo, um conjunto de talher com garfo e colher, uma caneca de folha de flandres, uma rede e um maço de cigarros Colomy.” Munidos desse “equipamento básico”, os recrutas eram embarcados para a Bacia Amazônica e distribuídos ao longo das antigas áreas conhecidas de seringais.

Os problemas dos Soldados da Borracha começaram já na viagem de ida até a Bacia Amazônica – todo o litoral brasileiro fervilhava de submarinos alemães, que tinham ordem de afundar qualquer embarcação suspeita de transportar unidades militares ou suprimentos para os Países Aliados. Ao chegaram a seu destino final nos seringais nos confins da floresta, os Soldados já chegavam endividados, a exemplo de seus conterrâneos de gerações anteriores. A mesma antiga estrutura de funcionamento dos seringais foi mantida e os novos trabalhadores ficariam nas mãos dos seringalistas, que anotavam em uma caderneta cada centavo gasto com roupas, comida, ferramentas, remédios ou armas e munições. Como acontecia nos tempos passados, todas as mercadorias “vendidas” no barracão dos seringais era inflacionadas e os valores pagos pelo látex estavam abaixo da cotação do mercado.

Diferentemente das belas paisagens mostradas nos cartazes de recrutamento, as seringueiras reais não se encontravam perfeitamente alinhadas como numa plantação, mas sim espalhadas aleatoriamente pela floresta. Calcula-se que cerca de 31 mil Soldados da Borracha morreram na Floresta Amazônica, abatidos por doenças como a malária, febre amarela e hepatite; em ataques de animais selvagens como onças e cobras e também nas tocais feitas por indígenas selvagens. Cerca de 25 mil sobreviventes foram abandonados na Região Amazônica pelo Governo Federal após o fim da Guerra. O Governo do Presidente Getúlio Vargas terminou em 1945 e o novo Governo que assumiu entendeu que não era obrigado a honrar as promessas feitas pela ditadura que o precedeu.

Com a libertação dos territórios ocupados pelos japoneses na Ásia por tropas Aliadas, a produção dos seringais do Sudeste Asiático foi retomada, tornando irrelevante, mais uma vez, a produção do látex da Amazônia. Como parte dos Esforços de Guerra, as indústrias petroquímicas desenvolveram a borracha sintética feita a partir do petróleo, muito mais barata e de fácil produção, o que reduziu imensamente o mercado mundial do látex.

Os Soldados da Borracha sobreviventes, abandonados à própria sorte na Amazônia, somente foram reconhecidos pelo Governo Federal em 1988, quando um projeto de lei garantiu o pagamento de uma pensão vitalícia de dois salários mínimos, além do reconhecimento da sua participação na Guerra.

E esse foi o fim melancólico do Segundo Ciclo da Borracha…

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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