A HIDROVIA DO RIO MADEIRA

Rio Madeira

Com aproximadamente 1.086 km de águas navegáveis, o rio Madeira forma a segunda mais importante hidrovia da bacia Amazônica, só ficando atrás do poderoso rio Amazonas. A navegação pela intrincada rede de rios ganhou importância a partir da segunda metade do século XIX, quando toda a região da Floresta Amazônia foi transformada na grande “mina”, onde milhares de homens se embrenhavam nas matas em busca do “ouro branco” da floresta: o látex. O rio Madeira passou então a ocupar uma posição de destaque, se transformando na principal via de comunicação e transporte com o Sudeste da Amazônia e região do Território do Guaporé. 

Passado mais de um século da derrocada do Ciclo da Borracha, quando a exploração e produção do látex na região é bastante insignificante, o rio Madeira continua sendo a mais importante via de transportes (senão a única) entre Porto Velho e Manaus. Aqui vale ressaltar que a rodovia BR-319, que fazia a ligação entre Porto Velho e Manaus, está intransitável e com vários trechos interrompidos há muitos anos. De todo o trecho navegável do rio Madeira, somente as populações das cidades de Porto Velho, no Estado de Rondônia, e de Humaitá, no Amazonas, possuem acesso ao transporte rodoviário – todos os demais habitantes dependem exclusivamente do Madeira para o transporte de cargas e de pessoas. 

O rio Madeira tem uma largura que varia entre 440 metros e 10 km, com uma declividade de apenas 1,7 cm e um percurso de águas totalmente livres, sem barragens ou qualquer outro obstáculo para a navegação. A profundidade oscila bastante em função das mudanças entre o período das chuvas, que vai de julho a outubro, e da seca, que vai de fevereiro a maio, podendo chegar aos 18 metros. O rio é navegável durante todo o ano, permitindo o tráfego de comboios de barcaças de carga com até 18 mil toneladas. 

Rondônia é um Estado de fronteira, que está geograficamente deslocado em relação aos grandes centros habitacionais dos país. As maiores cidades no entorno de Porto Velho, a capital do Estado, são Manaus, distante cerca de 900 km e com acesso exclusivamente fluvial ou aéreo, e Cuiabá, distante cerca de 1.450 km. Os grandes núcleos habitacionais  do país como Belo Horizonte e São Paulo estão a mais de 3 mil km de distância. A saída oceânica direta, se considerarmos a BR-230, Rodovia Transamazônica, uma via transitável, é o porto da cidade de Belém do Pará, a mais de 2.550 km de distância. Esse isolamento geográfico cria uma série de problemas tanto para o escoamento da produção local, quando para a importação de produtos de consumo para a população: o custo do frete encarece tudo. Entre os anos de 2009 e 2010, quando morei na cidade de Porto Velho em função do meu trabalho nas obras do sistema de esgoto da cidade, eu simplesmente ficava assustado com o preço dos produtos a cada vez que ia ao supermercado. 

A principal via de ligação do Estado de Rondônia com o restante do país é a Rodovia Federal BR-364, que sai de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, e vai até a cidade de Rio Branco, no Acre, atravessando todo o Estado de Rondônia. No total, Rondônia conta com mais de 7,2 mil km de estradas de rodagem, entre vias federais e estaduais, todos convergindo facilmente na direção de Porto Velho. Essa situação transformou o modal de transportes de navegação fluvial no rio Madeira numa importante opção ao caro e poluente transporte rodoviário. 

Os principais produtos agrícolas “exportados” por Rondônia pela Hidrovia do rio Madeira são soja, cacau, café, milho, arroz, feijão e mandioca. O Estado também é o caminho de passagem de parte da produção de grãos de Mato Grosso, levada por via rodoviária até Porto Velho, para transporte pelo rio Madeira até os portos de Manaus e Itacoatiara. A pauta de produtos inclui, além da soja e do milho, produtos do complexo da soja como o farelo, a casquinha e o óleo de soja. Completam a lista contêineres de produtos, açúcar e veículos, que sem a opção de rodovias, seguem nas embarcações até as grandes cidades do Estado do Amazonas. Na viagem de volta (subindo o rio Madeira), as embarcações trazem produtos de consumo, gás natural, gasolina e óleo diesel, matérias primas, veículos, e todos os demais produtos e equipamentos utilizados pelas empresas instaladas em Rondônia

A cidade de Porto Velho conta com um terminal graneleiro, construído em 1995 com o objetivo de dinamizar os embarques na cidade. Em apenas dois anos de operação, o terminal atingiu a plena capacidade de operação, sendo responsável por quase 90% de todos os embarques da Hidrovia do rio Madeira. O restante dos embarques e desembarques é feito nos portos fluviais da cidade que, até a minha última visita em 2010, eram extremamente precários e sem uma infraestrutura à altura da importância da navegação fluvial no rio Madeira. 

Os comboios de barcaças de carga autorizados a navegar no rio Madeira são compostos por até 20 barcaças de 2 mil toneladas cada e um rebocador/empurrador, com o comprimento máximo limitado a 270 metros, 55 metros de largura e calado de 3,6 metros. Nos períodos de seca intensa, os comboios de carga são limitados a 9 barcaças por razões de segurança. O principal porto de destino das cargas é o de Itacoatiara no rio Amazonas, que tem capacidade para atender até 40 comboios por semana. O porto tem capacidade para receber navios entre 40 mil e 60 mil toneladas e está localizado a pouco mais de 1.100 km das águas do Oceano Atlântico. Os portos de Manaus, capital do Estado do Amazonas, e de Santarém, no Estado do Pará, são outros destinos importantes para as cargas transportadas pela Hidrovia do rio Madeira. O volume total de cargas transportadas na Hidrovia é superior a 4 milhões de toneladas anos, sendo que as cargas de soja correspondem a 55% deste total. 

Conforme comentamos em postagem anterior, a Hidrovia do Rio Madeira tem um grande potencial de crescimento, especialmente se for integrada à Hidrovia Guaporé-Mamoré. Essa Hidrovia permitiria que parte das cargas que são transportadas hoje por via rodoviária, desde regiões de Mato Grosso e Rondônia, passem a ser transportadas por via fluvial nos rios Guaporé e Mamoré. O incremento desta Hidrovia poderá, inclusive, atender ao transporte de cargas de grãos e de outros produtos desde regiões do interior da Bolívia. O grande “nó” logístico atual é a interligação entre as cidades de Guajará-Mirim e Porto Velho, que até décadas passadas era feito através de Ferrovia Madeira-Mamoré – não custa lembrar que essa Ferrovia é hoje uma simples lembrança e, simplesmente, precisaria ser reconstruída. 

O Brasil é um país privilegiado por grandes extensões de águas navegáveis em seus rios, especialmente na região da Bacia Amazônica. Diferentemente de outros países, que foram abrigados a cavar canais de navegação com centenas de quilômetros (lembro o exemplo do Canal do Midi, na França, que foi concluído em 1.666), nossas hidrovias precisam, basicamente, de instalações portuárias, sinalização e, em alguns casos, de barragens com eclusas. A Hidrovia do rio Madeira, que é uma das mais privilegiadas que temos, só precisa de melhor infraestrutura portuária e de cargas, cada vez mais cargas. 

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